18 de maio de 2016

OS 830 ANOS DO 1º FORAL DA COVILHÃ

Neste ano da graça de 2016 comemoram-se 830 anos em que o filho de D. Afonso Henriques, e segundo rei de Portugal, D. Sancho I, concedeu o 1.º foral à então Vila da Covilhã, no ano de 1186:
“Em nome da santa e indivisa trindade Padre, Filho e Espírito Santo. Ámen. Eu, o Rei D. Sancho, filho do Nobilíssimo Rei de Portugal Afonso e da Rainha D. Mafalda, juntamente com minha mulher a Rainha D. Dulce e meu filho o Infante D. Afonso e minhas filhas as Infantas D. Teresa e D. Sancha, queremos restaurar e povoar a Covilhã. Damos e concedemos a todos os que ao presente ou de futuro a quiserem habitar o foral e os costumes da cidade de Évora. Ordenamos que duas partes dos cavaleiros vão ao fossado do Rei e que a terça parte fique na vila com os peões fazendo fossado uma só vez por ano. E quem a ele não for pagará cinco soldos para fossadeira. Por homicídio pagar-se-ão cem soldos ao fisco. O que invadir casa com armas, escudos e espadas pagar-se-ão trezentos soldos, sendo a sétima parte para o fisco. O que furtar pagará nove por um pertencendo duas partes ao queixoso e sete ao fisco. O que forçar mulher e esta gritando disser que foi violentada e o ofensor negar dê-lhe esta outorgamento de três homens da sua igualha e ele jure com doze homens a sua inocência. Se a mulher não tiver outorgamento jurará ele e se não puder jurar pagará à ofendida trezentos soldos sendo a sétima parte para o fisco. A testemunha falsa e o fiel mentiroso paguem sessenta soldos sendo a sétima parte para o fisco e restitua em dobro o que recebeu. O que em assembleia, em mercado ou na igreja ferir alguém pague sessenta soldos metade ao fisco e metade ao concelho. (…) O que tiver um casal, uma junta de bois, 40 ovelhas, um jumento e duas camas tem obrigação de comprar cavalo. O que faltar à promessa de casamento pague ao juiz um soldo. A mulher à face da igreja que abandonar seu marido pagará 300 soldos sendo a 7.ª parte para o fisco. O que abandonar sua mulher pagará ao juiz um dinheiro. (…) Os moradores da Covilhã não pagarão em todo o reino nenhuma multa se não pelo foral da Covilhã. Os cavaleiros de Covilhã serão em juízo considerados como ricos-homens e infanções de Portugal. O gado de Covilhã não pagará o tributo de pasto em terra alheia. (…) Se algum homem retiver à força a filha família restitua-a a seus parentes pague-lhes 300 morabitinos sendo a sétima parte para o fisco e fique além disso homicida. (…) De portagem: tributo de costal de cavalo, de panos de lã ou de linho um soldo. De costal de lã um soldo. De costal de panos de algodão cinco soldos. De carga de peixe um soldo. De carga de jumento seis soldos. De carrega de peles de coelho trazida por cristãos cinco soldos. De carga de coelhos de mouros um morabitino. Tributo de cavalo que se vender no mercado um soldo. De mulo um soldo. De carga de pão ou de vinho três mealhas. De mouro que se vender no mercado um soldo. De mouro que se libertar a décima. Do salário do mouro a quem o seu senhor mandar trabalhar em serviço de outrem a décima parte. De coiro de vaca ou de zebra dois dinheiros.
Esta portagem será paga pelos de fora da vila pertencendo a terça parte dela a quem lhes der hospedagem e ao Rei as outras duas partes. Os moradores da Covilhã não pagarão portagem.
