Depois da saga de acontecimentos
todos os anos, até aquele espaço temporal da silly season em que a inércia é rainha, quando chega a rentrée, mais não vemos que um já
habitual déjà vu, nesta de
estrangeirismos a que quase nos obrigam. Bem basta já o famigerado novo acordo
ortográfico, quase imposto face ao sistema já instalado em muitos computadores.
Mas vamos à rentrée que é esta a sua altura, no mês de setembro. As máquinas partidárias
afinam-se. Os movimentos sindicais retomam, em força, de suas razões. Há que
aproveitar as circunstâncias. As férias terminam e o retorno ao trabalho é um
facto. As escolas vão reabrir as suas portas aos novos e antigos estudantes.
A miudagem, que entra agora para
a pré-primária, nem ainda compreende o mundo revolto que vai ter à sua frente,
longos anos.
Para ela, a canção do Jardim da
Celeste: – “Giroflé, giroflá. Fui lá
buscar uma rosa. Giroflé, flé, flá”. E por aí adiante.
Sendo embora uma crise
internacional, o que é certo e verdade é que muito se tem passado neste nosso
país, do sul da Europa, que poderia ter sido evitado. Todos quantos governaram
Portugal, em democracia, têm a sua dose de culpabilidade nos erros crassos
cometidos.
Cumprem-se, duma forma geral, os
períodos normais de governação do país, mas, paradoxalmente, as promessas
feitas não chegam a ser concluídas. É quase sempre mais do mesmo. E, neste
fado, já lá vão 42 anos após a Revolução dos Cravos.
Portugal, repleto de casos de
dificuldades ao longo de toda a sua história, mesmo na época áurea dos
Descobrimentos, não tem conseguido encontrar o antídoto para debelar não uma
maleita mas toda uma situação mórbida de continuados anos.
O país, que não ardia antes do 25
de Abril, passou a ser pasto de chamas todos os anos na silly season. Procurou-se alterar o Código Penal, endurecendo as
penas aplicadas? Não! Encontraram-se, durante os períodos de inverno, formas
concretas de obrigar, mas obrigar mesmo à prevenção, vigiar e punir exemplarmente
os prevaricadores? Mais um não!
E o país continua com as suas
canções de embalar, se não o “Giroflé,
giroflá”, as do saudoso Zeca Afonso: “Dorme
meu menino a estrela d’alva. Já a procurei e não a vi. Se ela não vier de
madrugada, outra que eu souber será pra ti. Õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ.
Outra que eu souber na noite escura, sobre o teu sorriso de encantar, ouvirás
cantando nas alturas, trovas e cantigas de embalar. Trovas e cantigas muito
belas, afina a garganta meu cantor, quando a luz se apaga nas janelas perde a
estrela d’alva o seu fulgor. Perde a estrela d’alva pequenina se outra não vier
para a render. Dorme quinda a noite é uma menina. Deixa-a vir também adormecer.
Õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ, õ”.
E vamos continuando a ver o país
a dormir. Entre tristes e ledas madrugadas há muitas mães deste Portugal na
míngua, preocupadas com seus filhos de colo porque o leite ou a farinha se lhes
acabou. Como há quem passeie de barriga cheia e não se aperceba, nem se
preocupe que há verdadeiramente outras mães que sentem na pele o seu fracasso pela
impossibilidade de não conseguirem dar melhor sorte aos seus filhos. Então
preferem cantar-lhes, como que um bálsamo para as suas amarguras: “Quem tiver filhos pequenos sempre lhe deve
cantar. Quantas vezes a mãe canta com vontade de chorar. Vai-te embora papão
feio para cima do telhado. Deixa dormir o menino um soninho descansado. O meu
menino é d’ouro. D’ouro é o meu menino. Ei-de levá-lo ao céu enquanto for
pequenino”.
Há que acordar da letargia em que
nos encontramos, deixando os interesses pessoais em favor do coletivo. Portugal,
com quase nove séculos bem merece que já não lhe cantem as cantigas de embalar,
mas antes surja aquela força do trabalho com alegria, sabendo-se que há justiça
para todos.
Vale sempre a pena insistir.
(In "Notícias da Covilhã", de 2016-09-15)