14 de setembro de 2016

GIROFLÉ, GIROFLÁ

Depois da saga de acontecimentos todos os anos, até aquele espaço temporal da silly season em que a inércia é rainha, quando chega a rentrée, mais não vemos que um já habitual déjà vu, nesta de estrangeirismos a que quase nos obrigam. Bem basta já o famigerado novo acordo ortográfico, quase imposto face ao sistema já instalado em muitos computadores.
Mas vamos à rentrée que é esta a sua altura, no mês de setembro. As máquinas partidárias afinam-se. Os movimentos sindicais retomam, em força, de suas razões. Há que aproveitar as circunstâncias. As férias terminam e o retorno ao trabalho é um facto. As escolas vão reabrir as suas portas aos novos e antigos estudantes.
A miudagem, que entra agora para a pré-primária, nem ainda compreende o mundo revolto que vai ter à sua frente, longos anos.
Para ela, a canção do Jardim da Celeste: – “Giroflé, giroflá. Fui lá buscar uma rosa. Giroflé, flé, flá”. E por aí adiante.
Sendo embora uma crise internacional, o que é certo e verdade é que muito se tem passado neste nosso país, do sul da Europa, que poderia ter sido evitado. Todos quantos governaram Portugal, em democracia, têm a sua dose de culpabilidade nos erros crassos cometidos.
Cumprem-se, duma forma geral, os períodos normais de governação do país, mas, paradoxalmente, as promessas feitas não chegam a ser concluídas. É quase sempre mais do mesmo. E, neste fado, já lá vão 42 anos após a Revolução dos Cravos.
Portugal, repleto de casos de dificuldades ao longo de toda a sua história, mesmo na época áurea dos Descobrimentos, não tem conseguido encontrar o antídoto para debelar não uma maleita mas toda uma situação mórbida de continuados anos.
O país, que não ardia antes do 25 de Abril, passou a ser pasto de chamas todos os anos na silly season. Procurou-se alterar o Código Penal, endurecendo as penas aplicadas? Não! Encontraram-se, durante os períodos de inverno, formas concretas de obrigar, mas obrigar mesmo à prevenção, vigiar e punir exemplarmente os prevaricadores? Mais um não!
E o país continua com as suas canções de embalar, se não o “Giroflé, giroflá”, as do saudoso Zeca Afonso: “Dorme meu menino a estrela d’alva. Já a procurei e não a vi. Se ela não vier de madrugada, outra que eu souber será pra ti. Õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ. Outra que eu souber na noite escura, sobre o teu sorriso de encantar, ouvirás cantando nas alturas, trovas e cantigas de embalar. Trovas e cantigas muito belas, afina a garganta meu cantor, quando a luz se apaga nas janelas perde a estrela d’alva o seu fulgor. Perde a estrela d’alva pequenina se outra não vier para a render. Dorme quinda a noite é uma menina. Deixa-a vir também adormecer. Õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ”.
E vamos continuando a ver o país a dormir. Entre tristes e ledas madrugadas há muitas mães deste Portugal na míngua, preocupadas com seus filhos de colo porque o leite ou a farinha se lhes acabou. Como há quem passeie de barriga cheia e não se aperceba, nem se preocupe que há verdadeiramente outras mães que sentem na pele o seu fracasso pela impossibilidade de não conseguirem dar melhor sorte aos seus filhos. Então preferem cantar-lhes, como que um bálsamo para as suas amarguras: “Quem tiver filhos pequenos sempre lhe deve cantar. Quantas vezes a mãe canta com vontade de chorar. Vai-te embora papão feio para cima do telhado. Deixa dormir o menino um soninho descansado. O meu menino é d’ouro. D’ouro é o meu menino. Ei-de levá-lo ao céu enquanto for pequenino”.
Há que acordar da letargia em que nos encontramos, deixando os interesses pessoais em favor do coletivo. Portugal, com quase nove séculos bem merece que já não lhe cantem as cantigas de embalar, mas antes surja aquela força do trabalho com alegria, sabendo-se que há justiça para todos.

Vale sempre a pena insistir.

