18 de março de 2025

2025 – O ANO DE TODAS AS MULHERES E MENINAS



 O Dia Internacional da Mulher é comemorado, anualmente, a 8 de março. Este dia tem sido assinalado desde o início do século XX, embora com variações na data das celebrações. 

O Dia Internacional da Mulher pretende celebrar os direitos que as mulheres conquistaram até ao dia de hoje, relembrando o caminho para a igualdade. Defender causas como o direito ao voto, a igualdade salarial, a maior representação em cargos de liderança, a proteção em situações de violência física e/ou psicológica ou o acesso à educação continuam atuais porque, em vários pontos do globo, esses direitos continuam por cumprir.

O tema de 2025 é “Para todas as mulheres e meninas: direito, igualdade, empoderamento”.

Pretende dar continuidade a ações que promovam a igualdade de direitos, poder e oportunidades para todos, em que ninguém seja deixado para trás. No centro desta visão está a capacitação da próxima geração – os jovens, em particular as jovens mulheres e as meninas adolescentes – como catalisadores de uma mudança duradoura.

Este ano assinala-se os 30 anos da Declaração e da Plataforma de Ação de Pequim e os 50 anos da 1ª. Conferência sobre as Mulheres que se realizou no México em 1975.

A ideia de uma comemoração anual surgiu depois que o Partido Socialista da América organizou o Dia das Mulheres, em 20 de fevereiro de 1909, em Nova Iorque – uma jornada de manifestação pela igualdade de direitos civis e em favor do voto feminino. 

Durante as conferências de mulheres da Internacional Socialista, em Copenhague, 1910, foi sugerido, por Clara Zetkin, que o Dia das Mulheres passasse a ser celebrado todos os anos, sem que, no entanto, fosse definida uma data específica. A partir de 1913, as mulheres russas passaram a celebrar a data com manifestações realizadas no último domingo de fevereiro.

Em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro, no calendário juliano), ainda na Rússia Imperial, organizou-se uma grande passeata de mulheres, em protesto contra a carestia, o desemprego e a deterioração geral das condições de vida no país. Nos anos seguintes, o Dia das Mulheres passou a ser comemorado naquela mesma data, pelo movimento socialista, na Rússia e em países do bloco soviético.

Em 1975, a ONU começou a celebrar este dia a 8 de março mas só a 16 de dezembro de 1977 é que viria a ser oficialmente reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da Resolução 32/142.

Atualmente a data é comemorada em mais de 100 países.

Nem sempre nos encontramos com predisposição para escrever. Ou por falta de inspiração ou de tema. Sobre a Mulher já escrevi diversos artigos em várias publicações, receando vir a reescrever parte do que tornei público. Num olhar pelo rol de alguns dos meus escritos, vieram-me à mão os títulos: “As Mais Bonitas”, in Revista da APAE Campos Melo, em 26 de junho de 2004; “A Mulher na Sociedade Covilhanense”, in Notícias da Covilhã, de 10 de abril de 2008; “O Reino das Mulheres”, in Notícias da Covilhã e Jornal do Fundão, respetivamente de 13 e 14 de junho de 2012; “A Sanção e o Sansão”, in Jornal Fórum Covilhã, de 12 de julho de 2016; “O Feminismo”, in Jornal Fórum Covilhã, de 14 de março de 2017; “A Mulher – Quando o sonho se torna uma realidade”, in Jornal “Fórum Covilhã”, de 11 de agosto de 2021; “A Rainha e o novo Rei”, in “O Olhanense”, de 15 de setembro de 2022.

Na minha vivência até aos 79 anos, dou graças a Deus por ter tido a felicidades de assistir a muito da transformação positiva na mulher. Tudo se deve à vontade indómita dela própria. Ela que foi massacrada desde os tempos bíblicos, passando por mundos velhos de mentalidade, até aos dias de hoje. E não é preciso ir longe, basta ver o tratamento ultrajante dos países muçulmanos, e não só. A escravatura foi também um terror.