Assinamos-lhes por limite a Estrela e daí por Barelas, vértice das Teixeiras e Fráguas, águas vertentes para o Zêzere, e daí por Boi, no seu curso para o Coa; daí por Sovereira, por cima de Alfereses, pelo curso de Aceifa até Alpreada, no ponto em que desagua no Ponsul e o Ponsul no Tejo, até às portas de Ródão e à Cortiçada; daqui a Valongo e ao porto de Nudeir, por fora de Pera até à serra hermínia, águas vertentes para o Zêzere.
Eu, o Rei Sancho, juntamente com minha mulher a rainha Dulce, com meu filho o infante Afonso e com minhas filhas as infantas D. Teresa e D. Sancha, corroboramos e confirmamos esta carta de nossas próprias mãos.
O que quiser desacatar os limites demarcados pague ao concelho mil soldos em boa moeda.
Feita a presente carta no mês de Setembro da era de 1224.
E o que pretender desacatar a nossa outorga seja maldito de Deus. Amen.
Concedemos que todo o cristão, ainda que seja servo, que habitar na Covilhã durante um ano, fique livre e ingénuo, ele e a sua geração.
E os homens de Covilhã terão o concelho aos limites de Covilhã”.
Assinaram, além de outros: Arcebispo de Braga, Bispo de Lamego, Bispo de Évora, Bispo de Lisboa, Petrus Alfonsi, porta-bandeira do Senhor Rei.
Veio depois a surgir o segundo e último foral dado à Covilhã, por D. Manuel I, no ano de 1510.
Pois bem, selecionando um dos vários dicionários, o online Priberam define “Foral: carta soberana que, regulando a administração de uma localidade, lhe dava certas regalias”. No entanto, Artur de Moura Quintela, em “Subsídios para a Monografia da Covilhã”, diz que “A origem da palavra foral, dizem uns que deriva de foro – contribuição que os povos pagavam aos senhores das terras em que habitavam; e outros de foro – privilégio sobre o modo de regular e decidir as questões perante juízes para aqueles que estavam sujeitos à carta”.
Para melhor compreensão de alguns termos e datas aqui referidas, aí vai a explicação, de harmonia com Artur de Moura Quintela:
- Fossado: consistia em ir com a mão armada a talar os campos agricultados pelo inimigo e destruir-lhes ou roubar-lhes os frutos. A gente do fossado compunha-se de todas as classes: cavaleiros, escudeiros, tropa regular, peões, etc.; enquanto uns colhiam, outros transportavam e outros guardavam os frutos.
- Fossadeira: era a multa imposta aos que faltavam ao fossado.
- Peões: eram homens que combatiam de pé.
- Soldo: foi moeda das mais antigas do reino, lavrada em ouro, prata e cobre.
- Infanções: equivale a moços fidalgos.
O ano de 1224 na era de César veio a corresponder, na era de Cristo, ao ano 1186.
Era enorme, como se viu, a área da Covilhã, pelos limites dados neste foral de D. Sancho.
Numa breve análise a este foral (foram mencionados somente alguns deveres e direitos) se pode verificar que predominavam as multas para quem não cumprisse o determinado no mesmo. Havia diferenças conforme a classe social, assim como entre o homem e a mulher.
Com a carta de foral, a liberdade passou a existir mais na Covilhã, na sua governabilidade, e mais autonomia.
A então Vila da Covilhã, cidade desde 1870, era bastante desenvolvida pois assim o demonstram a concessão de duas cartas de foral, mérito pelo seu desenvolvimento.
Penso que, por este motivo, o Município Covilhanense deveria assinalar esta efeméride, no próximo mês de Setembro, em similaridade como aconteceu com os 600 anos da Tomada de Ceuta, no transato ano, assinalando os 600 anos do Senhorio da Covilhã.