(In "Notícias da Covilhã", de 2016-09-15)

13 de setembro de 2016

O MÊS DO DIABO

Foi prometido pelas hostes socialistas um “virar de página”. Do lado da cortina que os separa, pela banda da direita, não há hipótese de qualquer aragem. A geringonça é, para a direita, como os fogos a fustigarem as suas mentes. Parece que preferem manter a afirmação do famigerado ministro das finanças de então, Victor Gaspar, com o seu “enorme aumento de impostos”.
Que não quer dizer que tudo esteja a correr bem pelos caminhos da esquerda, onde a Padeira de Aljubarrota e o delfim de Cunhal vão dando algumas alfinetadas ao senhor Primeiro.
A rentrée está de volta. Terminaram as férias. E eis que chegou setembro – o mês do diabo. Foi em julho que o líder da direita, Passos Coelho, o dramatizou: “Gozem bem as férias que em setembro vem aí o diabo”.
Vêm os discursos habituais, de um lado e do outro das coordenadas que envolvem a Nação. Anuncia-se assim o regresso à ribalta política. E as provas de vida serão efetuadas, cada qual a seu jeito, ou, melhor, na defesa da “sua dama”. Passos Coelho defenderá a do diabo. Assunção Cristas também se situará nesta sombra. Já Jerónimo de Sousa certamente não deixará a oportunidade de fazer valer as reconquistas que não poderão retroceder. Igualmente Catarina Martins já se antecipara e deixou a sentença: “Nenhum passo atrás”.
Para afastar o demónio, socialistas e governo prometem um paraíso, ainda que passando pelo purgatório. Sempre é melhor.
O que é certo e verdade é que o país não passa da cepa torta. Vive, mais ou menos como nas últimas duas décadas, titubeando. Continua sem vida para lá do défice.
Mas a minha revolta, a nossa indignação, é na certeza de que já não é na nossa geração que vamos encontrar o termo destes conflitos. Vamos ter que os aturar até ao fim dos nossos dias. Afinal, onde estão os homens sábios, e as mulheres, como a história de Portugal sempre apregoou, para os destinos de glória deste Portugal de hoje? Não há sapiência para sanar o vírus purulento que se apoderou deste espaço territorial mais ocidental da Europa.
Desde há anos, mais acentuadamente deste 2006, que tenho manifestado na comunicação social o meu inconformismo por este estado de coisas. E, quando algo parecia mais bem orientado, eis que surge o maldito diabo, esse sim, do chico espertismo, principalmente de quem deveria dar o bom exemplo. O povo português, que já não é ingénuo, e mesmo os poucos iletrados, já os conhecem.
Apesar de a economia não estar a crescer, segundo os dados do 2.º trimestre deste ano, o desemprego está a diminuir. No último semestre, o desemprego diminuiu mesmo consideravelmente, o que não acontecia há sete anos.
Ainda que não ao ritmo desejável, os portuguese têm agora maior rendimento disponível.
Não sabemos se a razão existe para os lados de Passos Coelho em duvidar que vamos falhar a meta do défice. Como também não temos razões para duvidar da garantia de António Costa de que o défice vai ficar abaixo do 2,5%.
Entretanto, o Presidente Marcelo vai apaziguando e mostrando o seu sorriso no acompanhamento das situações governamentais. É exatamente o contrário do seu antecessor, de má memória, diga-se.
Pois é, e não obstante a crise, a maldita crise, continuamos a ver o país a arder. Num ano em que foi dos que mais choveu. Nessa altura, das chuvas, nos sentíamos a respirar um pouco de alívio, porquanto há já uns anos que não tínhamos a deflagração de tantos incêndios. Veio o calor, e, num ápice, eis que tal sina transformou o país no de maior zona ardida em relação a toda a União Europeia.
Ainda que continue o calor por algum tempo, nesta rentrée, o verão irá terminar. E também irão acabar as preocupações por mais incêndios. Os hectares de florestas, as casas ardidas, e o esforço dos bombeiros e de muita gente anónima vão também ser olvidados, como sempre.

Medidas atempadas a tomar? Para o próximo ano, quando regressarem os incêndios, os discursos, as decisões que não foram tomadas, as indignações, e as perdas, face a novos incêndios, serão mais um facto. Por que será?

(In "fórum Covilhã", de 2016-09-13)