Também lá estive. Fui dar um abraço ao Padre Nabais.
Foi no domingo, 3 de Outubro, que este sacerdote também quis comemorar na sua antiga paróquia – Aldeia do Carvalho (hoje Vila) – as suas Bodas de Ouro sacerdotais.
Foi meu professor de música (disciplina então designada de “Canto Coral”) na Escola Industrial Campos Melo, na década de sessenta.
Mas já antes o conhecia como coadjutor da Paróquia da Conceição, sendo a sua característica a grande jovialidade, e com gosto pelo futebol.
Sei que tinha ido para o Brasil e do mesmo não soubera mais notícias.
Exerceu, ou iniciou a sua missão apostólica na Covilhã, no tempo em que, nesta cidade, eram responsáveis pelas quatro paróquias, padres que deixaram marcas indeléveis de persistente trabalho, sob a hierarquia de D. Policarpo da Costa Vaz.
O quarteto era então formado pelo Padre José Andrade (Conceição); José Domingues Carreto (S. Pedro); Joaquim Santos Morgadinho (S. Martinho); e José Batista Fernandes (Santa Maria), todos já fora do mundo dos vivos.
Nesse tempo, e noutra vertente, o então jovem padre – Fernando Brito dos Santos – exercia, entre outras tarefas, uma dinâmica acção (que duraria muitos anos) junto dos jovens, inseridos na Juventude Operária Católica, em tempos difíceis do anterior regime político do país.
E, na Aldeia do Carvalho, acumulava com a Paróquia dos Penedos Altos, e Borralheira, um outro padre de grande dinamismo – António de Oliveira Pita – que, nos primórdios da década de sessenta, em que poucos tinham automóvel, ele se deslocava de moto.
Foi exactamente o Padre Pita que viria a ser substituído, em Aldeia do Carvalho, pelo Padre José Nabais Pereira, onde esteve durante dez anos, deixando um trabalho de continuidade, que iniciou, de grande mérito.
Foi muito agradável ver o carinho que a Vila lhe dispensou, no dia 3 de Outubro, não esquecendo a sua acção em várias vertentes daquela paróquia e freguesia, sem omitir o desporto.
Foram-lhe entregues várias prendas, mas, de grande significado, também os actuais jovens recordaram o que os seus progenitores lhe disseram do Padre Nabais, sobre o desporto, e, no final da Eucaristia, ofereceram-lhe uma bola de futebol. O Padre Nabais, ao desembrulhá-la, cheio de alegria, deu de imediato uma cabeçada na redondinha.
Vou memorizar, para o final, esta passagem com o Padre José Nabais, jovial e muito amigo do futebol, que se reporta a Fevereiro de 1962, portanto, no início do seu trabalho à frente da Paróquia de Aldeia do Carvalho:
Participei no baptizado dum primo, em Aldeia do Carvalho; foi um domingo que, por sinal, coincidiu com um dia grande para o futebol na Covilhã – o Benfica vinha jogar ao Santos Pinto com os Leões da Serra, então na Primeira Divisão (como se designava na altura). Meus pais foram os padrinhos e, tal como aos pais do neófito, a todos lhes foi recomendado pelo Padre Nabais para que não chegassem atrasados à igreja (pois iam da Pousadinha para Aldeia do Carvalho), porque ele queria ir ver o Benfica.
Terminado a cerimónia, logo um táxi esperava o Padre Nabais para o levar ao estádio de futebol e, se bem se recordam, o Sporting da Covilhã ganhou por 2-1 (golos de José Augusto, pelo Benfica; de Amílcar e Chacho, pelo Sp. Covilhã).
Foi o “milagre” do padre Nabais...
(In “Notícias da Covilhã”, de 08/10/2004)
8 de outubro de 2004
FICÇÃO OU REALIDADE?
“Avô, isto é ficção, não é?”- eis a pergunta que o Gonçalo, de três anos, me coloca quando vê algumas cenas em programas de televisão, ao compreender que saem do campo da realidade.
Nestas últimas semanas temos assistido a uma agitação da sociedade portuguesa, muito pela culpabilidade dum governo que é ingovernável – um governo de ficção.
Vejamos a vergonha nacional, com a colocação dos professores agora prometida até 30 de Setembro. Há quase quarenta anos as aulas tinham, de facto, o seu início sempre em Outubro. Não podemos fazer comparação entre esses tempos de meia dúzia de universidades – só para alguns – e com o tecto do secundário que se ficava pelo antigo quinto ano, na sua generalidade; ou equivalente, através dos cursos comerciais ou industriais, de forte enriquecimento de conhecimentos para o ingresso no mundo do trabalho; e os tempos actuais.
Porquê a realidade deste descalabro duma dita reforma educativa?
Ao ouvir no programa na RTP 1, “Prós e Contras”, da jornalista de excelência, Fátima Campos Ferreira, a reportagem apresentada pelo jornalista António Esteves Martins, na Bélgica, onde um responsável pelo ensino deste país informou que a situação que se está a passar em Portugal seria inadmissível na Bélgica, onde tudo é tratado minuciosamente e no devido tempo, mais nos leva a pensar que, apesar das três décadas após a libertação da ditadura, ainda estamos muito longe da realidade para se deixar a cauda da cultura, dos que ensinam e dos que aprendem, no seio da Comunidade. Parece que vivemos num mundo de ficção, onde os méritos ficam longe da realidade!
Mesmo os que pouco se interessam pela causa cultural, os indiferentes, ou os ausentes das realidades actuais, já não deixam fazer o ninho atrás da orelha.
E muito menos os jovens, na vivência da sociedade portuguesa mais evoluída, agora que estamos muito mais inseridos da Europa.
Pensar em caminhar em regime de igualdade com todos os parceiros europeus, era uma autêntica ficção nos períodos salazarista e mesmo marcelista. Com o desaparecimento da guerra-fria, a integração na UE, a revolução informática, entre outros pontos de referência, foram tantas formas que nos forçaram a evoluir. Evolução forçada para muitos dos não jovens, pois que a oposição à mudança apenas seria um tiro a sair pela culatra.
Seria tão cómico, como hilariante foi a forma como um colega do meu tempo de estudante enfiou o barrete ao pai, homem de poucas letras, que, vendo um teste de francês em cima da mesa com uma anotação no canto superior direito, a encarnado, preocupado, pergunta ao filho: “Tens a folha toda riscada a vermelho, e aqui está um “P”, o que é isto? O espertalhão do filho (um dos que vinha todos os dias de comboio para a Escola Industrial), num rasgo de imaginação, diz-lhe: “Não vês, pai, que tive um porreiro”?! (quando o “P” era de péssimo...).
Os portugueses, hoje, estão esclarecidos, e sentem na carne os malefícios das incompetências.
Mas neste pequeno grande País em que se dá relevo às traquinices dum Zé Maria, do Big Brother, para gáudio de muitos, com mais uma “grande” notícia para a imprensa cor-de-rosa que adorna as bancas de jornais e tabacarias, por esse País fora; como a avidez de uma “grande” informação dum canal televisivo, ao anunciar que a tartaruga que estava a ser tratada no Algarve, já está a comer sozinha, parece que em vez de vivermos a realidade dum país evolutivo, existimos no retrocesso dum mundo de ficção.
Só com a consciencialização entre todos os que trabalham, numa doação entre trabalhadores e entidades patronais, todos obreiros da mesma causa, o nosso mundo poderá ser a realidade duma vida de bem-estar e não num mundo de ficção, este sempre com a realidade cada vez mais distante.
Também hão-de vir ministros das Finanças a falar das preocupações fiscais, com mais intenções, outras decisões e incompreensões, mas a classe média há-de continuar a suportar a maior fatia das crises, os pobres a ser cada vez mais pobres e os ricos a ver mais ousadas as suas engenharias financeiras.
A média dos salários da função pública é de 380 contos (disse o Ministro das Finanças na entrevista com Judite de Sousa, no passado dia 16 de Setembro, na RTP), salário que a média dos trabalhadores privados não aufere, bem como a forma de contagem e incidência das suas reformas.
A facilitação e o oportunismo são também causas da forma como se chegou a esta catastrófica situação financeira, onde os sinais exteriores de riqueza continuam a passar ao lado, independentemente de declararem unicamente o salário mínimo nacional.
Mas, como sói dizer-se, o exemplo vem do alto, e é do alto dos nossos governantes, candidatos a governantes ou ex-governantes, que muitas vezes vêm os maus exemplos. E...depois...as coisas acontecem, levando a uma situação paradoxal, com o Zé-povinho em vez de se encorajar a contribuir para a Nação, reforça a forma de pensar que “tirar ao Estado não é pecado”. Ficção ou realidade?
