6 de março de 2025

A VERDADE

 

“Por vezes, encontrar a verdade é muito mais difícil do que localizar um equívoco. Um erro tem uma manifestação mais evidente, é mais sibilante, vem à tona mais expressivamente. Já a exatidão se encontra em camadas mais profundas” – Mário Sérgio Cortella.

Frequentemente, sentimos que nos afogamos num mar de informações. Somos constantemente bombardeados por notícias de fontes inesgotáveis como jornais, revistas, rádio, podcasts, blogs, redes sociais e outras plataformas digitais. Nenhum de nós deseja ser enganado, mas distinguir a verdade da mentira é um desafio cada vez maior.

No antigo regime ditatorial, os portugueses eram iludidos quanto às perdas humanas nas antigas colónias, resultantes da Guerra do Ultramar. As famílias viviam entre o medo de jamais reverem os seus entes queridos e a esperança do seu regresso. Informações manipuladas ocultavam a verdadeira dimensão das baixas militares. Quando ocorriam um elevado número de mortes numa única operação militar, a censura impunha que a comunicação social divulgasse os falecimentos de forma espaçada, criando a ilusão de perdas menores e diluídas no tempo.

A nossa própria História de Portugal, desde os bancos do ensino primário, sempre exaltou um amor incondicional à Pátria, muitas vezes omitindo verdades incómodas.

Um dos exemplos mais paradigmáticos é o desaparecimento do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer Quibir, no dia 4 de agosto de 1578. Liderando pessoalmente as tropas portuguesas, D. Sebastião desapareceu no campo de batalha, e o seu corpo nunca foi identificado com segurança. Existem várias versões sobre o seu destino, sendo a mais aceite a de que morreu em combate e o seu corpo ficou irreconhecível entre os milhares de mortos. 

Algumas fontes relatam que os marroquinos entregaram um corpo que supostamente seria o do rei, que foi depois levado para Portugal e sepultado no Mosteiro dos Jerónimos. No entanto, nunca houve provas conclusivas de que os restos mortais pertenciam de facto a D. Sebastião. O jornal A Capital, na edição de 22 de agosto de 1989, citava o diário marroquino Le Matin de Sahara, de Casablanca, que afirmava ter documentos provando a entrega do corpo do rei ao governador português de Ceuta. O documento era assinado por D. Leonis Pereira, capitão e governador da praça, D. Rodrigo de Menezes e frei Roque de Spiritu Sancto, e indicava que o corpo fora depositado com solenidade no Mosteiro da Santíssima Trindade, entregue por André Gaspar Corso, numa quarta-feira, dia 6 de dezembro de 1578, nas portas da cidade, pelas 10 horas da manhã. Segundo o jornal marroquino, Portugal teria criado várias versões para manter vivo o mito sebastianista, pois aceitar a derrota era impensável para os responsáveis da época.

Independentemente da verdade, o desaparecimento de D. Sebastião originou o Sebastianismo, crença segundo a qual o rei teria sobrevivido e regressaria um dia para restaurar a glória de Portugal.

Outro caso enigmático envolve os restos mortais de D. Nuno Álvares Pereira (1360 – 1431). Após a sua morte, foi sepultado no Convento do Carmo, em Lisboa, mas o Terramoto de 1755 destruiu parcialmente o convento e o seu túmulo. Em 1951, os seus restos mortais foram transladados para a Igreja do Santo Condestável, também em Lisboa. No entanto, devido à destruição causada pelo terramoto e às sucessivas trasladações, não é possível afirmar com certeza se os ossos depositados pertencem de facto ao Condestável.

Já a sepultura de Luís de Camões no Mosteiro dos Jerónimos baseia-se em presunção, pois nunca houve confirmação sobre a identificação dos seus restos mortais. Camões faleceu em 10 de junho de 1580, em Lisboa, em condições de extrema pobreza. Terá sido sepultado numa campa rasa na Igreja de Santa Ana, em Lisboa, ou no cemitério dos pobres do hospital local. Com o Terramoto de 1755, os túmulos que ali estavam perderam-se, incluindo o de Camões. Foram feitas tentativas para se reencontrar os despojos de Camões, todas frustradas. A ossada que foi depositada em 1880 numa tumba do Mosteiro dos Jerónimos é, com toda a probabilidade, de outra pessoa.

Por último, o corpo de Fernão de Magalhães nunca foi recuperado após a sua morte. Ele faleceu em 27 de abril de 1521, durante a Batalha de Mactan, nas Filipinas. Após o confronto, os guerreiros locais recusaram-se a entregar o seu corpo aos espanhóis, impossibilitando qualquer cerimónia fúnebre ou sepultamento adequado.

João de Jesus Nunes 

jjnunes6200@gmail.com

(In “O Olhanense”, de 01-03-2025)