21 de janeiro de 2025

CRÓNICA PARA INÍCIO DO ANO: DOS “CISNES NEGROS” ÀS PERCEPÇÕES

 

Desde que me retirei da vida profissional, há mais de 12 anos, mantenho-me intelectualmente ativo. Escrever é para mim, algo que cultivo há seis décadas. Este amor pelos livros levou-me a doar parte do meu acervo a bibliotecas e instituições. Muitos livros foram acolhidos por bibliotecas municipais de diversas regiões do país, enriquecendo o património cultural dessas localidades.

Contudo, mais de um milhar de obras tiveram outro destino: o Banco Alimentar Contra a Fome, na Cova da Beira. Ali, foram integrados na recolha de papel, cuja venda reverte para causas de solidariedade social. Esta decisão, embora necessária, deixou-me com uma certa melancolia e, literalmente, uma hérnia discal como lembrança. Doar os livros foi um ato de desprendimento, mas também uma forma de perpetuar o valor do conhecimento que tanto prezo. Mesmo assim, as estantes da minha biblioteca ficam ainda repletas de obras, tematicamente selecionadas. 

Graças a Deus, consegui já ultrapassar a esperança de vida que, segundo dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), no triénio de 2021-2923, foi estimada, para os homens, em 78,37 anos, com a possibilidade de exceder este valor dependendo das condições individuais, como é óbvio.

Cisnes Negros e a Incerteza

Quantos “cisnes negros” nos esperam em 2025? Esta expressão, popularizada por Nassim Nicholas Taleb, simboliza acontecimentos imprevisíveis e de grande impacto, capazes de desestruturar o estabelecido. A sua origem remonta ao século XVII, quando a descoberta de cisnes negros na Austrália desafiou a crença de que todos os cisnes eram brancos.

Em 2024 tivemos uma amostra clara dessa realidade. Desde as alterações climáticas extremas, como o ano mais quente já registado, até acontecimentos geopolíticos e sociais inesperados, vivemos numa época em que a incerteza parece dominar. Esses eventos forçam-nos a refletir sobre a fragilidade dos nossos sistemas e a urgência de nos adaptarmos a um futuro cada vez mais imprevisível.

Percepções e a Atualidade

Outro tema que marcou o final de 2024 foi a discussão em torno das “percepções”. Exemplos não faltam: uma das ideias que ganhou força é a de que estrangeiros em situação irregular são os principais responsáveis pela sobrecarga do Serviço Nacional de Saúde (SNS). No entanto, estudos e dados concretos muitas vezes não sustentam essas afirmações, mas as percepções, ampliadas por discursos e “memes” digitais, acabam por moldar opiniões e políticas.

Como bem observa José Pacheco Pereira, vivemos numa era em que os “memes” substituem o pensamento crítico e dominam o debate público. Este fenómeno destaca a importância de questionarmos as informações que consumimos e de incentivarmos uma sociedade mais reflexiva e menos reativa. As percepções, quando mal direcionadas, podem transformar-se em preconceitos que perpetuam desigualdades e distorcem a realidade.

Ao iniciarmos um novo ano, somos chamados a olhar para o futuro com um misto de esperança e pragmatismo. As memórias que carregamos e os desafios que enfrentamos devem servir de guia para construir um caminho mais consciente e adaptável. Sejam os “cisnes negros” ou as percepções equivocadas, cada um de nós tem um papel na forma como lidamos com o inesperado e como criamos um mundo mais equilibrado.

Votos de um Feliz Ano 2025.


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-01-2025)


8 de janeiro de 2025

QUANDO A MARCHA ATRÁS DEIXA DE SER UMA MANOBRA PERIGOSA


Chegou ao fim o ano mais quente das nossas vidas. O primeiro em que a temperatura média da Terra subiu 1,5 graus Celsius. Em 2024, acumulámos recordes climáticos indesejáveis e falhanços em cimeiras dedicadas ao ambiente. A única atmosfera de que dispomos está saturada de carbono e isso irá tornar a Terra cada vez mais inóspita para quase todos os seres vivos. Proveniente de quem sabe, estamos a andar para trás, recuando ao ritmo de crescimento da pré-pandemia. 

Este ano de 2025 reserva novas oportunidades de negociação internacional na área climática. Cientistas, ativistas, decisores políticos e ambientalistas já estão com os olhos postos na COP30, que terá lugar em Belém, no Brasil. Até fevereiro líderes políticos de todo o mundo devem fazer as suas promessas climáticas que se querem mais ambiciosas possível.