O nosso país, de brandos costumes, jamais ficou livre na sua culpabilidade de tratar mal a mulher. Na ditadura, deixava para a mulher o papel mais indigno, passando ao lado da revolução sexual e de costumes que marcaram a década de 1960. E hoje? A violência doméstica grassa cada vez mais.

Mas não é tudo mau. Várias instituições cada vez mais homenageiam a mulher na sua ação em vários setores da sociedade. Não podemos esquecer a sua peculiar e forte ação na envolvente solidária, onde são dotadas dum especial carinho. Sem esquecer o seu papel de mãe e avó.

De grandes mulheres que foram esposas de nossos conterrâneos, como o médico e ativista republicano, Januário Barreto, de Aldeia do Souto, do concelho da Covilhã, conta-se o nome da médica Carolina Beatriz Ângelo, natural da Guarda, que foi a primeira eleitora portuguesa, estando associada à fundação das primeiras organizações de mulheres que, em Portugal, lutarem pelos seus direitos civis e políticos. Foi a única a exercer o direito de voto durante a I República, numa persistente batalha jurídica. Fundou a Associação de Propaganda Feminista, aproveitando-se do lapso de a lei não referir o género e, na sua condição de viúva do nosso conterrâneo, com filhos a seu cargo, e como médica, foi às urnas exercer o seu direito, em 28 de maio de 1911, para a Assembleia Nacional Constituinte. A brecha na lei definia como eleitores os cidadãos que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família. Um ano depois, a lei foi revista para “cidadãos do sexo masculino” e as mulheres em Portugal só puderam votar e ir às urnas depois do 25 de abril de 1974.

A Assembleia da República evocou os 50 anos da universalização do direito das mulheres ao voto.


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 15-03-2025)


12 de março de 2025

SÓ NESTE PAÍS



 O título desta crónica não é da minha autoria. Foi retirado do livro que acabei de ler, dos jornalistas Filipe Santos Costa e Liliana Valente. A leitura fez-me recordar muitas cenas e narrativas que ocorreram ao longo dos 50 anos de democracia. Faço parte do grupo daqueles que também viveram tempos de ditadura, como tantos portugueses.

Alguns momentos foram hilariantes, loucos, divertidos, embaraçosos e inesperados na democracia portuguesa.

Neste “faz de conta” de que tudo corre normalmente e que nada de mal nos atormenta, recordei que escrevi um artigo sob este título para este semanário, em 14 de abril de 2015.

Vasco Pulido Valente e Eduardo Prado Coelho eram os meus cronistas preferidos. Por isso, mudava de diário sempre que permutavam as suas publicações entre o Diário de Notícias e o Público.

No meio do que estou a escrever, não posso deixar de referir o estado caótico que assola o mundo, face à tensão, discussão e acusações entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky, num encontro na Casa Branca que acabou sem acordo assinado.

Surge ainda a nova polémica que fragiliza a confiança em Luís Montenegro e, simultaneamente, a visita do presidente francês, Emmanuel Macron, a Portugal, com um acolhimento extraordinário, que fez lembrar a receção calorosa da rainha Isabel II aquando da sua visita ao nosso país. 

O agravamento repentino da crise respiratória do Papa Francisco traz à memória os tempos em que frequentemente se falava sobre o estado de saúde de Salazar. O ditador foi afastado na sequência da queda de uma cadeira, no forte onde passava férias, em setembro de 1968. Operado de urgência ao cérebro, quase recuperou, mas dias depois sofreu um AVC. Esteve em coma, melhorou e voltou para a residência oficial do Presidente do Conselho. Até à sua morte, quase dois anos mais tarde, ninguém ousou dizer-lhe que já não governava. 

Voltando a Vasco Pulido Valente (VPV), o cronista político de verbo afiado, como alguns o intitulavam, apelidado de pessimista, foi crítico de todos os governos, da regionalização, de Cavaco Silva e de Mário Soares. Analisou “os portugueses” ou “os indígenas”, que “dizem mal dos outros portugueses de Portugal”. Historiador, ensaísta e escritor, Vasco Pulido Valente faleceu aos 78 anos, a 20/02/2020.