(In “Notícias da Covilhã”, de 8/10/2004)
Nestas últimas semanas temos assistido a uma agitação da sociedade portuguesa, muito pela culpabilidade dum governo que é ingovernável – um governo de ficção.
Vejamos a vergonha nacional, com a colocação dos professores agora prometida até 30 de Setembro. Há quase quarenta anos as aulas tinham, de facto, o seu início sempre em Outubro. Não podemos fazer comparação entre esses tempos de meia dúzia de universidades – só para alguns – e com o tecto do secundário que se ficava pelo antigo quinto ano, na sua generalidade; ou equivalente, através dos cursos comerciais ou industriais, de forte enriquecimento de conhecimentos para o ingresso no mundo do trabalho; e os tempos actuais.
Porquê a realidade deste descalabro duma dita reforma educativa?
Ao ouvir no programa na RTP 1, “Prós e Contras”, da jornalista de excelência, Fátima Campos Ferreira, a reportagem apresentada pelo jornalista António Esteves Martins, na Bélgica, onde um responsável pelo ensino deste país informou que a situação que se está a passar em Portugal seria inadmissível na Bélgica, onde tudo é tratado minuciosamente e no devido tempo, mais nos leva a pensar que, apesar das três décadas após a libertação da ditadura, ainda estamos muito longe da realidade para se deixar a cauda da cultura, dos que ensinam e dos que aprendem, no seio da Comunidade. Parece que vivemos num mundo de ficção, onde os méritos ficam longe da realidade!
Mesmo os que pouco se interessam pela causa cultural, os indiferentes, ou os ausentes das realidades actuais, já não deixam fazer o ninho atrás da orelha.
E muito menos os jovens, na vivência da sociedade portuguesa mais evoluída, agora que estamos muito mais inseridos da Europa.
Pensar em caminhar em regime de igualdade com todos os parceiros europeus, era uma autêntica ficção nos períodos salazarista e mesmo marcelista. Com o desaparecimento da guerra-fria, a integração na UE, a revolução informática, entre outros pontos de referência, foram tantas formas que nos forçaram a evoluir. Evolução forçada para muitos dos não jovens, pois que a oposição à mudança apenas seria um tiro a sair pela culatra.
Seria tão cómico, como hilariante foi a forma como um colega do meu tempo de estudante enfiou o barrete ao pai, homem de poucas letras, que, vendo um teste de francês em cima da mesa com uma anotação no canto superior direito, a encarnado, preocupado, pergunta ao filho: “Tens a folha toda riscada a vermelho, e aqui está um “P”, o que é isto? O espertalhão do filho (um dos que vinha todos os dias de comboio para a Escola Industrial), num rasgo de imaginação, diz-lhe: “Não vês, pai, que tive um porreiro”?! (quando o “P” era de péssimo...).
Os portugueses, hoje, estão esclarecidos, e sentem na carne os malefícios das incompetências.
Mas neste pequeno grande País em que se dá relevo às traquinices dum Zé Maria, do Big Brother, para gáudio de muitos, com mais uma “grande” notícia para a imprensa cor-de-rosa que adorna as bancas de jornais e tabacarias, por esse País fora; como a avidez de uma “grande” informação dum canal televisivo, ao anunciar que a tartaruga que estava a ser tratada no Algarve, já está a comer sozinha, parece que em vez de vivermos a realidade dum país evolutivo, existimos no retrocesso dum mundo de ficção.
Só com a consciencialização entre todos os que trabalham, numa doação entre trabalhadores e entidades patronais, todos obreiros da mesma causa, o nosso mundo poderá ser a realidade duma vida de bem-estar e não num mundo de ficção, este sempre com a realidade cada vez mais distante.
Também hão-de vir ministros das Finanças a falar das preocupações fiscais, com mais intenções, outras decisões e incompreensões, mas a classe média há-de continuar a suportar a maior fatia das crises, os pobres a ser cada vez mais pobres e os ricos a ver mais ousadas as suas engenharias financeiras.
A média dos salários da função pública é de 380 contos (disse o Ministro das Finanças na entrevista com Judite de Sousa, no passado dia 16 de Setembro, na RTP), salário que a média dos trabalhadores privados não aufere, bem como a forma de contagem e incidência das suas reformas.
A facilitação e o oportunismo são também causas da forma como se chegou a esta catastrófica situação financeira, onde os sinais exteriores de riqueza continuam a passar ao lado, independentemente de declararem unicamente o salário mínimo nacional.
Mas, como sói dizer-se, o exemplo vem do alto, e é do alto dos nossos governantes, candidatos a governantes ou ex-governantes, que muitas vezes vêm os maus exemplos. E...depois...as coisas acontecem, levando a uma situação paradoxal, com o Zé-povinho em vez de se encorajar a contribuir para a Nação, reforça a forma de pensar que “tirar ao Estado não é pecado”. Ficção ou realidade?
(In “Notícias da Covilhã”, de 8/10/2004)
27 de agosto de 2004
TEMPO DE FÉRIAS
Este Verão, tanto de quente como de molhado, veio pregar uma partida aos incendiários que vêem retardadas as suas malévolas intenções. Já ardeu 25% de floresta portuguesa no último decénio, e, considerando toda a área ardida, no mesmo período, verifica-se um cenário dramático equivalente a 15% do território nacional. É confrangedor.
Mas a época convida a espairecer e ao descanso, sem propiciar o empenhamento em grandes tarefas, nas várias vertentes.
A maioria dos portugueses fazem tudo para gozar férias nos meses de Verão, sendo Agosto o mês eleito para as mesmas, tanto no sector público como no privado. O País praticamente pára, como que numa anestesia.
Há classes profissionais que são obrigadas a parar em Agosto e outras, de quem se espera uma disponibilidade total, nesta época do ano, ficam também a funcionar a meio gás, como sói dizer-se.
Também fomos carregar as baterias, neste Agosto instável. Chegou uma semana para quem não está habituado a muito descanso.
Depois de assentar arraiais no local previamente seleccionado, foi a vez de chegar a uma das bancas para reservar o jornal diário, preferido de há muitos anos. Como sempre, a simpatia de quem vende.
Uma boa caldeirada, um bom robalo grelhado ou qualquer outro prato da zona pesqueira, bem regado com tinto, de preferência, ou verde, fazem as delícias dos dias de descanso.
Numa pastelaria, um cafezinho. Junto à caixa registadora, uma caixinha com os dizeres: “Não guarde para amanhã o que pode fazer hoje – gorjeta”. À nossa pergunta, a resposta: “É para um jantar”.
Passado o reparo, também é a altura de se lerem com mais vagar, os temas de articulistas que nos passam à margem, no quotidiano, por incompatibilidade com a escassez de tempo.
E, uma das coisas que nos apercebemos, sem necessidade de recorrer a notícias, foi que o sector da restauração tem sentido no prato a garfada da crise, sendo que assim se pode aceitar que o volume de negócios do sector registou uma quebra de 25%.
Falando só dos assuntos nacionais, o panorama é desolador: 27 mil microempresas podem fechar as portas em 2005 face à nova lei das sociedades comerciais; o desenvolvimento humano em Portugal desce no “ranking” da ONU, estagnando e voltando a ser o pior dos antigos 15 países da EU; temos as empresas mais endividadas, atingindo um recorde de 105% do PIB em 2002, do endividamento à banca, justificando a forte quebra do investimento privado e o atraso na retoma da economia (segundo um estudo do FMI embora, segundo o Instituto Nacional de Estatística, no mês de Junho, viesse a informar que os portugueses estavam mais confiantes face ao futuro, de harmonia com o resultado dos inquéritos de Maio perante a percepção dos agentes económicos); a inflação subiu para 2,8% em Julho, e a taxa de desemprego, para 6,3%; segundo relatório da ONU, a economia portuguesa deverá crescer 1,1%, este ano, o valor mais baixo dos 25 Estados membros da UE.
E, também preocupante, no tema económico, é o receio de como garantir a sustentabilidade financeira da Segurança Social para pagar as futuras pensões de reforma, de acordo com o sistema actualmente em vigor (embora os defensores desta tese não consigam demonstrá-la de uma forma fundamentada e tecnicamente consistente), pelo que, empreender terá que ser com reflexão.
E a nossa região sente, como ninguém, os efeitos nocivos da crise, onde as fábricas laneiras se passaram a contar pelos dedos das mãos, e as confecções de vestuário em situação preocupante, agora com a sina de a China vir a “esmagar” o resto que remanesce dos têxteis. As notícias menos boas continuam a surgir com as pensões de velhice que aumentaram mais no País que na região beirã.
