Já não é só de agora que casos
como os que recentemente ocorreram no seio do Governo vêm, em muitas cabecinhas
pensadoras, conferir-lhes um superior status social na ostentação de um título.
É indubitável que os recentes
casos de falsas licenciaturas são mais esse sinal da importância que no nosso
país se atribui a ser tratado por “Doutor” ou “Engenheiro”.
Não é que um curso superior
não seja importante para a vida profissional de quem o completa apesar de nos
últimos anos ter aumentado o número de desempregados licenciados e estarem
cheios os call centers e os hipermercados com licenciados.
O que é certo e verdade é que
este fenómeno não se encontra noutros países europeus, a começar por Espanha e
muito menos na Grã-Bretanha.
Parece-nos que se tem verificado
esta tendência para a mentira numa altura de mais facilitismo para obtenção de
uma licenciatura pelo Processo de Bolonha, o que veio já algumas empresas a
preferirem para os seus quadros quem obteve os seus cursos pré Bolonha.
É que na política quase vai
valendo tudo, não havendo receio (o que é de estranhar) que se venha a
descobrir o que se esconde no véu da mentira. Será que haverá tanta ingenuidade
nos pseudodoutores? E, pior ainda, nos que no âmbito do amiguismo ou jogo de
interesses (com a agravante de se verificaram em serviços do Estado), dão
encobrimento a esta ostentação?
Curioso, a pretexto deste
assunto, um caso que se passou com um antigo colega, conimbricense, na então
minha atividade profissional, nos finais dos anos setenta do século passado, ou
princípios de oitenta, durante uma reunião nacional de formação, em Lisboa. Ali
ouvimos um grande elogio aquele colega, pelo subdiretor da empresa, porque, aquele
colega, “na sua humildade, nem sequer se vangloriou de ter já completado duas
licenciaturas, o que se apraz registar”. Passado pouco tempo já o mesmo
constava com o título de“Dr.” atrás do seu nome, nas comunicações de serviço, e
até colocado em tarefas num serviço hierarquicamente superior. Também pouco
tempo durou esta surpresa, porque outra vinha pôr cobro à mentira que tinha
apresentado no seio da empresa, quando chegaram à conclusão que confiaram na
palavra mas não se concretizou na realidade. Resultado: o homem ainda não tinha
concluído os cursos. E a situação foi voltar-se o feitiço contra o feiticeiro.
Aqui fica bem patente aquela velha expressão de que mais depressa se apanha um
mentiroso que um coxo.
E, voltando à ostentação do
título de “doutor”, foi notório, após as últimas eleições autárquicas num
concelho desta região, a envolvência em polémicas do anterior presidente da
autarquia que completara o curso superior havia poucos meses, a tentar denegrir
publicamente o atual presidente, tratando-o por “senhor”, este que tem o curso
superior há mais de duas décadas, enquanto que o polémico ex-autarca fazia
salientar na escrita o seu “nobre” título de “Dr.”, quase sempre no uso do
subterfúgio. Aqui está uma prova de que a imagem dos títulos pesam no ego de
algumas pessoas.
Há dias houve uma chamada de
atenção quando surgiu na net a notícia de haver certificados do 12.º ano à
venda. O país enlouqueceu!
Ora, o assunto em questão
reporta-se às notícias vindas a público relativamente às falsas licenciaturas
de Nuno Félix e Rui Roque, respetivamente adjunto dos Assuntos Regionais do
primeiro-ministro António Costa; e chefe de gabinete do secretário de Estado da
Juventude e do Desporto, do mesmo Governo, com a sua inserção no Diário da
República.
Já anteriormente houve outros
“falsos licenciados”, no primeiro Governo de Passos Coelho, com Miguel Relvas,
a quem lhe foi retirada a licenciatura; e também José Sócrates tinha visto a
sua licenciatura pela Universidade Independente ser posta em causa pela forma
irregular como teria sido concluída. A equivalência concedida ao antigo
primeiro-ministro foi considerada nula, mas este manteve o título de
engenheiro.
Mas será que não se pode
chegar aos pontos mais elevados da política, ou de outras situações normais da
vida deste pedaço do planeta mais ocidental da Europa, sem um curso superior?
Que eu saiba, houve um grande Presidente do Brasil, de nome Lula da Silva, e um
grande escritor português que chegou a Prémio Nobel da Literatura – José
Saramago –, que não eram doutores nem engenheiros.
Nesta petulância que vem
grassando pelo país em que, não poucas vezes, se protege o atrevimento, se
enaltece a ignorância e se honra o demérito, não seria ocasião soberana para se
tomarem decisões definitivas e rigorosas para pôr fim a este descrédito e abusos?
E, se começarmos a revolver a terra de má semente caída, ainda temos que nos
preocupar com aqueles que plagiam, e escrevem livros, a ser verdade, como tendo
sido outros, objeto de notícias recentes na comunicação social. É que, como diz
João Miguel Tavares, “a cultura jobs for
the boys está muito longe de ter esmorecido”.
E tocamos também num ponto,
conforme refere José Pacheco Pereira: “A contínua degradação da política e do
pessoal político (…) e a crescente importância de carreiras pseudoprofissionalizadas,
que se fazem dentro dos partidos por critérios que pouco têm que ver com a
seriedade, o mérito, a capacidade política, profissional e técnica, têm mais
que ver com fidelidades e intrigas de grupo e com acesso ao poder do Estado por
via do poder partidário”.
E até recordamos uma expressão
antiga dos chamados “doutores da mula ruça”. Terá sido talvez por isso que, no
domingo, dia 6 de novembro, estes doutores da TVI transmitiram parcialmente a
missa da Igreja de S. Tiago, na Covilhã, no aniversário da Fraternidade Nuno
Álvares, parcial e não globalmente, quando no programa dava das 11 às 12,30
horas. Pois é, como alguém disse, reclamando para aquela estação televisiva: “A
publicidade pesa mais alto”. No entanto, apraz registar a resposta da TVI,
horas depois, ao reclamante: “Informamos que a sua crítica construtiva mereceu
a nossa melhor atenção e foi reencaminhada para a nossa Direção de Programação”.
(In "Notícias da Covilhã", de 17-11-2016)