Neste ano da graça de 2016
comemoram-se 830 anos em que o filho de D. Afonso Henriques, e segundo rei de
Portugal, D. Sancho I, concedeu o 1.º foral à então Vila da Covilhã, no ano de
1186:
“Em nome da santa e indivisa
trindade Padre, Filho e Espírito Santo. Ámen. Eu, o Rei D. Sancho, filho do
Nobilíssimo Rei de Portugal Afonso e da Rainha D. Mafalda, juntamente com minha
mulher a Rainha D. Dulce e meu filho o Infante D. Afonso e minhas filhas as
Infantas D. Teresa e D. Sancha, queremos restaurar e povoar a Covilhã. Damos e
concedemos a todos os que ao presente ou de futuro a quiserem habitar o foral e
os costumes da cidade de Évora. Ordenamos que duas partes dos cavaleiros vão ao
fossado do Rei e que a terça parte fique na vila com os peões fazendo fossado
uma só vez por ano. E quem a ele não for pagará cinco soldos para fossadeira.
Por homicídio pagar-se-ão cem soldos ao fisco. O que invadir casa com armas,
escudos e espadas pagar-se-ão trezentos soldos, sendo a sétima parte para o
fisco. O que furtar pagará nove por um pertencendo duas partes ao queixoso e
sete ao fisco. O que forçar mulher e esta gritando disser que foi violentada e
o ofensor negar dê-lhe esta outorgamento de três homens da sua igualha e ele
jure com doze homens a sua inocência. Se a mulher não tiver outorgamento jurará
ele e se não puder jurar pagará à ofendida trezentos soldos sendo a sétima
parte para o fisco. A testemunha falsa e o fiel mentiroso paguem sessenta
soldos sendo a sétima parte para o fisco e restitua em dobro o que recebeu. O
que em assembleia, em mercado ou na igreja ferir alguém pague sessenta soldos
metade ao fisco e metade ao concelho. (…) O que tiver um casal, uma junta de
bois, 40 ovelhas, um jumento e duas camas tem obrigação de comprar cavalo. O
que faltar à promessa de casamento pague ao juiz um soldo. A mulher à face da
igreja que abandonar seu marido pagará 300 soldos sendo a 7.ª parte para o
fisco. O que abandonar sua mulher pagará ao juiz um dinheiro. (…) Os moradores
da Covilhã não pagarão em todo o reino nenhuma multa se não pelo foral da
Covilhã. Os cavaleiros de Covilhã serão em juízo considerados como ricos-homens
e infanções de Portugal. O gado de Covilhã não pagará o tributo de pasto em
terra alheia. (…) Se algum homem retiver à força a filha família restitua-a a
seus parentes pague-lhes 300 morabitinos sendo a sétima parte para o fisco e
fique além disso homicida. (…) De portagem: tributo de costal de cavalo, de
panos de lã ou de linho um soldo. De costal de lã um soldo. De costal de panos
de algodão cinco soldos. De carga de peixe um soldo. De carga de jumento seis
soldos. De carrega de peles de coelho trazida por cristãos cinco soldos. De
carga de coelhos de mouros um morabitino. Tributo de cavalo que se vender no
mercado um soldo. De mulo um soldo. De carga de pão ou de vinho três mealhas.
De mouro que se vender no mercado um soldo. De mouro que se libertar a décima.
Do salário do mouro a quem o seu senhor mandar trabalhar em serviço de outrem a
décima parte. De coiro de vaca ou de zebra dois dinheiros.
Esta portagem será paga pelos
de fora da vila pertencendo a terça parte dela a quem lhes der hospedagem e ao
Rei as outras duas partes. Os moradores da Covilhã não pagarão portagem.
Assinamos-lhes por limite a
Estrela e daí por Barelas, vértice das Teixeiras e Fráguas, águas vertentes
para o Zêzere, e daí por Boi, no seu curso para o Coa; daí por Sovereira, por
cima de Alfereses, pelo curso de Aceifa até Alpreada, no ponto em que desagua
no Ponsul e o Ponsul no Tejo, até às portas de Ródão e à Cortiçada; daqui a
Valongo e ao porto de Nudeir, por fora de Pera até à serra hermínia, águas
vertentes para o Zêzere.
Eu, o Rei Sancho, juntamente
com minha mulher a rainha Dulce, com meu filho o infante Afonso e com minhas
filhas as infantas D. Teresa e D. Sancha, corroboramos e confirmamos esta carta
de nossas próprias mãos.
O que quiser desacatar os
limites demarcados pague ao concelho mil soldos em boa moeda.
Feita a presente carta no mês
de Setembro da era de 1224.
E o que pretender desacatar a
nossa outorga seja maldito de Deus. Amen.
Concedemos que todo o cristão,
ainda que seja servo, que habitar na Covilhã durante um ano, fique livre e
ingénuo, ele e a sua geração.
E os homens de Covilhã terão o
concelho aos limites de Covilhã”.
Assinaram, além de outros:
Arcebispo de Braga, Bispo de Lamego, Bispo de Évora, Bispo de Lisboa, Petrus
Alfonsi, porta-bandeira do Senhor Rei.
Veio depois a surgir o segundo
e último foral dado à Covilhã, por D. Manuel I, no ano de 1510.
Pois bem, selecionando um dos
vários dicionários, o online Priberam define “Foral: carta soberana que,
regulando a administração de uma localidade, lhe dava certas regalias”. No
entanto, Artur de Moura Quintela, em “Subsídios para a Monografia da Covilhã”,
diz que “A origem da palavra foral,
dizem uns que deriva de foro – contribuição que os povos pagavam
aos senhores das terras em que habitavam; e outros de foro – privilégio sobre o modo de regular e decidir as questões
perante juízes para aqueles que estavam sujeitos à carta”.
Para melhor compreensão de
alguns termos e datas aqui referidas, aí vai a explicação, de harmonia com
Artur de Moura Quintela:
- Fossado: consistia em ir com a mão armada a talar os campos
agricultados pelo inimigo e destruir-lhes ou roubar-lhes os frutos. A gente do
fossado compunha-se de todas as classes: cavaleiros, escudeiros, tropa regular,
peões, etc.; enquanto uns colhiam, outros transportavam e outros guardavam os
frutos.
- Fossadeira: era a multa imposta aos que faltavam ao fossado.
- Peões: eram homens que combatiam de pé.
- Soldo: foi moeda das mais antigas do reino, lavrada em ouro,
prata e cobre.
- Infanções: equivale a moços
fidalgos.
O ano de 1224 na era de César veio
a corresponder, na era de Cristo, ao ano 1186.
Era enorme, como se viu, a
área da Covilhã, pelos limites dados neste foral de D. Sancho.
Numa breve análise a este
foral (foram mencionados somente alguns deveres e direitos) se pode verificar
que predominavam as multas para quem não cumprisse o determinado no mesmo.
Havia diferenças conforme a classe social, assim como entre o homem e a mulher.
Com a carta de foral, a
liberdade passou a existir mais na Covilhã, na sua governabilidade, e mais
autonomia.
A então Vila da Covilhã,
cidade desde 1870, era bastante desenvolvida pois assim o demonstram a
concessão de duas cartas de foral, mérito pelo seu desenvolvimento.
Penso que, por este motivo, o
Município Covilhanense deveria assinalar esta efeméride, no próximo mês de
Setembro, em similaridade como aconteceu com os 600 anos da Tomada de Ceuta, no
transato ano, assinalando os 600 anos do Senhorio da Covilhã.
(In "Notícias da Covilhã", de 19-05-2016)