E, para ultimar este período de breves férias, a missiva de um bom amigo de Valbom, que há 36 anos viveu na Covilhã: “Os tempos de hoje são de raiva contida pois não há a certeza de que, se a raiva explodisse, servisse para alguma coisa, enquanto há vinte ou trinta anos, ao explodir, criava-se comoção e havia uma mudança. Hoje, temos a sensação de que nada serve para nada, como se estivéssemos num momento de paralisia da sociedade, num impasse. Se há raiva, cada um engole-a e ao fazê-lo nem sequer tem direito à indignação. De vez em quando há umas manifestações de bandeiras que deviam ser símbolos de uma nação e passam a ser pendões de circo, esquecendo a caldeirinha. Logo a seguir o costume, o é hábito, a paz de um quase cemitério de falências, desemprego e do salve-se quem puder”.
(In “Notícias da Covilhã”, de 27/08/2004)
Mas a época convida a espairecer e ao descanso, sem propiciar o empenhamento em grandes tarefas, nas várias vertentes.
A maioria dos portugueses fazem tudo para gozar férias nos meses de Verão, sendo Agosto o mês eleito para as mesmas, tanto no sector público como no privado. O País praticamente pára, como que numa anestesia.
Há classes profissionais que são obrigadas a parar em Agosto e outras, de quem se espera uma disponibilidade total, nesta época do ano, ficam também a funcionar a meio gás, como sói dizer-se.
Também fomos carregar as baterias, neste Agosto instável. Chegou uma semana para quem não está habituado a muito descanso.
Depois de assentar arraiais no local previamente seleccionado, foi a vez de chegar a uma das bancas para reservar o jornal diário, preferido de há muitos anos. Como sempre, a simpatia de quem vende.
Uma boa caldeirada, um bom robalo grelhado ou qualquer outro prato da zona pesqueira, bem regado com tinto, de preferência, ou verde, fazem as delícias dos dias de descanso.
Numa pastelaria, um cafezinho. Junto à caixa registadora, uma caixinha com os dizeres: “Não guarde para amanhã o que pode fazer hoje – gorjeta”. À nossa pergunta, a resposta: “É para um jantar”.
Passado o reparo, também é a altura de se lerem com mais vagar, os temas de articulistas que nos passam à margem, no quotidiano, por incompatibilidade com a escassez de tempo.
E, uma das coisas que nos apercebemos, sem necessidade de recorrer a notícias, foi que o sector da restauração tem sentido no prato a garfada da crise, sendo que assim se pode aceitar que o volume de negócios do sector registou uma quebra de 25%.
Falando só dos assuntos nacionais, o panorama é desolador: 27 mil microempresas podem fechar as portas em 2005 face à nova lei das sociedades comerciais; o desenvolvimento humano em Portugal desce no “ranking” da ONU, estagnando e voltando a ser o pior dos antigos 15 países da EU; temos as empresas mais endividadas, atingindo um recorde de 105% do PIB em 2002, do endividamento à banca, justificando a forte quebra do investimento privado e o atraso na retoma da economia (segundo um estudo do FMI embora, segundo o Instituto Nacional de Estatística, no mês de Junho, viesse a informar que os portugueses estavam mais confiantes face ao futuro, de harmonia com o resultado dos inquéritos de Maio perante a percepção dos agentes económicos); a inflação subiu para 2,8% em Julho, e a taxa de desemprego, para 6,3%; segundo relatório da ONU, a economia portuguesa deverá crescer 1,1%, este ano, o valor mais baixo dos 25 Estados membros da UE.
E, também preocupante, no tema económico, é o receio de como garantir a sustentabilidade financeira da Segurança Social para pagar as futuras pensões de reforma, de acordo com o sistema actualmente em vigor (embora os defensores desta tese não consigam demonstrá-la de uma forma fundamentada e tecnicamente consistente), pelo que, empreender terá que ser com reflexão.
E a nossa região sente, como ninguém, os efeitos nocivos da crise, onde as fábricas laneiras se passaram a contar pelos dedos das mãos, e as confecções de vestuário em situação preocupante, agora com a sina de a China vir a “esmagar” o resto que remanesce dos têxteis. As notícias menos boas continuam a surgir com as pensões de velhice que aumentaram mais no País que na região beirã.
E, para ultimar este período de breves férias, a missiva de um bom amigo de Valbom, que há 36 anos viveu na Covilhã: “Os tempos de hoje são de raiva contida pois não há a certeza de que, se a raiva explodisse, servisse para alguma coisa, enquanto há vinte ou trinta anos, ao explodir, criava-se comoção e havia uma mudança. Hoje, temos a sensação de que nada serve para nada, como se estivéssemos num momento de paralisia da sociedade, num impasse. Se há raiva, cada um engole-a e ao fazê-lo nem sequer tem direito à indignação. De vez em quando há umas manifestações de bandeiras que deviam ser símbolos de uma nação e passam a ser pendões de circo, esquecendo a caldeirinha. Logo a seguir o costume, o é hábito, a paz de um quase cemitério de falências, desemprego e do salve-se quem puder”.
(In “Notícias da Covilhã”, de 27/08/2004)
30 de julho de 2004
EMBANDEIRADOS
As gentes andavam cabisbaixas, deprimidas, duma melancolia por vezes aterradora. Nunca tanto se olhou para o chão. Nalguns casos até parecia que andavam a contar as pedras da calçada.
De quando em vez lá se ia coçando a orelha, ou melhor, contactando o invisível; aí, surgiam por vezes gestos exuberantes, risos, vozes de negócios programados, concretizados ou frustrados, do salário que já tardara, da factura que não foi paga, mas também um cumprimento alargado ao amigo ou familiar, um recado não recatado mas bem apalavrado.
A retoma tarda, o Zé-Povinho, farto de esperar, inspira-se de novo em Rafael Bordalo Pinheiro e faz o manguito.
Até que, depois de tanto berrar por ver os estádios que andaram a construir com o nosso dinheiro, com tantas pessoas na pobreza, na miséria, no desemprego, e com o acréscimo de resultados pouco conseguidos, e não convincentes, na preparação para o Euro, eis que surge o primeiro dia.
A “scolarização” não foi palavra vã, e o brasileirão, inspirado nas suas ideias, é um mobilizador e transmite esperança. Com as suas palavras de ordem, as gentes das cidades, das vilas, das aldeias ou burgos revestiram-se das cores nacionais, cores físicas mas também as cores dum forte ânimo, dum sentimento de dar o pontapé de saída, de raiva na malfadada crise.
Bandeiras, muitas bandeiras, nas janelas, tanto voltadas para as ruas principais como para qualquer travessa ou beco; nos automóveis ou servindo de lenço na cabeça, à cintura, ao peito e sei lá que mais!
Jamais isto foi visto em tempo algum, nem mesmo na época dos “magriços”, há 38 anos, onde outro brasileiro, com um consagrado seleccionador português, nos dava enormes alegrias. Nessa altura, em tempo de guerra no Ultramar, era a época das vedetas Eusébio, Coluna, Torres, Simões, José Augusto, Hilário, Vicente, José Pereira, entre tantos outros.
Hoje, os meus netos, já sabem o Hino Nacional, os nomes de todas as vedetas, do Figo, Rui Costa, Ricardo, Nuno Gomes, todos eles!
Os jogos do Euro 2004 foram seguidos por 2,5 mil milhões de pessoas, no total, com a final vista por cerca de 130 a 150 milhões, com uma audiência média feminina de 30%, é o que nos diz a comunicação social.
Apesar de tudo, um estado de espírito bastante diferente, para melhor, daquele que se viveu em 1966, também em tempos difíceis, de alguma penúria, assolados com a Guerra do Ultramar.
Recorda quem escreve estas linhas, o célebre 0-3 do Portugal – Coreia, que o “pantera negra” ajudou a dar a reviravolta para 5-3, visto da esplanada do Primor, quando foi, com alguns Colegas, a casa do Prof. Passas – o mestre Passas, que morava num dos andares do mesmo edifício, saber o resultado do exame de Dactilografia, pois era o único que restava para podermos fazer o exame final de Aptidão Profissional, para se concluir, na sua plenitude, o Curso Geral do Comércio. Era o João Nunes, o Manuel José Torrão, o Nina Duarte, o Tomé, de Abrantes.
Mas a festa de Junho de 2004 foi boa, foi feita contra a adversidade, contra o medo. Andavam todos em pânico. Valeu a pena esta transformação momentânea, que ainda perdura, esperando agora pelos Olímpicos da Grécia.
