9 de agosto de 2016

SÃO FÉRIAS, SENHORES

Com esta canícula, em período de férias, iniciada a silly season (quando alguns dizem que neste ano a mesma nem chegou a existir), com o futebol ainda em preparação para as grandes contendas desportivas, na época que já emergiu para novas grandes decisões, não há grande inspiração para o cronista.
Os portugueses numa onda ganhadora de títulos. Ainda não se vê D. Marcelo I, da era de Costa, cansado de tanta atribuição de comendas. Que isto de medalhas é só mandar executá-las. Estamos na Europa (e prenúncio na América) com o feminino a botar de sua justiça: Angela Merkel, Theresa May e Hillary Clinton. Há pelo menos um respirar de alívio por falta de tédio: deixou de se falar tanto em sanções, atentados, Brexit, o êxtase patriótico no retorno à unidade orgânica da pátria com o fim das divisões malvadas, ainda que temporariamente enquanto o cachecol da seleção esteve em todos, e, como diz Pacheco Pereira, também “com os artistas menores do PSD, porque o maior mantém a compostura de primeiro-ministro no exílio. Traz a bandeirinha à lapela e a zanga com o destino que lhe deu a geringonça no bolso”. Entretanto, Portugal ganhou mais um título – “A Taça das Zero Sanções”.
Mas para se ganhar no campeonato político é preciso uma intensa atividade, com a persistência como último fôlego, no tempo de compensação das disputas desportivas da alta competição, ou no seu período de prolongamento.
Consta que valeu terem os “árbitros assistentes” Jean-Claude Juncker (luxemburguês) e Carlos Moedas (português) levantado bem as bandeirinhas ao “árbitro” Jeroen Dijsselbloem que queria assinalar grande penalidade contra Portugal.
Agora o estranho é que o Goldman Sachs tenha escolhido outro árbitro, que passou à reserva, José Manuel Durão Barroso, lusitano, para ir apanhar Pokémons “americanos”, nos seus jardins, considerada já uma escolha provocatória.
É que Barroso ocupou durante dois anos o cargo de primeiro-ministro de Portugal e dez anos presidente da Comissão Europeia, sem ter conseguido pescar em Portugal peixe algum para além do cherne. E em Bruxelas ser um alto servidor de Merkel, varrendo o lixo para debaixo do tapete. Ele que foi apanhado a dormir pela crise que em 2008 varreu a Europa.
Bom, mas agora são férias, senhores.
É uma oportunidade para na recente febre da busca de Pokémons encontrarmos, como têm dito, um valioso analisador do estado da nossa vida coletiva.
Pelas Américas teremos eleições presidenciais lá para Novembro. Donald Trump devia ir numa cápsula para outro planeta, o despromovido Plutão.
Mas, já que estou numa destas de visitar, pela segunda vez, Israel e Jerusalém, daqui por uns dias, como o fizera há nove anos, trago a este espaço as principais figuras israelitas do momento, que, tal como por outras bandas do planeta, têm as suas composturas próprias, aceites por uns, repudiadas por outros.
O Primeiro-ministro é Benjamin Netanyahu, nascido em 1949, do partido Likud, que está cumprindo o seu 2.º mandato, e que iniciou em 31 de março de 2009 (o 1.º mandato exerceu-o de 18 de junho de 1996 a 6 de julho de 1999).
O cargo de Primeiro-ministro do Estado de Israel é o mais alto do governo, apesar de que oficialmente o Chefe de Estado seja o Presidente.
Mas há uma outra figura, controversa, que se chama Avigdor Lieberman, o mais contestado, que é o ministro da Defesa de Israel, desta potência nuclear, campeã da ocupação ilegal de outro povo.
Os árabes israelitas, ou seja, palestinianos que ficaram com cidadania israelita em 1948, são hoje um quinto da população de Israel. O equivalente a dois milhões de portugueses, só que com menos direitos.
Lieberman é um judeu de língua russa, nascido na ex-URSS, como muitos que vieram entretanto morar para Israel. Em julho passado Lieberman resolveu comparar o escritor Mahmoud Darwish a Hitler e dizer que os poemas dele são “um fuel do terrorismo”, segundo narra a jornalista Alexandra Lucas Coelho, a residir em Jerusalém, “ofendendo assim não apenas todos os palestinianos, como milhões de árabes que têm Darwish como um dos maiores nomes da sua cultura”.
Mahmoud Darwish, que morreu em 2008, foi sempre um laico. Nascido na Galileia, teve de fugir com a família para o Líbano em 1947. Quando voltou, depois da declaração do Estado de Israel, já não podia ser cidadão. Fez-se comunista em Haifa, no Norte de Israel, integrando a OLP, já no exílio, e escreveu a declaração nacional da Palestina para Arafat ler. Saiu da OLP em desacordo com os Acordos de Oslo, que não resolviam a questão dos refugiados palestinianos no Líbano, Síria e Jordânia. Ao mesmo tempo não punha em causa a existência de Israel, defendendo a solução dois estados. Foi um forte crítico do Hamas, e da divisão palestiniana em 2007. Os palestinianos veneram-no como símbolo nacional. A sua prosa e poesia fazem parte de currículos escolares do Levante ao Magrebe.
Mahmoud Darwish quando namorava a judia Tamar Ben Ami, escreveu várias cartas de amor, e alguns poemas, alguns deles vistos pelos palestinianos como uma referência à pátria.
Antes de Tamar, outra judia marcou o seu percurso: Shoshana Lapidot, professora de hebraico, enviada pelo governador militar para Yasif, a aldeia onde a família do poeta se instalou quando o pai decidiu fugir das tendas de refugiados no Líbano.
Observemos a doçura dos versos do poeta Darwish para a sua amada Tamar Ben Ami, a quem considerava a judia de “olhos cor de mel”: “Tamari (diminutivo carinhoso), não estou a escrever mas a sussurrar ao teu ouvido/ (…) Estás no meu quarto/na minha cama/na minha mala/no meu livro/na minha caneta/no meu coração e no meu sangue/ Teu Mahmoud.”

Em 1967, Mahmoud Darwish foi preso, porque as autoridades militares israelitas consideravam os seus poemas subversivos. Em 1970, ele mudou-se para Moscovo. Em 1992, Darwish entrou na Cisjordânia pondo fim ao exílio.

(In "fórum Covilhã", de 09-08-2016)

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