Foi no mês quente de verão, em pleno agosto, que se deram dois
acontecimentos históricos em Portugal: um de glória, outro de leviandade
barbárie.
Entre estas duas vertentes da história em Portugal, muitas ilações se
podem extrair para os tempos que vão decorrendo. Dum país, fundado em 1139, com
quase nove séculos.
Outros países menos longevos estão na vanguarda. É indubitável que também
tivemos sempre momentos e figuras repletas de boas intenções e na têmpera de
colocar o país no mapeamento do progresso. Muitos portugueses têm honrado
Portugal, em vários domínios, no planeta.
Portugal é o mais antigo Estado-nação da Europa com fronteiras definidas.
No dia 14 de agosto comemoraram-se 636 anos que Portugal venceu os
castelhanos na Batalha de Aljubarrota. A peleja decorreu no final da tarde
daquele ano de 1385. As tropas portuguesas com aliados ingleses, comandadas
pelo rei D. João I e pelo condestável D. Nuno Álvares Pereira, defrontaram o
exército castelhano e seus aliados franceses, lideradas por Juan I de Castela.
As crises, peste negra e instabilidade política dominavam. Portugal não era
alheio à mesma.
Ganhar uma batalha com 6 500 homens do Reino de Portugal contra
31 000 por parte de Castela é deveras notável. Só ao alcance de cérebros
como o de D. Nuno Álvares Pereira que soube utilizar as táticas e as
estratégias rumo à vitória.
Aquele interregno que se seguiu à morte de D. Fernando – a crise de
1383-1385, terminava e seguia-se um período áureo para a História de Portugal,
com a conquista de Ceuta e prosperidade com base nos descobrimentos que se
iniciavam.
De Aljubarrota, “… o próprio D. Juan I chega a Santarém, a sua praça
fiel, mais morto do que vivo e com as sezões agravadas por uma fuga
desesperada. Vai depois num barco que desce o Tejo de urgência e, ao largo de
Lisboa, sobe para o navio que o transportou até Sevilha. Com a fina-flor da sua
nobreza perdida, com a dimensão do desastre já conhecida por toda a parte,
anuncia então o luto profundo em que o reino de Castela mergulhará até ao Natal
de 1387”.
Rosália Amorim, no seu editorial do DN,
refere que “A 14 de agosto de 1385, Aljubarrota foi palco de uma batalha
decisiva para a independência e a construção de um novo Portugal. A 14 de
agosto de 2021, é muito oportuno refletir sobre o que nos ensina este confronto
militar que opôs portugueses e ingleses a castelhanos e franceses (e vários
nobres lusitanos que defenderam o lado de Castela), numa disputa pelo trono
português, após a morte de D. Fernando. Hoje, podemos discutir remodelações
governamentais (…). Podemos discutir a tática do jogo de xadrez político e como
se movem as peças da oposição à direita e à esquerda. Podemos ainda fingir que
está tudo bem, neste verão de descompressão social em longo período de
pandemia. Mas a história militar, bem como das empresas e organizações,
demonstra que, mais do que jogadas táticas, é fundamental definir e aplicar uma
estratégia para vencer batalhas a curto e médio prazo. (…) Perante um
adversário muito mais poderoso e fortemente armado, venceu o exército de D.
Nuno Álvares Pereira graças a visão estratégica, liderança genuína e corajosa,
inteligente e eficaz gestão de recursos no terreno, inovação nas técnicas (…).
Devemos aprender com lições de história de ilustres portugueses do final do século
XIV que inovaram, souberam dar a volta a uma crise sem precedentes (invasão
militar, peste negra e fome) e iniciar um novo ciclo que foi o das Descobertas.
(…) Com a memória deste grande feito militar na região centro de Portugal
continental, devemos olhar para os próximos anos como uma época de novas
descobertas (talvez de nós próprios), sem fantasmas ou temores do passado e
sempre com olhos postos num futuro mais promissor para o povo português”.
O outro acontecimento paradoxal do texto, é a triste memória da Batalha
de Alcácer-Quibir, também surgida no mês quente de verão, do dia 4 de agosto do
famigerado ano 1578. O exército português, comandando pelo jovem rei D.
Sebastião, que aqui viria a perder a vida, estava esgotado pela fome, pelo
cansaço e pelo calor, quando se deu a batalha. O exército marroquino era
composto por dez mil cavaleiros e avançou cercando as alas de D. Sebastião
pelos flancos. Apesar da sua doença o Sultão Abdal Malique deixou a sua liteira
e liderou as suas forças a cavalo. (Também na Batalha de Aljubarrota, o rei
castelhano, D. Juan I, fugiu transportado numa liteira, tão debilitado estava.
Viria a morrer de peste negra.). O rei de Portugal, D. Sebastião, aos 24 anos, morre
na batalha e o seu corpo jamais foi encontrado.
A batalha terminou após quatro horas de combate intenso com a completa
derrota dos exércitos de D. Sebastião e Abu Abdallah Mohammed II Saadi, com
quase 9 mil mortos e 16 mil prisioneiros, nos quais se incluíam grande parte da
nobreza portuguesa. Talvez 100 sobreviventes tenham escapado, com custo, do
local da batalha. O exército português foi completamente dizimado.
Entre os prisioneiros portugueses estava D. António, Prior do Crato,
assim como o covilhanense Aires Teles de Meneses, Alcaide-mor da Covilhã, que
havia servido na Índia e acompanhou D. Sebastião nesta batalha, onde ficou
prisioneiro. Foi resgatado e regressou à Covilhã. Encontra-se sepultado na
Igreja de Nossa Senhora da Conceição (São Francisco), da Covilhã.
(In "Notícias da Covilhã", de 26-08-2021)