8 de outubro de 2004

FICÇÃO OU REALIDADE?

“Avô, isto é ficção, não é?”- eis a pergunta que o Gonçalo, de três anos, me coloca quando vê algumas cenas em programas de televisão, ao compreender que saem do campo da realidade.
Nestas últimas semanas temos assistido a uma agitação da sociedade portuguesa, muito pela culpabilidade dum governo que é ingovernável – um governo de ficção.
Vejamos a vergonha nacional, com a colocação dos professores agora prometida até 30 de Setembro. Há quase quarenta anos as aulas tinham, de facto, o seu início sempre em Outubro. Não podemos fazer comparação entre esses tempos de meia dúzia de universidades – só para alguns – e com o tecto do secundário que se ficava pelo antigo quinto ano, na sua generalidade; ou equivalente, através dos cursos comerciais ou industriais, de forte enriquecimento de conhecimentos para o ingresso no mundo do trabalho; e os tempos actuais.
Porquê a realidade deste descalabro duma dita reforma educativa?
Ao ouvir no programa na RTP 1, “Prós e Contras”, da jornalista de excelência, Fátima Campos Ferreira, a reportagem apresentada pelo jornalista António Esteves Martins, na Bélgica, onde um responsável pelo ensino deste país informou que a situação que se está a passar em Portugal seria inadmissível na Bélgica, onde tudo é tratado minuciosamente e no devido tempo, mais nos leva a pensar que, apesar das três décadas após a libertação da ditadura, ainda estamos muito longe da realidade para se deixar a cauda da cultura, dos que ensinam e dos que aprendem, no seio da Comunidade. Parece que vivemos num mundo de ficção, onde os méritos ficam longe da realidade!
Mesmo os que pouco se interessam pela causa cultural, os indiferentes, ou os ausentes das realidades actuais, já não deixam fazer o ninho atrás da orelha.
E muito menos os jovens, na vivência da sociedade portuguesa mais evoluída, agora que estamos muito mais inseridos da Europa.
Pensar em caminhar em regime de igualdade com todos os parceiros europeus, era uma autêntica ficção nos períodos salazarista e mesmo marcelista. Com o desaparecimento da guerra-fria, a integração na UE, a revolução informática, entre outros pontos de referência, foram tantas formas que nos forçaram a evoluir. Evolução forçada para muitos dos não jovens, pois que a oposição à mudança apenas seria um tiro a sair pela culatra.
Seria tão cómico, como hilariante foi a forma como um colega do meu tempo de estudante enfiou o barrete ao pai, homem de poucas letras, que, vendo um teste de francês em cima da mesa com uma anotação no canto superior direito, a encarnado, preocupado, pergunta ao filho: “Tens a folha toda riscada a vermelho, e aqui está um “P”, o que é isto? O espertalhão do filho (um dos que vinha todos os dias de comboio para a Escola Industrial), num rasgo de imaginação, diz-lhe: “Não vês, pai, que tive um porreiro”?! (quando o “P” era de péssimo...).
Os portugueses, hoje, estão esclarecidos, e sentem na carne os malefícios das incompetências.
Mas neste pequeno grande País em que se dá relevo às traquinices dum Zé Maria, do Big Brother, para gáudio de muitos, com mais uma “grande” notícia para a imprensa cor-de-rosa que adorna as bancas de jornais e tabacarias, por esse País fora; como a avidez de uma “grande” informação dum canal televisivo, ao anunciar que a tartaruga que estava a ser tratada no Algarve, já está a comer sozinha, parece que em vez de vivermos a realidade dum país evolutivo, existimos no retrocesso dum mundo de ficção.
Só com a consciencialização entre todos os que trabalham, numa doação entre trabalhadores e entidades patronais, todos obreiros da mesma causa, o nosso mundo poderá ser a realidade duma vida de bem-estar e não num mundo de ficção, este sempre com a realidade cada vez mais distante.
Também hão-de vir ministros das Finanças a falar das preocupações fiscais, com mais intenções, outras decisões e incompreensões, mas a classe média há-de continuar a suportar a maior fatia das crises, os pobres a ser cada vez mais pobres e os ricos a ver mais ousadas as suas engenharias financeiras.
A média dos salários da função pública é de 380 contos (disse o Ministro das Finanças na entrevista com Judite de Sousa, no passado dia 16 de Setembro, na RTP), salário que a média dos trabalhadores privados não aufere, bem como a forma de contagem e incidência das suas reformas.
A facilitação e o oportunismo são também causas da forma como se chegou a esta catastrófica situação financeira, onde os sinais exteriores de riqueza continuam a passar ao lado, independentemente de declararem unicamente o salário mínimo nacional.
Mas, como sói dizer-se, o exemplo vem do alto, e é do alto dos nossos governantes, candidatos a governantes ou ex-governantes, que muitas vezes vêm os maus exemplos. E...depois...as coisas acontecem, levando a uma situação paradoxal, com o Zé-povinho em vez de se encorajar a contribuir para a Nação, reforça a forma de pensar que “tirar ao Estado não é pecado”. Ficção ou realidade?

(In “Notícias da Covilhã”, de 8/10/2004)

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