1 - Todos os
anos há efemérides. Nuns mais que noutros. Eventos mais celebrizados para uns
que viveram nesses tempos, ou, então, memórias que ficam para a história.
Por exemplo, eu ainda não tinha
vindo ao mundo, nem meus trisavós, quando Vasco da Gama chegou à Índia, por
mar. Nem mesmo pouco depois, quando das guerras intestinas com Pedro Álvares
Cabral face à segunda opção por D. Manuel I, que encarregara este da nova
missão à Índia, deixando o outro, Gama, furioso. No entanto, as comemorações
fazem-se duma forma generalizada.
Mas lembro-me da inauguração da
Ponte Salazar, hoje designada Ponte 25 de Abril. Tinha eu vinte anos, e ainda
era de menoridade. Nesses tempos só se adquiria a maioridade aos 21 anos!...
Antes desta ponte, só tinha
atravessado uma outra verdadeiramente importante – a Ponte Marechal Carmona,
conhecida também por “Ponte de Vila Franca de Xira” – numa excursão a Lisboa,
regressando pela Figueira da Foz, no estio de 1957, ou seja, nove anos antes. Organizada
pelo Francisco Carrola, foi nessa altura que o seu falecido irmão, António,
conheceu a namorada com a qual viria a casar.
A família Melchior, entre as
quais me recordo da Olga, também participou. Assim como outra família: dois
irmãos, Cristóvão, e a mãe. Um deles, mais velho, andou comigo na “Primária”,
no Asilo. Para além destas reminiscências do passado varreram-se da memória
outros nomes, que, certamente, face às suas idades, já passaram para o outro
lado da vida. São mais de 50 anos!
Mas voltemos à Ponte Salazar,
hoje Ponte 25 de Abril. A sua construção foi conseguida, depois dos primeiros
esboços que serviram de inspiração à estrutura que hoje conhecemos, corria o
ano da graça de 1876, com o engenheiro Miguel Pais. Os esforços para a construção
de uma ponte voltaram a surgir m 1953 quando o Ministério das Obras Públicas
era liderado por José Frederico Ulrich. Mas só em 1960 apresentou as quatro
propostas concorrentes, sendo o contrato para a construção assinado em 21 de
fevereiro de 1961, pela empresa norte americana United States Steel Export
Company, líder da produção de aço à escala mundial.
Houve um investimento de 2,2
milhões de contos (equivalente a onze milhões de euros), tendo os trabalhos
começado em novembro de 1962, num desafio de engenharia sem precedentes no
país. As suas quase 73 mil toneladas de aço e os 263 mil metros quadrados de
betão foram trabalhados por 14 empresas, 11 das quais portuguesas. Durante o
período de construção chegaram a trabalhar na ponte três mil empregados num só
dia. Ainda antes de estar completa, a ponte sobreviveu a dois terramotos.
Menos de dois meses antes da
inauguração da Ponte Salazar (à altura) tinha eu ido à inspeção militar,
naquele sábado de 11 de junho de 1966, nas instalações do então já extinto, ou
em vias de extinção, quartel do Batalhão de Caçadores 2 (hoje instalações da
Universidade da Beira Interior). Resultado: apurado para todo o serviço
militar. Havia então completado o Curso de Formação Geral do Comércio e
efetuado o exame de aptidão, na Escola Industrial e Comercial Campos Melo, e,
no dia 30 de março a 2 de abril, desse ano de 1966, fomos na viagem de
finalistas a Santiago de Compostela.
E Madalena Iglésias representava
Portugal no Festival RTP da Canção, com a canção “Ele e Ela”.
Pelas bandas da Covilhã, o
Sporting local (SCC) mantinha-se na II Divisão Nacional, tentando a subida, na
Zona Norte, com boa participação na Taça Ribeiro dos Reis. O velho Cardona, que
vendia gelados, mas também bolos, quando o SCC metia um golo, tocava a sineta
no Santos Pinto. Pelo Pelourinho, caminhava o conhecido Humberto, vendendo a
lotaria, sempre a fumar. Na Câmara Municipal da Covilhã, João Lanzinha, onde
era funcionário – capitão dos Leões da Serra, ia preparando o arrumar das
chuteiras. O êxodo da emigração ainda se mantinha. E o contrabando também.
Dava-nos jeito que o cabo de cantoneiros dos Vales dos Rio, que tinha um
comércio na terra, nos vendesse diverso material mais barato: canetas Pelikan, rádios transístores National, e outras coisas mais.
Entretanto, a ponte foi
inaugurada em 6 de agosto de 1966, num sábado, que, segundo Salazar, preferia
que tivesse não o seu nome, mas o de “Ponte de Lisboa”. O nome acabaria no
entanto por ser “Ponte Salazar” até 1974, em que foi substituído por “Ponte 25
de Abril”.
O Norte e o Sul do país ficaram
assim mais próximos com a inauguração da ponte sobre o Tejo, sendo, à altura,
uma das maiores do mundo. Embora estivesse previsto desde o projeto inicial, só
em 1999 é que os comboios começaram a passar sob o tabuleiro superior da ponte.
A “Ponte sobre o Tejo” permitiu
uma abertura de oportunidades nos dois sentidos, quer para a Margem Sul quer
para a Margem Norte, mas também ligou o país.
2 – Faleceu
o António “Pinga”. Figura carismática da Cidade, humilde e educado, há muitos
anos que escolheu um modo de vida não condizente com os tempos da sociedade
atual. Chegou a viver bem, e até foi antigo Combatente no Ultramar. O seu local
habitual era, até há pouco tempo, na zona do Pelourinho. Aí encontrava pouso
onde muitos amigos dele tinham compaixão. Mas não chegava. Era preciso fazer
algo mais. Retirá-lo, e ao irmão, do emaranhado de penumbra onde se encontrava,
numa casa a desmoronar-se. E encontrar meios de subsistência, higiene e saúde,
a que sempre se furtaram. A maior solidariedade, há muitos anos sob a
orientação da Conferência Vicentina da zona, num trabalho muitas vezes insano,
mas de persistência, lá conseguiu uma casa, em condições habitacionais, com a
colaboração dos serviços sociais da edilidade covilhanense, já que da anterior
autarquia os esforços haviam sido em vão, mas, mesmo assim, a solução neste
emaranhado mental de vivência do “Pinga”, e seu irmão, tudo dificultavam. A
persistência dos vicentinos mantinha-se nas várias vertentes da solidariedade,
inclusive, no seu transporte e acompanhamento aos serviços hospitalares.
Após o falecimento da mãe e do
irmão mais velho (que tinha uma viola) não lhe conhecemos família para além do
irmão mais novo com quem vivia, também em idêntica situação mórbida, e uma
sobrinha. A sua maior família, muito grande, foi a vicentina, que sempre lhe
prestou assistência, mesmo contrariando a vontade do “Pinga” e do irmão.
E a forma como esta Figura era
conhecida na Cidade, há longos anos, numa indigência a todos os títulos escusada,
mas na exemplaridade duma grande humildade e educação, levou a que o António
“Pinga”, de seu nome António Manuel Ascensão Jorge, tivesse; de muita gente que
quase encheu a Igreja de S. Francisco, e nas muitas manifestações de pesar, nas
redes sociais; um funeral de uma Figura de memória.
Faleceu no dia 1 de agosto, data em que completaria 71
anos.
(In "Notícias da Covilhã", de 11-08-2016)