12 de março de 2025

SÓ NESTE PAÍS



 O título desta crónica não é da minha autoria. Foi retirado do livro que acabei de ler, dos jornalistas Filipe Santos Costa e Liliana Valente. A leitura fez-me recordar muitas cenas e narrativas que ocorreram ao longo dos 50 anos de democracia. Faço parte do grupo daqueles que também viveram tempos de ditadura, como tantos portugueses.

Alguns momentos foram hilariantes, loucos, divertidos, embaraçosos e inesperados na democracia portuguesa.

Neste “faz de conta” de que tudo corre normalmente e que nada de mal nos atormenta, recordei que escrevi um artigo sob este título para este semanário, em 14 de abril de 2015.

Vasco Pulido Valente e Eduardo Prado Coelho eram os meus cronistas preferidos. Por isso, mudava de diário sempre que permutavam as suas publicações entre o Diário de Notícias e o Público.

No meio do que estou a escrever, não posso deixar de referir o estado caótico que assola o mundo, face à tensão, discussão e acusações entre Donald Trump e Volodymyr Zelensky, num encontro na Casa Branca que acabou sem acordo assinado.

Surge ainda a nova polémica que fragiliza a confiança em Luís Montenegro e, simultaneamente, a visita do presidente francês, Emmanuel Macron, a Portugal, com um acolhimento extraordinário, que fez lembrar a receção calorosa da rainha Isabel II aquando da sua visita ao nosso país. 

O agravamento repentino da crise respiratória do Papa Francisco traz à memória os tempos em que frequentemente se falava sobre o estado de saúde de Salazar. O ditador foi afastado na sequência da queda de uma cadeira, no forte onde passava férias, em setembro de 1968. Operado de urgência ao cérebro, quase recuperou, mas dias depois sofreu um AVC. Esteve em coma, melhorou e voltou para a residência oficial do Presidente do Conselho. Até à sua morte, quase dois anos mais tarde, ninguém ousou dizer-lhe que já não governava. 

Voltando a Vasco Pulido Valente (VPV), o cronista político de verbo afiado, como alguns o intitulavam, apelidado de pessimista, foi crítico de todos os governos, da regionalização, de Cavaco Silva e de Mário Soares. Analisou “os portugueses” ou “os indígenas”, que “dizem mal dos outros portugueses de Portugal”. Historiador, ensaísta e escritor, Vasco Pulido Valente faleceu aos 78 anos, a 20/02/2020.

Foi da sua caneta que surgiu a célebre descrição que se colou a António Guterres, primeiro-ministro entre 1995 e 2002: “picareta falante”. Também foi ele quem usou, pela primeira vez, o termo “geringonça” para se referir ao PS, após as eleições primárias para escolha do candidato a primeiro-ministro entre António José Seguro e António Costa. Em 16 de outubro de 2015, já com “geringonça” em construção, escreveu, também no Público: “A cada erro, a cada fracasso, haverá uma tempestade geral e Costa não tem, fora da sua geringonça, em quem se apoiar”. 

Um mês depois, ainda líder do CDS e no Governo, Paulo Portas usou a expressão no parlamento para atacar a solução de governo: “O acordo de esquerda não é bem um governo, é uma geringonça”. António Costa respondeu mais tarde: “É uma geringonça, mas funciona”.

Da irrevogabilidade dos adjetivos – “Apresentei hoje de manhã a minha demissão do Governo ao primeiro-ministro. Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer”.  Este comunicado de Paulo Portas, então ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, caiu nas redações no início da tarde de 2 de julho de 2013 – um dia depois da demissão de Vitor Gaspar e poucas horas antes da tomada de posse da sua substituta, Maria Luís Albuquerque. Portas queria que a saída de Gaspar correspondesse a uma mudança de políticas, abandonando a austeridade para melhorar as perspetivas eleitorais da coligação. No entanto, a escolha de Maria Luís, fiel braço direito de Gaspar, indiciava que nada mudaria. Com um sapo por engolir, Portas anunciava a demissão. “Irrevogável”. Passos Coelho e o PSD foram apanhados de surpresa. O CDS também. Passado o choque inicial, Passos Coelho contra-atacou: não se demitia nem aceitava a demissão de Portas. O problema era aquele “irrevogável” – que, afinal, foi revogado. Portas foi promovido a vice-primeiro-ministro. O “irrevogável” durou apenas quatro dias e tornou-se uma piada que perdura até hoje.

A Luís Filipe Menezes e seu mediático frenesi seguiu-se Manuela Ferreira Leite e sua proverbial falta de jeito para a comunicação política. Fiel ao princípio de que se deve ouvir mais do que se fala, a antiga ministra das Finanças estreou-se como líder do PSD com um quase blackout mediático. MFL era vista, mas pouco se fazia ouvir, ao ponto de o Expresso lhe dedicar um artigo intitulado “A Maria silenciosa”. Depois, passou a falar mais – e a colecionar frases pouco convenientes. Num contexto de crise na Justiça, lamentou a dificuldade de fazer reformas estruturais e disse: “Até não sei se a certa altura não é bom haver seis meses sem democracia. Mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia”.

O monopolizador de nome de ruas. Em 2009, o presidente da Câmara de Marco de Canavezes revelou que havia cerca de 30 ruas e avenidas no concelho com o mesmo nome: Avelino Ferreira Torres. Coincidência ou não, era o nome do próprio presidente da autarquia, que governou o município por 22 anos (1983 – 2005). Durante mais de duas décadas, Ferreira Torres batizou diversos espaços públicos com o seu próprio nome. No meio de tanta toponímia repetitiva, destacava-se a Avenida Avelino Ferreira Torres, em Tuías, freguesia onde o autarca possuía uma quinta imponente, construída com recurso à mão de obra da própria autarquia. 

Por sinal, há uns anos, passei com a minha mulher e um casal amigo uns breves dias de férias num alojamento local em Tuías, cujo nome foi alvo de alguma risada durante a nossa conversa.


João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 12-03-2025)


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