Foi da sua caneta que surgiu a célebre descrição que se colou a António Guterres, primeiro-ministro entre 1995 e 2002: “picareta falante”. Também foi ele quem usou, pela primeira vez, o termo “geringonça” para se referir ao PS, após as eleições primárias para escolha do candidato a primeiro-ministro entre António José Seguro e António Costa. Em 16 de outubro de 2015, já com “geringonça” em construção, escreveu, também no Público: “A cada erro, a cada fracasso, haverá uma tempestade geral e Costa não tem, fora da sua geringonça, em quem se apoiar”. 

Um mês depois, ainda líder do CDS e no Governo, Paulo Portas usou a expressão no parlamento para atacar a solução de governo: “O acordo de esquerda não é bem um governo, é uma geringonça”. António Costa respondeu mais tarde: “É uma geringonça, mas funciona”.

Da irrevogabilidade dos adjetivos – “Apresentei hoje de manhã a minha demissão do Governo ao primeiro-ministro. Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer”.  Este comunicado de Paulo Portas, então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, caiu nas redações no início da tarde de 2 de julho de 2013 – um dia depois da demissão de Vitor Gaspar e poucas horas antes da tomada de posse da sua substituta, Maria Luís Albuquerque. Portas queria que a saída de Gaspar correspondesse a uma mudança de políticas, abandonando a austeridade para melhorar as perspetivas eleitorais da coligação. No entanto, a escolha de Maria Luís, fiel braço direito de Gaspar, indiciava que nada mudaria. Com um sapo por engolir, Portas anunciava a demissão. “Irrevogável”. Passos Coelho e o PSD foram apanhados de surpresa. O CDS também. Passado o choque inicial, Passos Coelho contra-atacou: não se demitia nem aceitava a demissão de Portas. O problema era aquele “irrevogável” – que, afinal, foi revogado. Portas foi promovido a vice-primeiro-ministro. O “irrevogável” durou apenas quatro dias e tornou-se uma piada que perdura até hoje.

A Luís Filipe Menezes e seu mediático frenesi seguiu-se Manuela Ferreira Leite e sua proverbial falta de jeito para a comunicação política. Fiel ao princípio de que se deve ouvir mais do que se fala, a antiga ministra das Finanças estreou-se como líder do PSD com um quase blackout mediático. MFL era vista, mas pouco se fazia ouvir, ao ponto de o Expresso lhe dedicar um artigo intitulado “A Maria silenciosa”. Depois, passou a falar mais – e a colecionar frases pouco convenientes. Num contexto de crise na Justiça, lamentou a dificuldade de fazer reformas estruturais e disse: “Até não sei se a certa altura não é bom haver seis meses sem democracia. Mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia”.

O monopolizador de nome de ruas. Em 2009, o presidente da Câmara de Marco de Canavezes revelou que havia cerca de 30 ruas e avenidas no concelho com o mesmo nome: Avelino Ferreira Torres. Coincidência ou não, era o nome do próprio presidente da autarquia, que governou o município por 22 anos (1983 – 2005). Durante mais de duas décadas, Ferreira Torres batizou diversos espaços públicos com o seu próprio nome. No meio de tanta toponímia repetitiva, destacava-se a Avenida Avelino Ferreira Torres, em Tuías, freguesia onde o autarca possuía uma quinta imponente, construída com recurso à mão de obra da própria autarquia. 

Por sinal, há uns anos, passei com a minha mulher e um casal amigo uns breves dias de férias num alojamento local em Tuías, cujo nome foi alvo de alguma risada durante a nossa conversa.


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 12-03-2025)


6 de março de 2025

A VERDADE

 

“Por vezes, encontrar a verdade é muito mais difícil do que localizar um equívoco. Um erro tem uma manifestação mais evidente, é mais sibilante, vem à tona mais expressivamente. Já a exatidão se encontra em camadas mais profundas” – Mário Sérgio Cortella.

Frequentemente, sentimos que nos afogamos num mar de informações. Somos constantemente bombardeados por notícias de fontes inesgotáveis como jornais, revistas, rádio, podcasts, blogs, redes sociais e outras plataformas digitais. Nenhum de nós deseja ser enganado, mas distinguir a verdade da mentira é um desafio cada vez maior.