Esquecemos o termos sido os primeiros a perdermos o jogo inaugural, como anfitriões, contra a Grécia; e, bem assim, contra a mesma selecção (que raio de sina!) a sermos igualmente o primeiro anfitrião a cair na final. Todas as anteriores selecções que jogaram em casa atingiram o jogo decisivo levantando o troféu.
Os brasileiros, como povo alegre, apesar das dificuldades e muitas vezes excessivo nas suas exaltações, vieram trazer, através de Felipe Scolari, a alegria que já não existia, ao povo português, que já parecia ter recuado ao tempo do povo de marinheiros, habituado outrora à nostalgia, ao hábito dos fatos pretos, pelo infortúnio.
No fim de contas, a festa do futebol aliviou a tristeza. Descrito pela UEFA como “o melhor Europeu de sempre”, houve fair play, muito civismo e bom convívio entre os milhões de adeptos que se deslocaram a Portugal.
O Euro 2004 correu muito bem naquilo que mais importava para a imagem de Portugal: organização, segurança, acolhimento de estrangeiros. Desportivamente foi um campeonato bem disputado, sem “casos” de arbitragem, com desafios emocionantes e vencedores inesperados.
A selecção portuguesa não ganhou mas foi bem mais longe do que se esperava, depois dos decepcionantes jogos de preparação e do jogo inaugural.
Resta-nos agora, o jogo futebolístico da política em que a sorte de Portugal foi decidida por uma grande penalidade a cargo do Presidente da República, face a uma falta, na grande área, por Durão Barroso, por ter rasteirado os seus concidadãos, após ter recebido o cartão amarelo dos portugueses nas eleições para o Parlamento Europeu.
Desta rasteira, em vez de ser o povo a mostrar-lhe o cartão vermelho, foi o próprio que o mostrou a si mesmo, mas, desta vez, saiu do rectângulo político a rir-se.
(In “Notícias da Covilhã”, de 30/07/2004)
De quando em vez lá se ia coçando a orelha, ou melhor, contactando o invisível; aí, surgiam por vezes gestos exuberantes, risos, vozes de negócios programados, concretizados ou frustrados, do salário que já tardara, da factura que não foi paga, mas também um cumprimento alargado ao amigo ou familiar, um recado não recatado mas bem apalavrado.
A retoma tarda, o Zé-Povinho, farto de esperar, inspira-se de novo em Rafael Bordalo Pinheiro e faz o manguito.
Até que, depois de tanto berrar por ver os estádios que andaram a construir com o nosso dinheiro, com tantas pessoas na pobreza, na miséria, no desemprego, e com o acréscimo de resultados pouco conseguidos, e não convincentes, na preparação para o Euro, eis que surge o primeiro dia.
A “scolarização” não foi palavra vã, e o brasileirão, inspirado nas suas ideias, é um mobilizador e transmite esperança. Com as suas palavras de ordem, as gentes das cidades, das vilas, das aldeias ou burgos revestiram-se das cores nacionais, cores físicas mas também as cores dum forte ânimo, dum sentimento de dar o pontapé de saída, de raiva na malfadada crise.
Bandeiras, muitas bandeiras, nas janelas, tanto voltadas para as ruas principais como para qualquer travessa ou beco; nos automóveis ou servindo de lenço na cabeça, à cintura, ao peito e sei lá que mais!
Jamais isto foi visto em tempo algum, nem mesmo na época dos “magriços”, há 38 anos, onde outro brasileiro, com um consagrado seleccionador português, nos dava enormes alegrias. Nessa altura, em tempo de guerra no Ultramar, era a época das vedetas Eusébio, Coluna, Torres, Simões, José Augusto, Hilário, Vicente, José Pereira, entre tantos outros.
Hoje, os meus netos, já sabem o Hino Nacional, os nomes de todas as vedetas, do Figo, Rui Costa, Ricardo, Nuno Gomes, todos eles!
Os jogos do Euro 2004 foram seguidos por 2,5 mil milhões de pessoas, no total, com a final vista por cerca de 130 a 150 milhões, com uma audiência média feminina de 30%, é o que nos diz a comunicação social.
Apesar de tudo, um estado de espírito bastante diferente, para melhor, daquele que se viveu em 1966, também em tempos difíceis, de alguma penúria, assolados com a Guerra do Ultramar.
Recorda quem escreve estas linhas, o célebre 0-3 do Portugal – Coreia, que o “pantera negra” ajudou a dar a reviravolta para 5-3, visto da esplanada do Primor, quando foi, com alguns Colegas, a casa do Prof. Passas – o mestre Passas, que morava num dos andares do mesmo edifício, saber o resultado do exame de Dactilografia, pois era o único que restava para podermos fazer o exame final de Aptidão Profissional, para se concluir, na sua plenitude, o Curso Geral do Comércio. Era o João Nunes, o Manuel José Torrão, o Nina Duarte, o Tomé, de Abrantes.
Mas a festa de Junho de 2004 foi boa, foi feita contra a adversidade, contra o medo. Andavam todos em pânico. Valeu a pena esta transformação momentânea, que ainda perdura, esperando agora pelos Olímpicos da Grécia.
Esquecemos o termos sido os primeiros a perdermos o jogo inaugural, como anfitriões, contra a Grécia; e, bem assim, contra a mesma selecção (que raio de sina!) a sermos igualmente o primeiro anfitrião a cair na final. Todas as anteriores selecções que jogaram em casa atingiram o jogo decisivo levantando o troféu.
Os brasileiros, como povo alegre, apesar das dificuldades e muitas vezes excessivo nas suas exaltações, vieram trazer, através de Felipe Scolari, a alegria que já não existia, ao povo português, que já parecia ter recuado ao tempo do povo de marinheiros, habituado outrora à nostalgia, ao hábito dos fatos pretos, pelo infortúnio.
No fim de contas, a festa do futebol aliviou a tristeza. Descrito pela UEFA como “o melhor Europeu de sempre”, houve fair play, muito civismo e bom convívio entre os milhões de adeptos que se deslocaram a Portugal.
O Euro 2004 correu muito bem naquilo que mais importava para a imagem de Portugal: organização, segurança, acolhimento de estrangeiros. Desportivamente foi um campeonato bem disputado, sem “casos” de arbitragem, com desafios emocionantes e vencedores inesperados.
A selecção portuguesa não ganhou mas foi bem mais longe do que se esperava, depois dos decepcionantes jogos de preparação e do jogo inaugural.
Resta-nos agora, o jogo futebolístico da política em que a sorte de Portugal foi decidida por uma grande penalidade a cargo do Presidente da República, face a uma falta, na grande área, por Durão Barroso, por ter rasteirado os seus concidadãos, após ter recebido o cartão amarelo dos portugueses nas eleições para o Parlamento Europeu.
Desta rasteira, em vez de ser o povo a mostrar-lhe o cartão vermelho, foi o próprio que o mostrou a si mesmo, mas, desta vez, saiu do rectângulo político a rir-se.
(In “Notícias da Covilhã”, de 30/07/2004)
25 de junho de 2004
COMO UM RELÂMPAGO
A vida é um ai que mal soa, segundo o poeta João de Deus.
Antes de passarmos o testemunho por sermos forçados à travessia além fronteiras, desta própria vida, muitas coisas nos vão surgindo.
O ímpeto, a espontaneidade, um sopro de alegria, a profundidade de uma tristeza, um desejo traído, um ódio manifestado, um riso ridículo, uma hilariante anedota, podem traduzir-se em atitudes irreflectidas que vão marcar indelevelmente a própria vida dum vivente; um lenitivo para um humano; ou a íntima satisfação de bem-estar na paz dos anjos, da vida do habitante deste planeta.
Ainda continuamos com a famosa trilogia salazarista, acentuada, do “Fado, Futebol e Fátima”, nesta democracia onde por vezes se vê “mais injustiça que justiça, mais ignorância que educação, mais crime sem castigo do que castigo no crime, mais doença do que saúde, mais negligência do que empenho, mais folclore do que concretização”, como opina, no DNA de 4 de Junho, o prestigiado jornalista Pedro Rolo Duarte.
O campo da democracia tornou-se vasto para a expressão do pensamento, em liberdade, mas tal liberdade por vezes faz do insulto o projéctil da arma a utilizar no momento próprio.
Na campanha eleitoral para as recentes eleições europeias, se houve normais e óbvias críticas políticas, o mesmo não se pode dizer das ofensas a um adversário, referindo-se a uma sua deficiência física.
Ana Manso, do PSD da Guarda, certamente terá recolhido da lição do seu provável remorso (ainda que tenha havido posterior pedido de desculpas) que nem sempre quando vem ao pensamento um determinado relâmpago se podem lançar atoardas deste jaez.
