8 de novembro de 2016

A CIMEIRA DA CPLP E A ILEGITIMIDADE DE UMA ADESÃO

Sobre este assunto me referi, neste mesmo espaço, no verão de 2014 (“Dos oito séculos da Língua Portuguesa à pobre diplomacia”).
Volto ao tema face à Cimeira da Comunidade dos Povos da Língua Portuguesa (CPLP), realizada em Brasília, na República Federal do Brasil, nos dias 31 de outubro e 1 de novembro.
Como é sabido, esta Comunidade completou, em julho, 20 anos e a personalidade inspiradora da sua criação dá pelo nome de Jaime Gama, então Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, ainda que já tivesse sido sonhada por muitos ao longo dos tempos, mais de uma década antes do seu nascimento. Pois tal aconteceu aquando de uma sua visita oficial a Cabo Verde, em 1983, para uma reunião dos membros dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), na qual se referiu nestes termos: “O processo mais adequado para tornar consistente e descentralizar o diálogo tricontinental dos sete países de língua portuguesa espalhados por África, Europa e América seria realizar cimeiras rotativas bienais de Chefes de Estado ou Governo, promover encontros anuais de Ministros de Negócios Estrangeiros, efetivar consultas políticas frequentes entre diretores políticos e encontros regulares de representantes na ONU ou em outras organizações internacionais, bem como avançar com a constituição de um grupo de língua portuguesa no seio da União Interparlamentar”.
O mundo vivia tempos de Guerra Fria e o Brasil estava no processo de transição democrática. A diplomacia portuguesa vivia momentos eufóricos e de grande atividade na sequência da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE.
O processo evoluiu e ganhou a dinâmica decisiva na década de 90, mas já então, em novembro de 1989, no Brasil, no primeiro encontro de Chefes de Estado e de Governo dos países de Língua Portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe), a convite de José Sarney, Presidente brasileiro, se decidiu criar o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), cuja instituição se ocuparia da promoção e difusão do idioma comum da Comunidade.
Com a evolução na continuidade, depois de vários eventos realizados, e decisões tomadas, em 17 de julho de 1996, em Lisboa, na nova Cimeira é criada a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O número de países aderentes passou a oito, em 20 de maio de 2002, com a independência de Timor-Leste. Entretanto, depois de um circunstanciado processo de adesão, em 2014, surgiu o nono membro da Comunidade – a Guiné Equatorial.
Tendo em conta que a CPLP se rege por princípios entre os quais o “primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social”, têm vindo a surgir incompatibilidades com a Guiné Equatorial, desde do seu início, em virtude do seu presidente Teodoro Obiang não abolir a pena de morte, refugiando-se em subterfúgios; assim como não se fala o português (ainda que tenha mencionado ser acolhida como a terceira língua falada no país), no ridículo advindo de um país em que sabe que, para integrar a Comunidade, a primeira razão de ser é a língua portuguesa; e cuja página oficial da Internet está apenas disponível em espanhol, inglês e francês. A adesão da Guiné Equatorial, em 2014, teve patrocinadores fortes como Angola, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau; e o Brasil, com a sua carta de interesses.
Esta organização internacional parece estar em declínio face a opiniões diversificadas de cidadãos dos vários países integrantes, numa deceção com que encaram o presente e o futuro de uma comunidade cuja existência parece dizer cada vez menos aos milhões de cidadãos que dela fazem parte, onde a crise, que atingiu vários países, e as consequências da globalização, são fatores influentes nas tomadas de posição.
Depois, foi o abrir de portas a novos membros, como a Guiné Equatorial, que não partilham os valores democráticos e a defesa dos direitos humanos.
Ora, nas negociações desta última Cimeira, em Brasília, em que o Primeiro-ministro português, António Costa, propôs “liberdade de fixação de residência” na CPLP, sendo uma boa ideia e justa não deixa de ser despropositada já que, penso, jamais passará pela peneira dos parceiros do espaço Schengen, os quais já sentem na pele os efeitos com os migrantes que teimam com a Europa para poderem viver com tranquilidade. Nas mesmas negociações tratou-se da entrada de cinco novos países como observadores associados – República Checa, Eslováquia, Hungria, Costa do Marfim e Uruguai – que assim se juntam às Ilhas Maurícias, Namíbia, Senegal, Turquia, Japão e Geórgia.
Pois bem, em vez da Guiné Equatorial, preferia a admissão do Uruguai, que, embora falando o espanhol, não tem idioma oficial; e também pela razão história “de que a República Oriental do Uruguai, como é seu nome constitucional, foi criada para servir de tampão entre o Brasil e a Argentina, sucessora do império português e do império espanhol. Muita gente já ouviu falar da uruguaia Colónia do Sacramento, que foi a mais meridional das cidades portuguesas e se situa em frente a Buenos Aires. Todo o Uruguai foi, no início do século XIX, parte do Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves, com o nome de Província Cisplatina. Após 1822, o Uruguai passou a fazer parte do Império Brasileiro. Em 1825, o Uruguai tornou-se independente”. E a língua portuguesa é de ensino obrigatório nas escolas do país. A pena de morte foi abolida em 1907.
Sabemos, contudo, que é enorme o potencial da CPLP já que se prevê que o número de falantes de português em todo o mundo ultrapasse os 300 milhões, em meados do século. Por outro lado, metade das novas reservas de gás e petróleo recentemente descobertas situam-se no seu espaço.

Esta crónica não nos permite inserir mais conteúdo importante, como é óbvio, pois daria pano para mangas, como sói dizer-se. No entanto referir que nesta XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) houve a congratulação com a escolha de António Guterres para o cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas, “o primeiro cidadão de um Estado membro da CPLP a ocupar tão elevada posição”.

(In "fórum Covilhã", de 08-11-2016)

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