Desde sempre Portugal esteve envolvido em crises e soube
encontrar soluções. Umas vezes, por ousadia, outras, pelo génio e sapiência dos
seus homens e mulheres.
Nos tempos que correm, e ao longo destes quase nove séculos
da existência de Portugal, não deixam de surgir indesejáveis dificuldades,
tantas vezes evitáveis, presságio de sustos doutrora.
No dia 21 de agosto comemoraram-se os 600 anos da tomada de
Ceuta. Este feito histórico, que poderia ter redundado num desastre, acabou por
ter um fim feliz, fruto da participação, neste ato audacioso, da “Ínclita
Geração”.
Na Europa já não havia lugar para mais aventuras. Fora feita
a paz com os castelhanos, ainda não total, e, assim, também a sua desistência de
nos perseguir, resolvida que foi a crise de sucessão originada com a morte de
D. Fernando. Após o “Interregno”,1383
-1385, e a derrota dos castelhanos na Batalha de Aljubarrota em 14 de agosto de
1385, com o reforço da chamada Aliança
Inglesa através do casamento entre o Mestre de Avis – D. João I e D. Filipa
de Lencastre; com o génio do audaz militar, Condestável Nuno Álvares Pereira, eis
que a inspiração, o sonho, é ultrapassar as fronteiras europeias. Ali tão perto
ficava o norte de África muçulmano.
Após a Batalha de Aljubarrota, era ratificada, no Porto, por
D. João I, em 6 de outubro de 1385, a mercê que concede a renda do souto de
Alcambar, ao convento de S. Francisco da Covilhã destinada a concluir as obras
da igreja (atualmente Igreja de Nossa Senhora da Conceição).
Os portugueses, que constituíam apenas um milhão de
habitantes, contra os dez milhões de hoje, na madrugada de 21 de agosto de
1415, quando o sol começou a nascer, proporcionaram aos habitantes de Ceuta,
ver “na linha do horizonte um cenário tão grandioso como assustador”. Eram 20
mil homens que desembarcavam nas mais de 200 naus, fustas e galés, armados por
D. João I. Pela primeira vez, na história de Portugal de menos de quatro
séculos, os portugueses arriscaram sair do seu cantinho europeu na conquista
dum pedaço de África.
D. João I, então com 58 anos, desde muito cedo encontrou o
apoio entusiástico dos seus filhos mais velhos, D. Duarte, D. Henrique e D.
Pedro. Após resolvidas as incertezas sobre vários pontos: distância e ausência
de meio de transporte para chegar a Ceuta; a falta de gente; o futuro das
relações com Castela; sobre os proveitos a tirar da conquista, bem como custos
de manutenção da praça, garantido o apoio dos filhos, procurou também a aliança
do condestável, D. Nuno Álvares Pereira, que se tornara a estrela do regime,
agora com 55 anos, assim como da sua mulher, D. Filipa de Lencastre. Os filhos
do rei ficaram encarregados cada um da sua missão, cabendo ao infante D.
Henrique responsabilizar-se pelas tropas das Beiras e Trás-os-Montes que
embarcariam no Porto a 13 ou a 14 de julho. Neste contingente seguiam covilhanenses,
entre os quais D. Diogo Álvares da Cunha, colaborador do Infante D. Henrique,
aquando da tomada de Ceuta. Frei Diogo Álvares da Cunha, que professou na Ordem
de Cristo após aquela expedição, era neto da rainha D. Leonor Teles e de seu
primeiro marido, João Lourenço da Cunha. A tomada da cidade de Ceuta para
muitos marcou o início da expansão. A 19 de maio de 1426, D. Diogo entrou no
capítulo geral da sua ordem de Tomar. Após a expedição às Canárias, em 1424,
passou a ser comendador do Castelejo e Castelo Novo. Em 1438 recebeu 15.781
reis de soldo pelo seu serviço em Ceuta. Está sepultado na Igreja de Nossa
Senhora da Conceição, na Covilhã, onde é visível uma lápide com inscrição.
Entretanto um surto de peste, a poucos meses da partida,
veio dificultar os planos, e D. João I parte viúvo para Ceuta, porquanto D.
Filipa de Lencastre sucumbe desta doença, em 19 de julho de 1415. Também, D.
Nuno Álvares Pereira, idoso e cansado, tentou adiar a partida.
O que é certo e verdade é que, independentemente destas
dificuldades com que não contavam, aconteceu, com ousadia, mas com êxito, a
tomada de Ceuta a 21 de agosto de 1415.
“Ao Infante D. Henrique
é-lhe concedido por D. João I, em 2 de setembro de 1415, pela primeira vez, o
senhorio da Covilhã, para além da alcaidaria-mor. O grande impulsionador dos
Descobrimentos e da Expansão, raras vezes terá passado pelo território da Beira
Baixa. Devido a estes títulos que lhe foram concedidos a sua ação ter-se-á
refletido forçosamente aqui. Terras e indivíduos sob a sua jurisdição terão
beneficiado das diligências por ele efetuadas. Dos navegadores ao seu serviço,
nove eram da Covilhã”.
Segundo o “Público”, nos
seus tempos áureos, Ceuta fora uma cidade do tamanho de Lisboa. Chegou a ter 62
bibliotecas científicas e 24 mil casas comerciais.
Em fevereiro de 1641, o
governador de Ceuta, D. Francisco de Almeida, jurou obediência a Filipe IV. Desde
então, a cidade permaneceu espanhola até hoje, embora ainda conserve as armas
portuguesas desse tempo.
As comemorações que se
realizaram na Covilhã, no dia 22 de agosto, revestiram-se de grande esplendor
mas, lamentavelmente, sem qualquer eco nos jornais de referência nacionais.