Ao malogrado Dr. António Sousa Franco, também não lhe chegaria este insulto para, junto dos seus próprios correligionários, envolvidos em interesses partidários, lhe originarem um aceleramento da sua passagem para o outro lado da vida.
Outro relâmpago surgido na mente dum estadista veio cair em Xanana Gusmão, quem diria, numa imagem impensável há uns anos atrás, através do abraço acontecido em 29 de Maio passado, em Timor, dado ao seu anterior inimigo e inimigo dos timorenses – o agora candidato à presidência da República da Indonésia, general Wiranto (com um mandato de captura por um juiz internacional por alegados crimes contra a humanidade, praticados em Timor-Leste). Que traição para os muitos timorenses que morreram em autênticos massacres, alguns dos quais vistos na televisão. Que traição para os muitos portugueses que gritaram em grupo frente da embaixada americana, e aos que choraram em directo perante o massacre do Cemitério de Santa Cruz. Que memória foi a sua?! Autêntica hipocrisia, ou acto de irreflexão?
O autor desta crónica também se sente indignado, pois alvitrou, diligenciou e concretizou, com a Direcção a que presidia, a vinda de um grupo de timorenses, a exibir o seu folclore à Covilhã, em 17 de Junho de 1995, nas Comemorações do 12º. Convívio da APAE Campos Melo, tendo sido apresentada um belíssima exposição de objectos e utensílios timorenses, envolvendo-nos então numa amizade com a Biblioteca por Timor, pertencente à Câmara de Lisboa, então presidida pelo Dr. Jorge Sampaio, com cuja edilidade tivemos alguns contactos.
E, quando o general Wiranto e seus homens perseguiam Timor, manifestámos a nossa solidariedade a Xanana Gusmão, para a Cadeia de Cipinang, ao comemorar os seus 50 anos de vida.
Como um relâmpago surgiram as notícias dos homens supostamente envolvidos nos negócios fraudulentos do futebol, onde a corrupção se presume atingiu pontos elevados (há muito que saltavam aos olhos de todos, menos a quem não queria ver ou se fazia ingénuo, estas atitudes da arbitragem), e ainda continuam sem estarem bem definidos e identificados os que se envolveram nos meandros dos “negócios escuros” no mundo do futebol, em Portugal.
Como num relâmpago, deixou de se falar nos saturados assuntos da pedofilia, das fraudes do futebol, e as eleições realizadas com um forte cartão amarelo ao fragilizado Governo passaram ao lado, com o povo a abster-se, pensando-se agora e unicamente no Euro 2004.
Foi assim uma tristeza menos triste por ser tão triste.
Bandeiras de Portugal, mesmo com pagodes em vez de castelos, flutuam patrioticamente nas janelas de muitas, muitas casas, nos muitos e muitos automóveis. Aqui há patriotismo.
Depois do desencanto contra a Grécia, em que a selecção portuguesa se tornou a primeira anfitriã a perder o jogo de abertura de um Euro, surgiu a empolgante vitória contra a Espanha!
Com uma certa “Ala dos Namorados” conseguimos vencer mais uma Batalha de Aljubarrota.
(In “Notícias da Covilhã”, de 25/06/2004)
Antes de passarmos o testemunho por sermos forçados à travessia além fronteiras, desta própria vida, muitas coisas nos vão surgindo.
O ímpeto, a espontaneidade, um sopro de alegria, a profundidade de uma tristeza, um desejo traído, um ódio manifestado, um riso ridículo, uma hilariante anedota, podem traduzir-se em atitudes irreflectidas que vão marcar indelevelmente a própria vida dum vivente; um lenitivo para um humano; ou a íntima satisfação de bem-estar na paz dos anjos, da vida do habitante deste planeta.
Ainda continuamos com a famosa trilogia salazarista, acentuada, do “Fado, Futebol e Fátima”, nesta democracia onde por vezes se vê “mais injustiça que justiça, mais ignorância que educação, mais crime sem castigo do que castigo no crime, mais doença do que saúde, mais negligência do que empenho, mais folclore do que concretização”, como opina, no DNA de 4 de Junho, o prestigiado jornalista Pedro Rolo Duarte.
O campo da democracia tornou-se vasto para a expressão do pensamento, em liberdade, mas tal liberdade por vezes faz do insulto o projéctil da arma a utilizar no momento próprio.
Na campanha eleitoral para as recentes eleições europeias, se houve normais e óbvias críticas políticas, o mesmo não se pode dizer das ofensas a um adversário, referindo-se a uma sua deficiência física.
Ana Manso, do PSD da Guarda, certamente terá recolhido da lição do seu provável remorso (ainda que tenha havido posterior pedido de desculpas) que nem sempre quando vem ao pensamento um determinado relâmpago se podem lançar atoardas deste jaez.
Ao malogrado Dr. António Sousa Franco, também não lhe chegaria este insulto para, junto dos seus próprios correligionários, envolvidos em interesses partidários, lhe originarem um aceleramento da sua passagem para o outro lado da vida.
Outro relâmpago surgido na mente dum estadista veio cair em Xanana Gusmão, quem diria, numa imagem impensável há uns anos atrás, através do abraço acontecido em 29 de Maio passado, em Timor, dado ao seu anterior inimigo e inimigo dos timorenses – o agora candidato à presidência da República da Indonésia, general Wiranto (com um mandato de captura por um juiz internacional por alegados crimes contra a humanidade, praticados em Timor-Leste). Que traição para os muitos timorenses que morreram em autênticos massacres, alguns dos quais vistos na televisão. Que traição para os muitos portugueses que gritaram em grupo frente da embaixada americana, e aos que choraram em directo perante o massacre do Cemitério de Santa Cruz. Que memória foi a sua?! Autêntica hipocrisia, ou acto de irreflexão?
O autor desta crónica também se sente indignado, pois alvitrou, diligenciou e concretizou, com a Direcção a que presidia, a vinda de um grupo de timorenses, a exibir o seu folclore à Covilhã, em 17 de Junho de 1995, nas Comemorações do 12º. Convívio da APAE Campos Melo, tendo sido apresentada um belíssima exposição de objectos e utensílios timorenses, envolvendo-nos então numa amizade com a Biblioteca por Timor, pertencente à Câmara de Lisboa, então presidida pelo Dr. Jorge Sampaio, com cuja edilidade tivemos alguns contactos.
E, quando o general Wiranto e seus homens perseguiam Timor, manifestámos a nossa solidariedade a Xanana Gusmão, para a Cadeia de Cipinang, ao comemorar os seus 50 anos de vida.
Como um relâmpago surgiram as notícias dos homens supostamente envolvidos nos negócios fraudulentos do futebol, onde a corrupção se presume atingiu pontos elevados (há muito que saltavam aos olhos de todos, menos a quem não queria ver ou se fazia ingénuo, estas atitudes da arbitragem), e ainda continuam sem estarem bem definidos e identificados os que se envolveram nos meandros dos “negócios escuros” no mundo do futebol, em Portugal.
Como num relâmpago, deixou de se falar nos saturados assuntos da pedofilia, das fraudes do futebol, e as eleições realizadas com um forte cartão amarelo ao fragilizado Governo passaram ao lado, com o povo a abster-se, pensando-se agora e unicamente no Euro 2004.
Foi assim uma tristeza menos triste por ser tão triste.
Bandeiras de Portugal, mesmo com pagodes em vez de castelos, flutuam patrioticamente nas janelas de muitas, muitas casas, nos muitos e muitos automóveis. Aqui há patriotismo.
Depois do desencanto contra a Grécia, em que a selecção portuguesa se tornou a primeira anfitriã a perder o jogo de abertura de um Euro, surgiu a empolgante vitória contra a Espanha!
Com uma certa “Ala dos Namorados” conseguimos vencer mais uma Batalha de Aljubarrota.
(In “Notícias da Covilhã”, de 25/06/2004)
23 de abril de 2004
30 ANOS DE ABRIL
Após três décadas muitas coisas mudaram no nosso país. No dia da grande reviravolta ainda não tínhamos 30 anos mas não esquecemos o longo período antecedente à Revolução dos Cravos.
Para os jovens de hoje, o 25 de Abril talvez seja apenas uma data histórica de âmbito escolar, como a Implantação da República, a Restauração de Portugal, a Fundação da Nacionalidade.
