2 de dezembro de 2005

O RANGEL DAS BICICLETAS

Por quase todo o Portugal encontramos figuras populares que dão vida às localidades onde se encontram inseridas. Por vezes, deixam a memorização de façanhas que vieram a proporcionar, evidência de que a popularidade gera simpatia numa salutar vivência.
Um dos meios por que surgiu uma das envolventes populares dá pelo nome de “bicicleta”. A sua génese está num veículo criado em 1790 pelo francês De Sivrac. O registo da “paternidade” da bicicleta, ou seja, da introdução do ciclismo em Portugal, atribui-se a Artur Seabra e Herbert Dagge, português, filho de estrangeiros, entre 1878 e 1895. Mas é em 1894 que surge o primeiro herói português em velocipedia – o figueirense José Bento Pessoa – a ganhar uma medalha de ouro, fazendo deste jovem a primeira grande figura do ciclismo português. A partir daqui, e depois com o início da Volta a Portugal, em 1927, emergiram uma série de craques, alguns com a sua categoria na internacionalização; e, outros, representando equipas estrangeiras de grande gabarito, sobressaindo nomes sobejamente conhecidos da grande maioria dos portugueses.
Em 14 de Dezembro de 1899 foi criada a União Velocipédica Portuguesa, presidindo à Comissão Instaladora o segundo Conde de Caria, pois, até essa data, o ciclismo português estava sujeito às regras da Real União Velocipédica Espanhola; mas só em 1 de Julho de 1901, por despacho da Secretaria do Estado dos Negócios do Reino, a União Velocipédica Portuguesa é legalmente constituída, até que em 1944 é transformada na Federação Portuguesa de Ciclismo.
É assim que, entre o ciclismo e o futebol, que também ainda era adolescente em Portugal, surgem opções da sua prática e entusiasmo, ou mesmo no entrelaçar de ambas as modalidades.
Vem a propósito, esta nota preambular, para uma eventual justificação pelo entusiasmo da popularidade por que emergiram estas modalidades do desporto, às quais a Covilhã e a nossa região não foram alheias.
Ainda há pouco mais de uma década, um jovem covilhanense, natural da Pousadinha, dava cartas na Covilhã, pelo seu grande entusiasmo pela bicicleta, ganhando corridas na região, e envolvendo-se em grandes passeios de bicicleta; quais desafios, como o percorrer distâncias em cima do velocípede, da Covilhã para Itália, e da Itália para a Covilhã. Uma vez foi ovacionado, ao chegar ao Pelourinho, onde o aguardavam alguns jornalistas, entre os quais do “Correio da Manhã” .
O João Rato licenciou-se na UBI, e arranjou trabalho na Itália, onde conheceu a Cristina Mazza, bonita e simpática italiana, com quem casou. Sempre que vem a Portugal não deixa de me visitar, como recentemente aconteceu.
Entretanto, uma outra figura popular covilhanense, simples quanto amável, modesta quanto simpática, também natural da Vila do Carvalho – Fernando Costa Carvalho –, mais conhecido por Fernando Rangel, há uns anos atrás era o rei da bicicleta, na cidade, e na região, com uma força entusiasmante entre as duas rodas e um pedal, e o futebol da sua terra, que a ambos acarinhou. Desde os 5 anos que se agarrou a uma bicicleta. Era então tecelão numa das fábricas da cidade, e, ao mesmo tempo, mecânico de bicicletas na oficina de seu pai, João Rangel, em Aldeia do Carvalho.
Vivia-se também a emoção do futebol, onde singravam alguns clubes de nomeada na Covilhã, além dos Leões da Serra. Um deles, que aglutinou uma boa mão cheia de adeptos, originário do meio fabril, optou por representar as cores do Belenenses e, nele se filiou, com a designação de Clube de Foot-Ball “Os Covilhanenses”. Aí jogava João Rangel, pai do Fernando. Entretanto, era o filho que dava cartas na região, ganhando corridas, chegando a Campeão da Beira Baixa. Corria sempre individualmente.
Fernando Rangel era aventureiro e não olhava aos perigos. Chegava a andar de bicicleta em cima das grades das pontes de S. Domingos e de Mártir-In-Colo.
Mas uma das muitas curiosidades de Rangel resida no facto de se montar na sua bicicleta, às seis da manhã, a caminho do Campo das Falésias, em Lisboa, sempre que o Sporting da Covilhã (então na I Divisão), ia jogar com o Belenenses. Após o jogo, regressava à Covilhã, novamente na sua bicicleta, até anoitecer, altura em que apanhava o comboio. Eram onze horas a pedalar.
Muitos se recordam de ir dar uma voltinha de bicicleta, alugando uma ao Rangel, no Campo das Festas.
Pois, ainda hoje, com 74 anos, Fernando Rangel dá umas voltinhas, durante duas horas, aos domingos, na sua bicicleta.
Pessoas simples, talentosas, que, entretanto, vivem no anonimato, e se orgulham de ser covilhanenses.

(In “Notícias da Covilhã”, de 02/12/2005”)

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