Nunca se ouviu tanto falar no bicho. Já passei por dois séculos. Tenho
muita vontade e a esperança divina de ainda poder continuar no XXI por mais
alguns tempos. Se não houver ventos dominantes. Mas, neste planeta, sei que da
vida tem de se pensar no aproximar do final da viagem. Paradísica que foi umas
vezes. De hilariante outras. Entre familiares e amigos. Por algumas ocasiões, de
permeio pequenas tempestades. Diversificadas pelos vários momentos da vida. Mas
se estas são fáceis de passar, no planeta há mais teimosia. É inquebrantável. Talvez
tenha razão. Revolta-se com quem se introduz nas suas entranhas. Num ápice, a
Natureza dá um forte pontapé num pedaço planetário.
Clima? É um problema global! Eu quero é a minha questão local. Assim,
teremos que para “palavras loucas, orelhas moucas”. Ainda que alterem as
estações do ano.
O bicho estava sonolento. De repente recordou outros seus “familiares” de
outras eras – 1918, 1957, 1968 – as mais evidentes. Na sua perspicácia de
pezinhos de lã opta pelo seu local habitual, e aí começa a estender os seus
tentáculos, qual polvo enfurecido.
Começaram a desaparecer as palavras já gastas: “Fique em casa” e “Vamos
todos ficar bem”. Outras vieram
contrapor-se: “Nada vai ser igual”. Alguém se apressou a apelidar de
serem vozes de “velhos do Restelo”. Tendo em conta uma das leis mais
importantes do Universo, presente na essência de quase tudo o que nos cerca – a
“Teoria do caos”. Descoberta do
meteorologista americano Edward Lorenz de que “fenómenos aparentemente simples
têm um comportamento caótico quanto a vida”.
No dia em que escrevi este texto desci o vale de Manteigas com um amigo
de longa data. Depois de tomar um cafezinho no David, nas Penhas da Saúde. Numa
esplanada da vila foi a vez de uma cerveja. Havia necessidade de soltar aquele
grito do Ipiranga de D. Pedro, depois de tanto tempo de confinamento. Eu e o
meu amigo estivemos na mesma altura no serviço militar. A Guerra do Ultramar
acabou por ter lá um de nós. Esse tempo, apesar de já a uma distância
considerável, deixou marcas nas nossas vidas e nada ficou igual. Dizia-me o
camarada que era a segunda vez por que passava por uma situação terrível. Como
traumática foi para milhares de portugueses que ainda hoje sofrem dessa doença
psicológica. As novas gerações nem sequer fazem ideia do que foi esse tormento.
Também muitos poucos, ainda vivos, já centenários, passaram pela pandemia de 1918.
A que mais se assemelha a esta por que estamos passando.
Naquele tempo ainda não existia a televisão nem a Internet. Nem sei se
também se falava em voltar ao “novo
normal”. Embora já existisse o Diário de Notícias.
A televisão só iniciaria em Portugal em 1957.
De um só canal – a RTP. A preto e branco.
Os mais velhos lembram-se vagamente. Os mais novos não têm sequer ideia dos
dois botões de rodar que havia na parte de trás dos televisores. E a que
invariavelmente tínhamos de recorrer para ver televisão: um deles era o botão
de sincronismo. Fixava a imagem na base do tempo que impedia que viajasse para
cima e para baixo sem parar. O outro era o da obliquidade. Repunha as
proporções certas no ecrã.
Neste ano da graça de 2020, os vários canais televisivos
viram-se forçados a alterar os seus programas. Com videoconferências em vez do
presencial. Por força da famigerada pandemia. Enquanto outros repetem
programas. Mas o tema de todos os dias é esse – a pandemia. Os números de
mortos, infetados, hospitalizados e recuperados. Em Portugal, na Europa e no
Mundo, mormente Brasil e EUA. Números e mais números pandémicos. Muitas
repetições ao longo do dia.
Parece que já vai abrandando. Estamos perto da
época dos fogos. Mas, de quando em vez – na zona da capital – surgem agora uns
novos focos. Afinal foi só mudar a letra da mesma palavra. Por sinal também uma
consoante. Chegou o futebol. Os algarvios já ganharam o primeiro encontro.
Tínhamos antes todos os canais saturados à noite. Não valia a pena fazer
zapping. De comentadores da bola só mudavam as caras. Paradoxalmente no
enfadonho de sempre as mesmas. No óbvio de cada canal. O regresso aí está. Pelo
que se via com uns certos senhores dos painéis futebolísticos havia grande
fervor. Chegavam às do cabo. Não vai haver problema. Porque os novos moldes de
conferência assim o resolvem. Mas certamente que o enfado vai regressar.
Com este novo normal esperemos que os tempos
de ocupação dos espaços televisivos possam passar a ocupar posições diversificadas
de interesse geral. Há que inovar. E eliminar programas repetitivos. Como
repetitivas as mesmas notícias. Sabemos que não é fácil. Tem de haver
adaptações.
Pela minha parte, não vou falar mais no bicho.
Outros temas esperam por mim.
(In "Jornal fórum Covilhã", de 10-06-2020)
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