Se do “antes”, alguns quadros das empresas privadas tinham remunerações sustentáveis, o operariado fugia do país ou limitava-se a uma vida de fortes dificuldades económicas, refugiando-se nas tabernas, durante os seus tempos livres, ou pelos clubes de bairro, como o Campos Melo, o Rodrigo, o Oriental, o Estrela de S. Pedro, o Arsenal, o Águias de Santa Maria, os Leões (onde, nalgumas destas colectividades, se destacaram pessoas simples, mas grandes de índole cultural e humana); e, aos domingos, pelos campos de futebol, onde o Sporting da Covilhã também sofria de maleita, entre as subidas e descidas da 2ª. à 3ª. Divisão, de permeio com os Torneiros de Competência. O “Pina Bicho”, ou o Cine-Centro, era outro ponto de distracção.
Chegada a idade militar, os jovens iam-se conformando com as contrariedades que se avizinhavam, não só pelos muitos meses que iam passar nos quartéis, atrasando a sua vida profissional e constituição de família, como o espectro de serem integrados nos contingentes militares para combater nas Colónias.
Quanto aos emigrantes, só mais tarde, quando alguns regressavam para férias, dos países para onde emigraram, já com as algibeiras recheadas, pronunciavam de forma exibicionista um francês macarrónico, e se expressavam, antes, de revolta, agora quase num ar de “vingança”: “Vamos tomar uma boisson ao Montalto. Agora já tenho argent. Os patrões não são mais do que eu!”.
Mesmo os que tinham ocupações na função pública – “os chamados empregos seguros, para toda a vida” – só poucos anos antes começaram a beneficiar da assistência médica, com a criação de CATs e ADSE, que até então era inexistente.
Mas, talvez pior que a penúria de muitos, e a necessidade de recursos financeiros da maioria, a falta de liberdade de expressão, aliada à chamada “guerra subversiva no Ultramar Português”, em tempo de guerra fria no mundo, eram vivências de constante insatisfação, neste Portugal “orgulhosamente só”, na expressão do ditador.
Quando surgia um pequeno aumento salarial, logo o Diário de Notícias, o Diário Popular, o Diário da Manhã, A Voz, o Novidades, o Comércio do Porto, o Diário de Lisboa, bem como outros periódicos da época, anunciavam os aumentos em letras garrafais.
O servidor do Estado, ao fazer as suas contas, comparando o aumento de salário, duma forma aberrante, da sua categoria de letra com a dos quadros – os primeiros – desabafava ironicamente: “Dai-me, Senhor, o vosso aumento, que eu dou-vos o meu vencimento”.
Algumas vezes, chegados aos empregos, logo nos surgiam as notícias: “Ontem a Pide levou o fulano, ou o sicrano”.
Além do Café Montalto, frequentado por uma determinada classe social, havia outros, como o Café Leitão, onde predominava a classe de oposicionistas ao regime (por detrás do balcão, às escondidas, alguns molhavam a palavra, com uma taça de tinto); assim como a ainda Pastelaria Lisbonense, com a peculiar simpatia do proprietário, Sr. José; o Café Montanha, do Laranjo; assim como o Danúbio, do Caninhas.
Frequentávamos algumas vezes o desaparecido Café Central, do Neve Hotel, e recordamos que estávamos vendo o telejornal, quando o locutor José Gomes Ferreira anunciava a morte súbita de Nasser, presidente do Egipto, nos acontecimentos da Guerra dos Seis Dias, com Israel contra os países árabes. Ao ouvido chegava-nos o recado, de pessoa avisada: “cuidado com as conversas porque há aqui bufos da Pide”.
À noite, em segredo, podíamos ouvir a “Rádio Liberdade” ou “Rádio Portugal Livre”, de Argel, que teve a sua primeira emissão em 12 de Março de 1962, pela voz de Stela Piteira Santos.
O temor da guerra levava alguns jovens a arranjar subterfúgios para conseguirem livrar-se da tropa, além dos “amparos de mãe”, tomando, alguns, o rumo da deserção.
Nas longas viagens de comboio, no regresso aos quartéis, após um pequeno fim-de-semana com a família e namorada (quando era possível), não faltavam as imagens de abraços e choros dos que se despediam dos familiares e namoradas, nas estações de caminhos-de-ferro, já com a guia de marcha para a Guiné, Angola, Moçambique, ou outras “Províncias Ultramarinas”. Alguns regressaram sem vida.
Nem o “adeus, até ao meu regresso”, nas mensagens de Natal e Ano Novo, nem as madrinhas de guerra, nem as senhoras do Movimento Nacional Feminino, organização feminina que acompanhou os treze anos de guerra colonial, fundada em 28 de Abril de 1961, em dia de aniversário de Salazar, que mais não fosse para distribuir aerogramas, ou fazer algumas visitas aos soldados, eram suficientes para fazer afastar a grande saudade e os tempos terríveis duma guerra da qual não se conhecia o fim.
Aos quartéis, perto das fronteiras, como o RI 12, da Guarda, frequentemente surgia a polícia política entregando “compelidos e refractários”, algemados, que apanhavam nas fronteiras. Os desertores, esses, geralmente eram mais difíceis encontrá-los.
Os regressados do serviço militar, muitos deles das colónias, após 3 ou quase 4 anos penosos, deparavam-se com problemas de integração na vida profissional, como primeiro emprego, mas alguns lá se iam encaixando nos bancos e na segurança social (mesmo com cursos industriais).
Aproximava-se o 25 de Abril mas, já antes, a oposição ao regime salazarista e marcelista preparava-se para não participar em eleições fantoches e havia vindo do Congresso de Aveiro com ânimo. Estávamos em 1973 e a oposição enviava uma moção de repúdio pela morte de Salvador Allende, presidente Argentino, face ao golpe militar do general Pinochet.
No Teatro-Cine, os homens e as mulheres afectos ao regime de Marcelo Caetano ouviam as vozes vibrantes dos seus oradores, entre os quais o entusiasta deputado pelo círculo de Castelo Branco, Dr. Rui Pontífice de Sousa, do Tortosendo, que pouco depois viria a falecer num acidente de viação, em Ponte de Sor. Num raio de alguns metros, também no Pelourinho, num andar perto do Neve Hotel e onde mais tarde arderam os prédios aí existentes, mais conhecidos dos partidos políticos, reunia-se um grupo de oposicionistas, da Comissão Democrática Eleitoral (CDE). Para espanto geral, só conhecido após o 25 de Abril, quem secretariava a reunião da oposição e até se manifestava de forte opositor ao regime, era exactamente um informador da Pide.
Valeu o 25 de Abril. Fomos também envolvidos nessa alegria.
A democracia implantou-se, felizmente, mas muitos abusaram dela. Jamais desejaríamos assistir a um cortejo de desempregados e ao grassar da indigência, do consumo de drogas, do aumento da criminalidade, da continuação dos sem abrigo e de novas doenças.
Todos os sistemas políticos são sempre ocasião para os oportunistas, mormente para aqueles que mudam como um cata-vento e os que sobem para cima do muro, aguardando para que lado hão-de saltar.
Mas, 30 anos de Abril, apesar das vicissitudes e das grandes diferenças abissais que ainda subsistem, entre a pobreza envergonhada, e os que, como Saramago, se dão ao luxo de ter três casas para residir, valeu a pena; apesar de algo ir mal na intelectualidade, quando se aconselha ao voto em branco e se integra uma lista para as europeias, valeu a pena 30 anos de Abril, valeu a pena a LIBERDADE.
(In “Notícias da Covilhã”, de 23/04/2004)
Para os jovens de hoje, o 25 de Abril talvez seja apenas uma data histórica de âmbito escolar, como a Implantação da República, a Restauração de Portugal, a Fundação da Nacionalidade.
Se do “antes”, alguns quadros das empresas privadas tinham remunerações sustentáveis, o operariado fugia do país ou limitava-se a uma vida de fortes dificuldades económicas, refugiando-se nas tabernas, durante os seus tempos livres, ou pelos clubes de bairro, como o Campos Melo, o Rodrigo, o Oriental, o Estrela de S. Pedro, o Arsenal, o Águias de Santa Maria, os Leões (onde, nalgumas destas colectividades, se destacaram pessoas simples, mas grandes de índole cultural e humana); e, aos domingos, pelos campos de futebol, onde o Sporting da Covilhã também sofria de maleita, entre as subidas e descidas da 2ª. à 3ª. Divisão, de permeio com os Torneiros de Competência. O “Pina Bicho”, ou o Cine-Centro, era outro ponto de distracção.
Chegada a idade militar, os jovens iam-se conformando com as contrariedades que se avizinhavam, não só pelos muitos meses que iam passar nos quartéis, atrasando a sua vida profissional e constituição de família, como o espectro de serem integrados nos contingentes militares para combater nas Colónias.
