24 de setembro de 2014

SETEMBRO TUMULTUOSO

Do hábito de guardar muitos apontamentos, recortes e páginas de jornais e demais informação que não consigo abarcar nos momentos próprios, mas que também são as minhas delícias de consulta e memórias, levou-me a um amontoar excessivo de documentação de vários anos, para a já escassez de espaço e facilidade de consulta.
E foi assim que lá foram quatro dias numa de selecionar alguns dos milhares de documentos então reunidos, para continuar a guardar/consultar, indo os remanescentes para o Banco Alimentar, fora as centenas de documentos digitalizados.
É que o vento do aproximar da longevidade também já começa a varrer da memória muita coisa que gostaríamos de transmitir.
No entanto, nuns breves dias por terras de nuestros hermanos, na falta de imprensa portuguesa, lá vai um olhar para o “El País”, de 56 páginas, que, por azar, naquele dia cinco, nem uma palavra sobre o nosso pobre Portugal, apesar de se considerar “El periódico global”. Volto-me para o “La Vanguardia”, de 64 páginas, e dá-se a mesma coisa. Dos desportivos espanhóis que consultei, “Mundo desportivo” e “As”, ambos de 48 páginas, nada sobre Portugal, mas tão só sobre dois portugueses, emigrantes de primeira, Mourinho e Cristiano.
Já em Andorra, um companheiro de viagem – Fernando Madeira – me pergunta se vou escrever algo sobre a mesma. Fiquei satisfeito por saber que é um dos meus leitores.
Chegados ao nosso retangulozinho à beira mar plantado, confirmámos a continuidade, isto é, o nosso mundo em que só alguns portugueses foram para férias. E isto num vasto leque de portugueses insatisfeitos, pessimistas e sem esperança em que 96% acham que a situação económica do país é má. Quer dizer que todos os portugueses descreem no “milagre” económico. É que nenhum país da Europa, nem mesmo a Grécia, tem estes resultados.
Depois, também os portugueses acabam por não acreditar em nada, nem em ninguém, nem na política nem nos políticos. Andam humilhados, desprezados e maltratados, como que culpados por terem emprego, com salários e alguns direitos, e, por o terem, estarem a impedir os desempregados de aceitarem receber uma miséria e poderem ir para a rua a qualquer altura.
Para além de preocupados com o futuro, também o medo de caírem na pobreza, com o desemprego e o custo de vida.
Aquilo que todos desejávamos ver a dar confiança aos portugueses, continua num caos. Falamos da justiça e da educação.
Entretanto, os tribunais já começaram a sair do fundo do túnel, e, vai daí, o Face Oculta vai mandar para detrás das grades (vamos ver, vamos ver…) o transmontano Armando Vara que, azar meu, faz anos nas vésperas do meu aniversário, esse “grande político” que de bancário passou a banqueiro, que possui algumas ordens honoríficas, sendo que sugeria ainda recebesse a medalha de Santa Ana, padroeira dos sucateiros, e de Santa Bárbara, padroeira das tempestades, dos pescadores e dos robalos. E, com ele, o sucateiro Manuel Godinho.
E lá temos o BES que, de BEStial passou a BESta, talvez no “maior escândalo financeiro da história de Portugal”, conforme referiu o economista César das Neves. O que foi “dono disto tudo”, Ricardo Salgado, com a sua reforma anual superior a 900 mil euros, lá estava integrado no 1% da população portuguesa que corresponde a um quarto da riqueza de Portugal. O peso da fortuna dos mais ricos é maior do que se julgava, segundo um estudo publicado em julho no site do Banco Central Europeu. Quanto ao resto, já do conhecimento público, seguem-se as cenas dos próximos capítulos…
Com a saída de Durão Barroso, de Bruxelas, segue para a nova equipa do seu sucessor, como comissário europeu, o português Carlos Moedas, que vai receber o módico salário de 20 mil euros por mês. Entretanto, por cá, o valor das reservas de ouro do Banco de Portugal caiu 31% no ano passado.
Por cá, ainda, os compadres socialistas António Costa e António José Seguro não se entendem, na sua guerra fratricida, na luta de galos pelo poleiro, o que, par mim, é uma vergonha.
E, enquanto neste setembro, no regresso da chuva, continua o mundo em tumultos, com as terríveis consequências que a comunicação social nos faz chegar, desde as decapitações por elementos do Estado Islâmico, às centenas de mortes diárias nas guerras israelo-árabe, Iraque, Rússia/Ucrânia, e outros países, há ainda os empurrados para a morte de imigrantes no Mediterrâneo, a meio caminho entre o Norte de África e a Europa, com, pelo menos, 500 pessoas a perderem a vida, segundo testemunhos divulgados pela Organização Internacional para as Migrações (OIM).
Para alívio do Reino Unido, o mesmo continua unido, com o “não” à independência da Escócia. No entanto, aproveitando a boleia, aí está a Catalunha de olhos bem abertos, e daí, a ver vamos.