Pergunto muitas vezes no âmago dos meus pensamentos, se os responsáveis no âmbito da Humanidade, a começar por cada um de nós, preferem o seu desaparecimento à face da Terra, mais acelerado, ou viver nos limites para que fomos criados. Estamos, de facto, num mundo de contradições.

O ano que findou não nos deixou saudades. Foi uma galeria de horrores, sobejamente conhecidos: a guerra da Ucrânia continuou e até se intensificou com soldados norte-coreanos servindo de carne para canhão de Putin e ataques ucranianos dentro das fronteiras russas. O conflito entre Israel e Hamas estendeu-se também numa luta com o Hezbollah no Líbano e o Irão. Cerca de 100 reféns continuam aprisionados e maltratados em Gaza. A Síria depôs um ditador sanguinário. Pela segunda vez, os troca-tintas americanos, neste vendaval internacional, elegeram para a Casa Branca um agressor sexual. 

Confesso-me dececionado com a conduta de tantas gentes pensantes, que mais parecem banhados de uma ingenuidade galopante, que chegou ao nosso País de brandos costumes, frase que ainda costuma ser vezeira em ocasiões de oportunidade.

A rusga na Mouraria, com as reações à foto de dezenas de imigrantes alinhados contra a parede na Rua do Benformoso foi a vergonha nacional deste nosso governo. Muito se falou e rios de tinta correram pelos jornais.  As televisões marcaram a sua presença para destacar o lamentável espetáculo jamais visto neste País que se diz sabe acolher os imigrantes.   Eu ainda há poucos meses percorri essa rua para as comemorações do centenário da Casa da Covilhã, sediada no nº. 150-1º. B, sem problemas. Obviamente também sem o aparato policial no Martim Moniz que lembra o pior do século XX, nas palavras da deputada socialista Isabel Moreira. Podemo-nos recordar dos imigrantes, 50 ano depois, como se fez com os retornados das ex-colónias. A tónica das políticas públicas para os imigrantes tem que passar pelo emprego, no alojamento e nas qualificações, ao invés das operações policiais.

Mas disto já todos estamos fartos de ver, ouvir e ler, aqui para quem está interessado em analisar opiniões jornalísticas.  

Agora volto-me para um tema que se tornou escaldante durante vários anos.  Afetou economias de particulares e empresariais de muitos portugueses, e não só – que dá força ao título desta crónica – as SCUT – Autoestradas sem custo para o utilizador. 

Tiveram início em Portugal em 1997, durante o governo liderado por António Guterres. O objetivo principal desse modelo era promover o desenvolvimento regional e a coesão territorial, garantindo o acesso a infraestruturas modernas sem custos diretos para os utilizadores, financiadas pelo Estado através de receitas fiscais. Em 2010, no contexto da crise económica e de ajustamentos financeiros, o governo liderado por José Sócrates iniciou a introdução de portagens nas SCUT’s transformando-as em autoestradas pagas, com base no princípio do utilizador-pagador. Esta mudança gerou longos e inúmeros debates e protestos. 

Levou 13 anos para que o governo revertesse a controversa decisão de portajar as SCUTs. Finalmente os viajantes podem usufruir da A23 e A25 sem custos diretos, aliviando os bolsos de quem depende dessas vias. Aquela manobra perigosa, dos nossos governos, conseguiu fazer uma marcha-atrás sem perigosidade. 

Foi uma luta quase insana liderada pela Plataforma Pl’a Reposição das SCUTS, voltando agora a poder circular -se na A23 e na A25, sem custos diretos, como se reclamava desde o dia 8 de dezembro de 2011. E, para encanto e glória dos malfeitores de lideranças governamentais, tínhamos as portagens mais caras de todas as ex-SCUTS do País. Mas por que cargas de água isso aconteceu? Inacreditável!

Apesar dos desafios enfrentados, tanto globais como locais, há razões para acreditar que a marcha-atrás pode ser mais que uma metáfora – pode ser um caminho real para mudança e progresso. 

Votos para que 2025 venha a ser um ano que nos traga mais esperança num novo mundo, pleno de paz e amor entre todos os habitantes do Planeta.


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com


((In “Jornal Fórum Covilhã”, de 08/01/2025)