Quanto aos emigrantes, só mais tarde, quando alguns regressavam para férias, dos países para onde emigraram, já com as algibeiras recheadas, pronunciavam de forma exibicionista um francês macarrónico, e se expressavam, antes, de revolta, agora quase num ar de “vingança”: “Vamos tomar uma boisson ao Montalto. Agora já tenho argent. Os patrões não são mais do que eu!”.
Mesmo os que tinham ocupações na função pública – “os chamados empregos seguros, para toda a vida” – só poucos anos antes começaram a beneficiar da assistência médica, com a criação de CATs e ADSE, que até então era inexistente.
Mas, talvez pior que a penúria de muitos, e a necessidade de recursos financeiros da maioria, a falta de liberdade de expressão, aliada à chamada “guerra subversiva no Ultramar Português”, em tempo de guerra fria no mundo, eram vivências de constante insatisfação, neste Portugal “orgulhosamente só”, na expressão do ditador.
Quando surgia um pequeno aumento salarial, logo o Diário de Notícias, o Diário Popular, o Diário da Manhã, A Voz, o Novidades, o Comércio do Porto, o Diário de Lisboa, bem como outros periódicos da época, anunciavam os aumentos em letras garrafais.
O servidor do Estado, ao fazer as suas contas, comparando o aumento de salário, duma forma aberrante, da sua categoria de letra com a dos quadros – os primeiros – desabafava ironicamente: “Dai-me, Senhor, o vosso aumento, que eu dou-vos o meu vencimento”.
Algumas vezes, chegados aos empregos, logo nos surgiam as notícias: “Ontem a Pide levou o fulano, ou o sicrano”.
Além do Café Montalto, frequentado por uma determinada classe social, havia outros, como o Café Leitão, onde predominava a classe de oposicionistas ao regime (por detrás do balcão, às escondidas, alguns molhavam a palavra, com uma taça de tinto); assim como a ainda Pastelaria Lisbonense, com a peculiar simpatia do proprietário, Sr. José; o Café Montanha, do Laranjo; assim como o Danúbio, do Caninhas.
Frequentávamos algumas vezes o desaparecido Café Central, do Neve Hotel, e recordamos que estávamos vendo o telejornal, quando o locutor José Gomes Ferreira anunciava a morte súbita de Nasser, presidente do Egipto, nos acontecimentos da Guerra dos Seis Dias, com Israel contra os países árabes. Ao ouvido chegava-nos o recado, de pessoa avisada: “cuidado com as conversas porque há aqui bufos da Pide”.
À noite, em segredo, podíamos ouvir a “Rádio Liberdade” ou “Rádio Portugal Livre”, de Argel, que teve a sua primeira emissão em 12 de Março de 1962, pela voz de Stela Piteira Santos.
O temor da guerra levava alguns jovens a arranjar subterfúgios para conseguirem livrar-se da tropa, além dos “amparos de mãe”, tomando, alguns, o rumo da deserção.
Nas longas viagens de comboio, no regresso aos quartéis, após um pequeno fim-de-semana com a família e namorada (quando era possível), não faltavam as imagens de abraços e choros dos que se despediam dos familiares e namoradas, nas estações de caminhos-de-ferro, já com a guia de marcha para a Guiné, Angola, Moçambique, ou outras “Províncias Ultramarinas”. Alguns regressaram sem vida.
Nem o “adeus, até ao meu regresso”, nas mensagens de Natal e Ano Novo, nem as madrinhas de guerra, nem as senhoras do Movimento Nacional Feminino, organização feminina que acompanhou os treze anos de guerra colonial, fundada em 28 de Abril de 1961, em dia de aniversário de Salazar, que mais não fosse para distribuir aerogramas, ou fazer algumas visitas aos soldados, eram suficientes para fazer afastar a grande saudade e os tempos terríveis duma guerra da qual não se conhecia o fim.
Aos quartéis, perto das fronteiras, como o RI 12, da Guarda, frequentemente surgia a polícia política entregando “compelidos e refractários”, algemados, que apanhavam nas fronteiras. Os desertores, esses, geralmente eram mais difíceis encontrá-los.
Os regressados do serviço militar, muitos deles das colónias, após 3 ou quase 4 anos penosos, deparavam-se com problemas de integração na vida profissional, como primeiro emprego, mas alguns lá se iam encaixando nos bancos e na segurança social (mesmo com cursos industriais).
Aproximava-se o 25 de Abril mas, já antes, a oposição ao regime salazarista e marcelista preparava-se para não participar em eleições fantoches e havia vindo do Congresso de Aveiro com ânimo. Estávamos em 1973 e a oposição enviava uma moção de repúdio pela morte de Salvador Allende, presidente Argentino, face ao golpe militar do general Pinochet.
No Teatro-Cine, os homens e as mulheres afectos ao regime de Marcelo Caetano ouviam as vozes vibrantes dos seus oradores, entre os quais o entusiasta deputado pelo círculo de Castelo Branco, Dr. Rui Pontífice de Sousa, do Tortosendo, que pouco depois viria a falecer num acidente de viação, em Ponte de Sor. Num raio de alguns metros, também no Pelourinho, num andar perto do Neve Hotel e onde mais tarde arderam os prédios aí existentes, mais conhecidos dos partidos políticos, reunia-se um grupo de oposicionistas, da Comissão Democrática Eleitoral (CDE). Para espanto geral, só conhecido após o 25 de Abril, quem secretariava a reunião da oposição e até se manifestava de forte opositor ao regime, era exactamente um informador da Pide.
Valeu o 25 de Abril. Fomos também envolvidos nessa alegria.
A democracia implantou-se, felizmente, mas muitos abusaram dela. Jamais desejaríamos assistir a um cortejo de desempregados e ao grassar da indigência, do consumo de drogas, do aumento da criminalidade, da continuação dos sem abrigo e de novas doenças.
Todos os sistemas políticos são sempre ocasião para os oportunistas, mormente para aqueles que mudam como um cata-vento e os que sobem para cima do muro, aguardando para que lado hão-de saltar.
Mas, 30 anos de Abril, apesar das vicissitudes e das grandes diferenças abissais que ainda subsistem, entre a pobreza envergonhada, e os que, como Saramago, se dão ao luxo de ter três casas para residir, valeu a pena; apesar de algo ir mal na intelectualidade, quando se aconselha ao voto em branco e se integra uma lista para as europeias, valeu a pena 30 anos de Abril, valeu a pena a LIBERDADE.
(In “Notícias da Covilhã”, de 23/04/2004)
27 de fevereiro de 2004
O PARADOXO
Segundo as estatísticas, os imigrantes são já cinco por cento da população portuguesa, tendo atingido 500 mil no final do ano transacto, com supremacia para os brasileiros.
Por todas as cidades e aldeias deste nosso País encontramos também ucranianos, moldávios, romenos, russos, búlgaros, bielorussos, lituanos, georgianos, húngaros, polacos, indianos, e espanhóis; argelinos e muitos outros africanos, de várias paragens desse grande continente, e outros gentílicos.
Já não estranhamos os trajes dos muçulmanos, dos indianos e outros, por essas ruas fora, o que não acontecia há cinquenta anos. Só se via um africano, na província, geralmente ligado ao futebol.
E este número é só o respeitante aos legalizados, já que mais de 250 mil imigrantes esperam a legalização.
Esta enorme mão-de-obra tem ajudado a criar riqueza para Portugal, lucrando o Estado 128 milhões de euros só com os 92 mil imigrantes dos países de Leste, segundo nos relatam os jornais, desenvolvendo as suas actividades mormente na construção, agricultura e restauração, sectores estes com mais peso.
O que se passa nos dias de hoje, e há já uns anos atrás, é exactamente paradoxal ao que aconteceu nos finais da década de cinquenta e início da de sessenta, onde um forte índice de emigração surgiu, com muita gente a caminho de outros países da Europa, onde nos encontramos inseridos, com destinos preferenciais a França, Alemanha, Suíça e Luxemburgo.
Nas Câmaras Municipais era o andar num rodopio diário, para os que pretendiam partir legalizados, onde as vigarices nos contratos de trabalho não eram tão abundantes, contrastando com os ilegais que se aventuravam a atravessar as fronteiras, de assalto, muitas vezes em condições infra-humanas, mas que a esperança de encontrar o eldorado ultrapassava essas enormes dificuldades e sacrifícios.
O concelho da Covilhã também não ficou incólume a essa avalanche de gente a contribuir para a desertificação das suas terras, mas, por outro lado, a avolumar as remessas dos emigrantes que caíam muito bem nos cofres do Estado Novo.