(In "Notícias da Covilhã", de 25.09.2014)



9 de setembro de 2014

SILLY SEASON FORA DE MODA

Entre uma agradável semana de férias em terras algarvias com inesquecíveis amigos, irmanados no mesmo espírito de confraternização e recordação dos tempos que quase todos vivemos na nossa meninice, apresso-me a escrever esta crónica tendo em conta que, dentro de algumas horas, tenho a esperança de poder desfrutar de mais um prolongado fim-de-semana por terras de nuestros hermanos.
Os jornais diários foram a minha companhia na procura de notícias que, neste período que dantes era considerado de silly season, hoje, na verdade já não o é, quer dizer, excluindo a “pimbalhada” na nossa RTP e, e até de outros canais que levam ao mais do mesmo, já que eu sou pouco avezado a fazer zapping, principalmente quando sempre que se me depara uma acentuada brejeirice.
Tal como nos últimos quatro anos, também este ano quase que se fez dissipar a silly season. Esta já não é o que era, já que entre demissões de ministros e queda de bancos, de figuras como Vítor Gaspar e Ricardo Salgado tem proporcionado muito trabalho à imprensa.
No verão de 2010, o BPN que fora liderado por Oliveira e Costa, voltou a ser falado com a reprivatização do mesmo, por via dum negócio de escândalo.
Já no estio de 2013 é a vez do ministro das Finanças, Vítor Gaspar, com críticas e “confissões” apresentar a sua demissão. É então que Passos Coelho, aceitando a demissão do seu “homem forte” se precipita numa crise política, ao nomear como sucessora no cargo vago, Maria Luís Albuquerque.
É aqui que Paulo Portas, líder do CDS, a formar coligação com o PSD, discordante da escolha do primeiro-ministro, vem anunciar, com pompa e circunstância, que irá “irrevogavelmente” demitir-se, o que, contrariando esta sua categórica decisão, não vem a acontecer e é promovido a vice primeiro-ministro. Resultado: os dicionários e enciclopédias vêem-se agora com problemas de significado daquela palavra. Quanto ao restante que se seguiu é já sobejamente conhecido do público.
E para que este período de veraneio não fosse exceção, em junho passado o Grupo Espírito Santo é extensamente noticiado na imprensa por fortes irregularidades nas sociedades que o envolvem. Entre o BES estar fora de perigo, o afastamento do seu líder e sua detenção, e o acabar por cair na desgraça, o Banco de Portugal separa o BES em dois bancos: um banco mau e um Novo Banco. Torna-se assim, pela primeira vez, o custo da operação, na história europeia, com a aplicação da nova legislação comunitária, com notícia em Portugal e no mundo. Nalguma coisa teríamos de ser os primeiros.
E já neste último agosto, o Tribunal Constitucional pega na caçadeira e aplica novo chumbo, o nono, obrigando o governo, acusado de “governar contra a lei”, a fazer um novo Orçamento Retificativo.
E, de verão quente atrás de verão quente, os últimos anos têm vindo a provar que o termo silly season está fora de moda. Tenhamos ainda em conta outros acontecimentos, como foi a chegada da troika a Portugal, em 2011, e as manifestações históricas por este país fora, em 2012, entre outros, pelo mundo fora.
E enquanto o Governo de Passos Coelho bate recorde nas alterações aos orçamentos do Estado; o BES o dividiram ao meio – o Banco bom (Novo Banco) e o Banco mau – entre “espíritos” e “santos”; o Governo continua a ser tão forte com os fracos e tão fraco com os fortes.
É que as quedas do GES e do BES puseram a nu as redes de construção de proteção do poder. Os portugueses já estão habituados aos intermináveis enredos dos processos de criminalidade económica.
A culpa de todos estes pecados será do sistema?
No Jornal de Negócios, João Pereira Coutinho dizia que “os políticos são maus porque os portugueses não exigem melhor”.
Já Manuel Carvalho (“Público” 31.08.14) se referia ao caso BES: “o que há apenas meia dúzia de anos seria um acontecimento catastrófico viveu-se como um incidente da silly season. A desilusão leva à letargia e daqui à resignação e ao conformismo, como se em questão estivesse apenas mais uma etapa do inescapável trânsito pelo purgatório a que nos condenaram”.

Vamos agora assistindo à guerra entre irmãos partidários desavindos – António Costa e António José Seguro, do PS, os quais, nesta geringonça, em vez de robustecerem a oposição para uma alternativa a um Portugal melhor, mais não passam que ser propiciadores de uma certa perplexidade nas condutas que levam à indiferença.

(In "fórum Covilhã", de 09.09.2014)