Uma “couvada”, em Casegas, reuniu cerca de setenta convidados, no dia 16, onde César, e o filho, fortaleceram amizades num ambiente de tradição natalícia.
No lagar, junto ao rio, numa noite gélida, uma grande panela, repleta de couves, bacalhau e batatas, tudo bem regado com azeite, aquecia nossas almas, onde não faltou bom vinho, chouriça e outras coisas mais.
Aumentaram os amigos. Afinal, quem redige estas linhas, carvalhense por nascimento, poderia ter as suas origens em Casegas. Há quase seis décadas, ainda no ventre de minha mãe, deixei esta aldeia para ir nascer na Pousadinha.
O professor Octávio, e a mulher, Mariana; o padre Nicolau; o Zeca Craveiro e a mulher, professora Agostinha; ainda sugeriram aos meus progenitores para eu ali nascer. Viviam junto ao cruzeiro e o pai dava aulas na primária.
Não querendo ali ficar, lá foi a bagagem no dorso de uma égua; e a família num carro de bois, atravessando a ribeira, até ao Ourondo, onde pernoitaram em casa de familiares; depois foi tomar a camioneta para Aldeia do Carvalho.
Como eram as acessibilidades e os tempos de outrora!...para já não falar das dificuldades de outra natureza, como a escassez de recursos materiais e financeiros, no final da II Grande Guerra!
No entanto, nos dias de hoje, com muitas estradas rasgadas, mais facilidades de vida, com autênticas revoluções tecnológicas; o aparecimento da televisão, a evolução da rádio, o surgimento de meios auxiliares para o trabalho e vivência, como os aparelhos electrodomésticos, das máquinas de lavar ao micro-ondas; depois, da máquina de calcular à informática; do computador ao telemóvel; mesmo assim ainda persistem dificuldades.
As últimas gerações, pós 25 de Abril de 1974, não vieram encontrar a escassez de meios de viver, como antes; mas tão só um mundo de uma diversidade de ofertas, aliadas a forte publicidade, atraindo muitas mentes ao despesismo, e, daí, um passo para muitos endividamentos.
Mas, na esperança de melhores dias, no horizonte de um país melhor, nas expectativas de emparceiramos com os melhores da Europa, chegámos a ser o exemplo de como se faz uma revolução com flores, como sentimos que já não estávamos orgulhosamente sós. Respirámos por já não sermos os últimos.
Surge a integração na elite europeia, recebemos fundos comunitários e, logo aqui, há alguma desonestidade na sua utilização, numa ausência de rigor pelo controle dos serviços estatais, em vários quadrantes da sociedade portuguesa. Seguimos o caminho da tartaruga, enquanto há dinheiro da Comunidade. Outros países, companheiros do mesmo horizonte, levaram a sério as “ofertas” postas à disposição, evitaram alguns conflitos na governação, e, hoje, são um exemplo duma salutar economia.
O Leste vê o “seu” muro derrubado. Alguns países, mais frágeis, juntam-se ao nosso grupo comunitário. São caloiros! Contudo, sabem aproveitar a vitaminação; a nós falta-nos o ferro e somos ultrapassados até por alguns desses caloiros!...
Os vários governos vão deixando rastos de alguma inoperância e, alguns, de uma vergonhosa situação do quase país ingovernável.
O resultado é chegarmos a mais um Natal, e não termos conseguido acautelar o confrangedor número de empresas a encerrar; muitas delas inevitáveis face às conjunturas do mercado e aos efeitos da globalização, com os papões da China e da Indía, além dos já caloiros de Leste!
O formigueiro dos que ficaram sem trabalho avolumou-se; as universidades não conseguem colocar todos os licenciados; muitas famílias, outrora a viverem desafogadamente, entram no rol duma pobreza envergonhada; o país quase que sobrevive.
Neste Natal não vão faltar as certezas: o número de desempregados aumentou, em contraste com a zona euro, onde diminuiu; a quantidade de cidadãos a reformar-se, assustados, engrossou; há autarquias onde, desde o presidente aos vereadores, quase todos usufruíram das benesses do Estado providência, e são Câmaras de reformados com reformas de luxo! Muitos cidadãos vão encobrir as suas lágrimas, neste Natal, por vergonha, num desespero pela perda de empregos de quase toda a família; As instituições de solidariedade social vão ter mais trabalho.
E vai haver o desatino com as eleições presidenciais, com guerras civis entre partidos, na certeza, também, neste Natal, de que qualquer dos três potenciais candidatos que possa vir a ganhar, em nada vai alterar o estado da democracia, pois a ditadura já foi riscada dos dicionários.
E, nesta “apagada e vil tristeza” em que ousamos sobreviver, as certezas deste Natal também vão de algum contentamento pelas decisões últimas da UE com a atribuição dos fundos europeus a Portugal; e, pensamos, que as certezas existem da necessidade das reformas de fundo a empreender pelo actual governo, com sacrifícios globais, e não só de alguns. Temos que sair da cauda da Europa e do mundo, para que o desânimo se transforme na esperança da esperança.
(In “Notícias da Covilhã”, de 23/12/2005; e diário digital Kaminhos)
Sem comentários:
Enviar um comentário