Esse formigueiro humano vinha principalmente das freguesias rurais, a norte e a sul do concelho.
As funcionárias da Câmara Municipal, e um funcionário, da altura, batiam incessantemente as teclas das máquinas de escrever, tratando da documentação dos que pretendiam emigrar, os quais, algumas vezes, faziam fila pelo corredor do município, ao tempo do Dr. Baltazar e Engº. Vicente Borges Terenas.
Cá fora, havia a recompensa para as incansáveis funcionárias, pelo menos algumas... Eram alguns cabazes com produtos das terras, onde não faltavam coelhos ou galinhas, queijos ou presuntos, dos que pretendiam ver a sua documentação na frente, bem depressa, que o país das patacas, ou a terra prometida estava à espera.
Eles vinham das Minas da Panasqueira, de Cebola (hoje S. Jorge da Beira), Casegas, de Sobral de Casegas (hoje Sobral de S. Miguel), de Unhais da Serra, do Paúl e Ourondo, como também de Aldeia do Mato (hoje Vale Formoso), de Aldeia do Souto, Orjais, e, mais perto, Teixoso e Aldeia do Carvalho (hoje Vila do Carvalho), não esquecendo da própria cidade, e por aí fora.
Estas recompensas davam ânimo e um certo dinamismo às senhoras funcionárias da edilidade, encarregadas da emigração, enquanto Manuel Matias – o Sr. Matias – um dos “donos” da Câmara de então, que apenas com a escolaridade obrigatória era chefe da contabilidade, passava grande parte do tempo com os empreiteiros – de preferência o Bom Jesus – com a sua secretária de madeira, repleta de montões de facturas, ordens de pagamento, orçamentos, e um mar sem fim de papéis e mais papéis.
Pacheco Lança – o 3º. Oficial – que isto de se chegar ao poleiro não era como nos dias de hoje, preocupava-se com as actas das escrituras camarárias, e, aos domingos à tarde, “botava” notícia dos relatos do Sporting da Covilhã para os jornais de que era correspondente.
O Chefe da Secretaria, que também era o responsável pela censura, impunha respeito – o Sr. Laurentinho – e lá passava horas sem fim no seu gabinete, preparando os trabalhos para as sessões camarárias, e não só, que geralmente não eram públicas.
E outro dia chegava, nova agitação pelos corredores camarários, novo matraquear das máquinas de escrever para os serviços da emigração, mais cabazes, alcofas e sacos camuflados à porta da Câmara.
E um dia até, entusiasmado, o único funcionário encarregado da emigração, resolve também emigrar. E até o porteiro finta o Sr. Matias, a quem devia obediência, e dá o salto para França, com subtileza, prometendo ao “dono” da Câmara que regressaria... pois ia com passaporte turístico e, nessa altura, era necessária uma autorização especial para os funcionários públicos se deslocarem ao estrangeiro. Foi a risada posterior de quem já adivinhava esta cena, entre os quais o oficial de diligências, Américo Santos.
Fora das paredes do município, a emigração continuava, mesmo sem papéis legais, onde os “passadores” cumpriam a sua missão, muitas vezes a par dos contrabandistas.
E, alguma rapaziada, em vésperas de ingressar na tropa, dava também o ar da sua graça, e, fugindo à guerra, desertava, sendo hoje uns heróis.
Hoje é o reverso da medalha da migração.
(In “Notícias da Covilhã”, de 27/02/2004)
Por todas as cidades e aldeias deste nosso País encontramos também ucranianos, moldávios, romenos, russos, búlgaros, bielorussos, lituanos, georgianos, húngaros, polacos, indianos, e espanhóis; argelinos e muitos outros africanos, de várias paragens desse grande continente, e outros gentílicos.
Já não estranhamos os trajes dos muçulmanos, dos indianos e outros, por essas ruas fora, o que não acontecia há cinquenta anos. Só se via um africano, na província, geralmente ligado ao futebol.
E este número é só o respeitante aos legalizados, já que mais de 250 mil imigrantes esperam a legalização.
Esta enorme mão-de-obra tem ajudado a criar riqueza para Portugal, lucrando o Estado 128 milhões de euros só com os 92 mil imigrantes dos países de Leste, segundo nos relatam os jornais, desenvolvendo as suas actividades mormente na construção, agricultura e restauração, sectores estes com mais peso.
O que se passa nos dias de hoje, e há já uns anos atrás, é exactamente paradoxal ao que aconteceu nos finais da década de cinquenta e início da de sessenta, onde um forte índice de emigração surgiu, com muita gente a caminho de outros países da Europa, onde nos encontramos inseridos, com destinos preferenciais a França, Alemanha, Suíça e Luxemburgo.
Nas Câmaras Municipais era o andar num rodopio diário, para os que pretendiam partir legalizados, onde as vigarices nos contratos de trabalho não eram tão abundantes, contrastando com os ilegais que se aventuravam a atravessar as fronteiras, de assalto, muitas vezes em condições infra-humanas, mas que a esperança de encontrar o eldorado ultrapassava essas enormes dificuldades e sacrifícios.
O concelho da Covilhã também não ficou incólume a essa avalanche de gente a contribuir para a desertificação das suas terras, mas, por outro lado, a avolumar as remessas dos emigrantes que caíam muito bem nos cofres do Estado Novo.
Esse formigueiro humano vinha principalmente das freguesias rurais, a norte e a sul do concelho.
As funcionárias da Câmara Municipal, e um funcionário, da altura, batiam incessantemente as teclas das máquinas de escrever, tratando da documentação dos que pretendiam emigrar, os quais, algumas vezes, faziam fila pelo corredor do município, ao tempo do Dr. Baltazar e Engº. Vicente Borges Terenas.
Cá fora, havia a recompensa para as incansáveis funcionárias, pelo menos algumas... Eram alguns cabazes com produtos das terras, onde não faltavam coelhos ou galinhas, queijos ou presuntos, dos que pretendiam ver a sua documentação na frente, bem depressa, que o país das patacas, ou a terra prometida estava à espera.
Eles vinham das Minas da Panasqueira, de Cebola (hoje S. Jorge da Beira), Casegas, de Sobral de Casegas (hoje Sobral de S. Miguel), de Unhais da Serra, do Paúl e Ourondo, como também de Aldeia do Mato (hoje Vale Formoso), de Aldeia do Souto, Orjais, e, mais perto, Teixoso e Aldeia do Carvalho (hoje Vila do Carvalho), não esquecendo da própria cidade, e por aí fora.
Estas recompensas davam ânimo e um certo dinamismo às senhoras funcionárias da edilidade, encarregadas da emigração, enquanto Manuel Matias – o Sr. Matias – um dos “donos” da Câmara de então, que apenas com a escolaridade obrigatória era chefe da contabilidade, passava grande parte do tempo com os empreiteiros – de preferência o Bom Jesus – com a sua secretária de madeira, repleta de montões de facturas, ordens de pagamento, orçamentos, e um mar sem fim de papéis e mais papéis.
Pacheco Lança – o 3º. Oficial – que isto de se chegar ao poleiro não era como nos dias de hoje, preocupava-se com as actas das escrituras camarárias, e, aos domingos à tarde, “botava” notícia dos relatos do Sporting da Covilhã para os jornais de que era correspondente.
O Chefe da Secretaria, que também era o responsável pela censura, impunha respeito – o Sr. Laurentinho – e lá passava horas sem fim no seu gabinete, preparando os trabalhos para as sessões camarárias, e não só, que geralmente não eram públicas.
E outro dia chegava, nova agitação pelos corredores camarários, novo matraquear das máquinas de escrever para os serviços da emigração, mais cabazes, alcofas e sacos camuflados à porta da Câmara.
E um dia até, entusiasmado, o único funcionário encarregado da emigração, resolve também emigrar. E até o porteiro finta o Sr. Matias, a quem devia obediência, e dá o salto para França, com subtileza, prometendo ao “dono” da Câmara que regressaria... pois ia com passaporte turístico e, nessa altura, era necessária uma autorização especial para os funcionários públicos se deslocarem ao estrangeiro. Foi a risada posterior de quem já adivinhava esta cena, entre os quais o oficial de diligências, Américo Santos.
Fora das paredes do município, a emigração continuava, mesmo sem papéis legais, onde os “passadores” cumpriam a sua missão, muitas vezes a par dos contrabandistas.
E, alguma rapaziada, em vésperas de ingressar na tropa, dava também o ar da sua graça, e, fugindo à guerra, desertava, sendo hoje uns heróis.
Hoje é o reverso da medalha da migração.
(In “Notícias da Covilhã”, de 27/02/2004)