(In "Notícias da Covilhã", de 19-05-2016)


10 de maio de 2016

DO SIMPLEX DA LINGUAGEM AO (DES)ACORDO ORTOGRÁFICO

Naqueles dias, os chefes do povo, os anciãos e os escribas, vendo a firmeza de Pedro e de João e verificando que eram homens iletrados e plebeus, ficaram surpreendidos (Livro dos Actos dos Apóstolos 4,13-21).
Era uma vez… Assim se iniciavam muitas das leituras da Instrução Primária, do meu tempo dos anos cinquenta do século passado, ou se começavam algumas redações.
Se os apóstolos Pedro e João, que eram iletrados, mas pelo poder do Espírito Santo a inspiração divina deu-lhes o “doutoramento”, já nos tempos de outrora, que eram os nossos, apesar da falta dos meios tecnológicos, naquela altura, em relação aos tempos atuais, havia a aquisição de um saber que não era assim facilitado, em contraste com os dias de hoje.
Escrevia-se da mesma maneira (acordo ortográfico de 1945) embora dos nossos pais e avós, os poucos que não eram iletrados, lá víamos escrever pae e mãi, e, nalgumas publicações já amareladas pelo tempo, as palavras pharmácia ou Covilhan (Acordo de 1911).
E se seguirmos com atenção alguma parte do jornalismo, a dificuldade em entender boa parte do vocabulário que se produz e difunde em Portugal é evidente. Nisto, o jornalista Adelino Gomes tem chamado à atenção para esse facto. É que o cidadão comum desconhece o significado da maioria das palavras com que as notícias são apresentadas em público.
Vejamos, por exemplo, na rede de transportes públicos frases como “é obrigatório obliterar o bilhete”. O mesmo acontece nas bulas dos medicamentos assim como nas informações de diversos serviços como os seguros, bancos, eletricidade, entre outras, para já não falar do modo arrogante como as finanças se dirigem aos contribuintes.
É certo que a sociedade se tornou mais complexa e se especializou em vários domínios, cada qual com a tendência do seu próprio linguajar. No entanto, quem tem a responsabilidade da informação para o público deve ter a capacidade de traduzir os conceitos e os termos técnicos, como, por exemplo, as palavras e expressões em inglês.
O conjunto de programas de simplificação a que se designou chamar simplex, mormente nos serviços públicos, é de grande utilidade. Obviamente que também deve envolver a simplicidade e clareza da linguagem utilizada pelos funcionários.
Que isto de linguagem, noutra vertente, por vezes são aquelas bocas que saem dos políticos que dão azo a aproveitamento, quantas vezes duma forma exagerada, para que no jornalismo se gaste muita tinta.
Vejamos o caso mais recente das “salutares bofetadas” oferecidas pelo ex-ministro da Cultura, João Soares, ao crítico literário Augusto M. Seabra e ao colunista Vasco Pulido Valente, que foram um tiro no pé para a sua saída do executivo governamental. Isto faz-me lembrar o tempo das reguadas, na instrução primária (hoje ensino básico). Tive um professor, na segunda classe – professor Raul – no Asilo, em que as reguadas eram dadas no rabo, fazendo ajoelhar os alunos. Resultado: uma acusação de maus tratos, feita por um pai, levou a que o professor fosse obrigado a ir para a reforma compulsiva.
Mas já antes, em 1993, uma piada de mau gosto do então ministro do Ambiente, Carlos Borrego, sobre a morte de 25 doentes sujeitos a hemodiálise que ficaram intoxicados em Évora, levou também à sua demissão do governo de Cavaco Silva. Ainda neste ano, Mário Soares era Presidente da República e fazia uma Presidência Aberta por Lisboa. Nessa altura fazer o trajeto entre Vila Franca de Xira e a capital era um tormento rodoviário de “pára-arranca”. Mário Soares decidiu minorar o problema indo de autocarro com uma comitiva, mas sem batedores, nem escolta policial. A dada altura, um elemento da GNR prepara-se para abrir trânsito ao autocarro, o que não correspondia aos objetivos de Soares. Num impasse, referiu-se ao guarda como “gajo indesejável” e depois passou à ação. “Abre-me aqui uma janela”, disse Soares, acrescentando depois: “Ó senhor guarda, desapareça. Diga ao seu colega para desaparecer. Não queremos polícias”. Em 1994, o então presidente regional da Madeira, Alberto João Jardim, em dois artigos de opinião, descreveu o socialista António Fernandes Loja como “homenzinho”, “ordinarote” e “tira-casaca”; e ainda: Loja era “tão pirado que não vê as próprias grosserias e descobre-as aos outros”, “ao ler isto caem-lhe mais três dentes, dois de raiva e um de senilidade”. Em 1995, o falecido Carlos Candal (PS) lançou o “Breve Manifesto Anti-Portas em Português Suave”. Portas (CDS) é descrito como “garnisé cantante” e Pacheco Pereira (PSD) como “pavão de mono caído”. Mais recentemente foi o ex-ministro da Economia de José Sócrates, Manuel Pinho, que saiu do seu primeiro governo depois de ter feito um gesto impróprio. Em pleno debate no Parlamento, em resposta à bancada comunista, juntou os dedos indicadores à cabeça a imitar cornos, tendo a cena sido captada pelas câmaras da televisão. Ainda podemos recordar, em 2010, a vez de José Sócrates utilizar termos inapropriados. No Parlamento, Francisco Louçã disse que o primeiro-ministro “estava mais manso”. Sócrates não gostou e disse, embora não se tenha ouvido: “manso é a tua tia, pá”.
Pois é, segundo um estudo divulgado em Lisboa, o perfil médio de escolaridade dos portugueses adultos é “bastante baixo” a nível da Europa e com pouca vontade de melhorar.
No dia em que se comemorou a língua portuguesa em todos os Estados-membros da CLP, voltou a reinstalar-se na sociedade portuguesa, duma forma definitiva, a discussão em torno do Acordo Ortográfico de 1990 (AO). Foi o próprio Presidente da República que relançou a discussão em torno do AO, mas ninguém prevê o seu seguimento. Os opositores ao mesmo estão divididos entre os que o querem rasgar e os que o admitem melhorar.
Certo é que a reintrodução do tema pelo Presidente da República obriga a sociedade civil a uma reflexão.
O linguista covilhanense, Malaca Casteleiro, natural do Teixoso, que participou há 30 anos nos primeiros encontros que deram origem depois ao acordo de 1990, desvaloriza as críticas.
Depois dos computadores já estarem preparados a praticar o novo acordo ortográfico, será que vamos voltar atrás? E as crianças e jovens estudantes como vão adaptar-se a este imbróglio entre o antigo e novo Acordo Ortográfico?

Sabemos que o AO tem erros crassos que até os seus apoiantes reconhecem, sem que se tenham preocupado em os corrigir nestes anos. Isto, sim, é que parece mesmo uma geringonça.

(In "fórum Covilhã", de 10-05-2016)