Entre o alfa e o ómega das nossas
vidas sempre houve, e haverá, acontecimentos marcantes. Os da minha geração não
deixarão de recordar o susto por que todos passámos, de norte a sul do país,
naquele dia 28 de fevereiro do ano da graça de 1969.
As zonas mais atingidas foram o
sul de Portugal e região de Lisboa. O sismo atingiu a magnitude de 8,0 na
escala de Richter e viria a ocasionar 13 mortos, na sua maioria por efeitos
cardíacos.
Cada qual tem a sua história para
contar como sentiu este sismo, porquanto quase todos deram conta, quase todos
digo eu.
Encontrava-me a cumprir serviço
militar obrigatório no Regimento de Artilharia Ligeira nº 4, em Leiria, onde
tirara a especialidade e aí acabara por ser colocado após terminar o Curso de
Sargentos Milicianos.
Estava de serviço de Sargento de
Dia, e, como habitualmente, no sorteio das rondas a efetuar durante a noite,
calhavam-me horas altas. Desta vez fui sortudo para o período da meia-noite e
meia às duas e trinta da madrugada.
De regresso ao quartel, vindo da
rua, sozinho, da ronda à zona de aquartelamento de uns obuses obsoletos, a
cerca de um quilómetro do quartel, na antiga estrada que vai para a Marinha
Grande, tentei acordar o colega que me substituía na próxima ronda a fim de lhe
entregar a pistola parabellum. Ao
mesmo tempo descalçava as botas e preparava-me para me meter na cama.
Eram 2 e 40 da madrugada. Num
ápice sinto um ruído estranho como que de uma fortíssima ventania se tratasse,
tudo a abanar e as portas guarda-vento da caserna onde nos encontrávamos
bateram com grande violência umas contra as outras. Num instinto, gritei: É um tremor de terra!... Peguei nas
botas e na arma e fugi, descalço, para fora da caserna. Enquanto descia as
escadas de cimento do antigo convento que era o RAL 4, já alguns soldados e
outros militares, uns meio vestidos, outros com cobertores nas costas, ou até
em cuecas, também faziam o mesmo. Eram pouco mais de meia dúzia os primeiros a
chegar à parada.
Passados os primeiros momentos do
susto, e conversando com o oficial de dia, também assustado, na parada,
voltámos aos aposentos de cada um, mas de imediato o comandante da unidade dava
ordens para que fossem evacuados todos os militares das casernas pois que
poderia haver réplicas do sismo.
Era uma sexta-feira. Os militares
que podiam ir de fim de semana à hora do almoço, foram autorizados a partir de
imediato para as suas terras, logo a seguir ao pequeno almoço, aí pelas 8 horas
da manhã, em vez de vaguearem pela parada.
Mas eu tinha então voltado à
caserna. O colega que me substituía, ainda assarapantado, sentado na cama,
perguntava: Mas o que é que aconteceu?
Fiquei revoltado: “Ó meu basbaque, levanta-te e foge para a
rua como os outros, não vês que há um tremor de terra!?”.
Ainda não havia telemóveis, nem
sequer a existência da Internet. As chamadas telefónicas eram interurbanas, e
nos correios havia muita gente a querer telefonar. O sismo havia provocado
alarme e pânico entre a população, cortes nas telecomunicações e no fornecimento
de energia elétrica.
Lá consegui um contacto
telefónico, tardiamente, para a minha namorada, hoje a minha mulher, através
duma chamada diferida nos CTT, já que ainda pouca gente possuía telefone nas
suas casas. E os telegramas não conseguiam ser expedidos. Tudo era moroso. Os
contactos geralmente faziam-se por carta. Longe dos tempos de hoje. Sosseguei-os
e fiquei mais tranquilo. Só haviam caído umas ameias do castelo de Leiria, que
se encontrava sediado a poucos metros do quartel.
E eu não podia ir de fim de
semana porque, como éramos poucos, no dia seguinte já estava escalado para
acompanhar alguns soldados ao Mosteiro da Batalha, para a guarda de honra ao
túmulo do Soldado Desconhecido, serviço alternado mensalmente entre as duas
unidades militares de Leiria – RAL 4 e RI 7.
Como atrás referi, nessa altura
ainda não existiam as novas tecnologias, nem mesmo algumas que já estão ficando
obsoletas, como o fax. Ainda era o tempo do papel químico e do papel
parafinado, usado para tirar cópias com um duplicador, depois de nele se ter
escrito – o estêncil – com que se escreviam as ordens de serviço, em
substituição das fotocopiadoras, que surgiriam mais tarde. Os telemóveis
estavam a décadas do seu tempo, e nem sequer sabíamos o que era um computador. Existiam
as máquinas de escrever, no tempo da dactilografia, e era exatamente esse
serviço de que me encarregaram de ministrar aos soldados-recrutas que para ali
iam tirar a especialidade de escriturário.
Entre a bruma das memórias
podemos encontrar, ao longo dos tempos, variadíssimos sismos em Portugal, uns
mais graves que outros, desde a Antiguidade até aos anos mais próximos.
Refiro alguns dos principais:
- Sismo de Lisboa, no ano de
1356, com a magnitude de 8,5;
- Sismo de Lisboa, no ano de
1531, com a magnitude de 7,0 – 7,5, tendo ocasionado 30.000 mortos;
- Sismo de Lisboa, no dia 1 de
novembro de 1755, às 9,30, com a magnitude de 8,7 – 9, tendo ocasionado 90.000
mortos;
- Sismo em Benavente e Salvaterra
de Magos, no dia 23 de abril de 1909, às 17,05, na magnitude de 6,3, tendo
ocasionado 42 mortos e 75 feridos.
Depois do sismo de 1969,
felizmente só temos a lamentar o sismo dos Açores de 1980, no dia 1 de janeiro,
às 15,42, na escala de 7,2, tendo ocasionado 73 mortos; e em 31 de julho de
1998, em Arraiolos, às 10,27, na escala de 4,1, sem vítimas mortais.
(In "Notícias da Covilhã", de 28-03-2019)