No antigo regime ditatorial, os portugueses eram iludidos quanto às perdas humanas nas antigas colónias, resultantes da Guerra do Ultramar. As famílias viviam entre o medo de jamais reverem os seus entes queridos e a esperança do seu regresso. Informações manipuladas ocultavam a verdadeira dimensão das baixas militares. Quando ocorriam um elevado número de mortes numa única operação militar, a censura impunha que a comunicação social divulgasse os falecimentos de forma espaçada, criando a ilusão de perdas menores e diluídas no tempo.

A nossa própria História de Portugal, desde os bancos do ensino primário, sempre exaltou um amor incondicional à Pátria, muitas vezes omitindo verdades incómodas.

Um dos exemplos mais paradigmáticos é o desaparecimento do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer Quibir, no dia 4 de agosto de 1578. Liderando pessoalmente as tropas portuguesas, D. Sebastião desapareceu no campo de batalha, e o seu corpo nunca foi identificado com segurança. Existem várias versões sobre o seu destino, sendo a mais aceite a de que morreu em combate e o seu corpo ficou irreconhecível entre os milhares de mortos. 

Algumas fontes relatam que os marroquinos entregaram um corpo que supostamente seria o do rei, que foi depois levado para Portugal e sepultado no Mosteiro dos Jerónimos. No entanto, nunca houve provas conclusivas de que os restos mortais pertenciam de facto a D. Sebastião. O jornal A Capital, na edição de 22 de agosto de 1989, citava o diário marroquino Le Matin de Sahara, de Casablanca, que afirmava ter documentos provando a entrega do corpo do rei ao governador português de Ceuta. O documento era assinado por D. Leonis Pereira, capitão e governador da praça, D. Rodrigo de Menezes e frei Roque de Spiritu Sancto, e indicava que o corpo fora depositado com solenidade no Mosteiro da Santíssima Trindade, entregue por André Gaspar Corso, numa quarta-feira, dia 6 de dezembro de 1578, nas portas da cidade, pelas 10 horas da manhã. Segundo o jornal marroquino, Portugal teria criado várias versões para manter vivo o mito sebastianista, pois aceitar a derrota era impensável para os responsáveis da época.

Independentemente da verdade, o desaparecimento de D. Sebastião originou o Sebastianismo, crença segundo a qual o rei teria sobrevivido e regressaria um dia para restaurar a glória de Portugal.

Outro caso enigmático envolve os restos mortais de D. Nuno Álvares Pereira (1360 – 1431). Após a sua morte, foi sepultado no Convento do Carmo, em Lisboa, mas o Terramoto de 1755 destruiu parcialmente o convento e o seu túmulo. Em 1951, os seus restos mortais foram transladados para a Igreja do Santo Condestável, também em Lisboa. No entanto, devido à destruição causada pelo terramoto e às sucessivas trasladações, não é possível afirmar com certeza se os ossos depositados pertencem de facto ao Condestável.

Já a sepultura de Luís de Camões no Mosteiro dos Jerónimos baseia-se em presunção, pois nunca houve confirmação sobre a identificação dos seus restos mortais. Camões faleceu em 10 de junho de 1580, em Lisboa, em condições de extrema pobreza. Terá sido sepultado numa campa rasa na Igreja de Santa Ana, em Lisboa, ou no cemitério dos pobres do hospital local. Com o Terramoto de 1755, os túmulos que ali estavam perderam-se, incluindo o de Camões. Foram feitas tentativas para se reencontrar os despojos de Camões, todas frustradas. A ossada que foi depositada em 1880 numa tumba do Mosteiro dos Jerónimos é, com toda a probabilidade, de outra pessoa.

Por último, o corpo de Fernão de Magalhães nunca foi recuperado após a sua morte. Ele faleceu em 27 de abril de 1521, durante a Batalha de Mactan, nas Filipinas. Após o confronto, os guerreiros locais recusaram-se a entregar o seu corpo aos espanhóis, impossibilitando qualquer cerimónia fúnebre ou sepultamento adequado.

João de Jesus Nunes 

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-03-2025)