8 de novembro de 2006

DA PROMISCUIDADE À CORRUPÇÃO

O estado a que Portugal chegou fruto, mormente, da incapacidade dos últimos governos, que desbarataram oportunidades, depois de terem sido eliminadas duas ditaduras (uma antes, outra no pós 25 de Abril), é confrangedor, algo mesmo revoltante.
Não obstante o direito à indignação, vimo-nos rodeados de muitos incompetentes, oportunistas, de fictícias caridades; aproveitando-se duma justiça fragilizada e displicente; homens ridentes dum escárnio por quem não se soube, ou não se pôde “safar”; homens e mulheres que reivindicam direitos (e por vezes omitem os deveres) exclusivamente para si mas se esquecem que em Portugal há muitos mais portugueses e portuguesas; assim vai, ou tentava ir, este País – que procura agora saber quem foi o melhor português de todos os tempos.
Quem passa as fronteiras verifica a diferença que existe na rigorosidade dos actos dos seus cidadãos, em relação aos portugueses.
Os que detêm a melhor “profissão” da actualidade – a política – podiam, e deviam, servir o País de todos nós, e não a sua “vida” partidária, deixando de excluir os competentes que não são da sua laia, em vez de darem um ninho aos desentendidos que pegam na caldeirinha quando na Páscoa das campanhas eleitorais ainda escovam o fato do candidato convertido em ganhador.
Não se compreende como se desejou dar guarida à continuidade de governos ineficazes, medricas, chegando ao ridículo de termos tido um governo circense; e o seu antecessor, quando se ria do precedente de dar ás de vila-diogo, o mesmo, subtilmente, vaidoso, seguiu os seus passos, depois de ter cuspido para o ar.
Valha-nos a maioria absoluta para as reformas de fundo que era necessário serem feitas, por mais que custem os berros de quem se sente bem nos sofás, porque ainda há muita gente de pé, porque não tem sequer umas tábuas para se sentar.
O trabalho que agora está a ser feito, já deveria ter sido iniciado há uma ou duas décadas atrás, para agora desfrutarmos de algum alento como alguns dos nossos parceiros da UE dele já beneficiam, qual bálsamo ou lenitivo do tempo de sacrifícios por que passaram.
Conforme diz Vasco Pulido Valente, “não existe um partido, um ministro, um autarca que se possa considerar inocente do que se passa hoje. O défice e a dívida são um sintoma, não uma causa. O regime fabricou um Estado inviável, com o dinheiro que não tinha, ou esperança de vir a ter, para cumprir promessas que sabia de ciência certa pura fantasia ou puro cinismo”.
As contestações ao governo eram esperadas; mas Sócrates tem sabido superá-las. Valha-lhe a sua rija têmpera e a de alguns dos seus ministros. Conforme refere Eduardo Prado Coelho, “o país respirou de satisfação quando viu que José Sócrates tomou uma atitude exemplar em relação à Madeira. Teve a coragem – que nenhum Governo até hoje tinha tido – de dizer que era preciso tratar a Madeira segundo a lei e que era preciso dizer a Alberto João Jardim que as coisas iam mudar radicalmente. Porque Jardim estava convencido que podia fazer o que queria e que, depois de explorar descaradamente a metrópole, podia dar-se ao luxo de dizer que os governantes actuais eram “loucos” e que deviam ser demitidos (quando foram eleitos democraticamente e continuam à frente de todas as sondagens). Ao vê-lo, sentimos uma repulsa por esta personagem não apenas demagógica mas rasteira e medíocre”. Eu mesmo diria, que Sócrates tomou a atitude que devia, como Mouzinho de Albuquerque com Gungunhana.
Mas, afinal, no combate à corrupção, tão falada e aproveitada para o discurso de Cavaco Silva do dia 5 de Outubro, onde está o desfecho dos casos tão badalados, duma enorme morosidade, em silêncios ensurdecedores?
Muito haveria para se falar, por todos os cantos do nosso País, e na nossa própria cidade.
Corrupção é também a forma como muitas vezes se exerce a lei do mecenato; corrupção poderá ser a subtileza como um presidente de direcção duma instituição absorve para si negócios que não foram a concurso, com a anuência do restante elenco directivo; eventual “candidato” à corrupção poderá ser, por exemplo, um engenheiro camarário, ou outro qualquer funcionário público, com um escritório aberto a uma actividade comercial em seu nome, o que outrora era altamente proibitiva, e que agora é “abusivamente” de uma autêntica anuência.
Outrora, eram os guarda-rios a conceder benesse na extracção de areias, por favores que lhes faziam os interessados; como os técnicos ou fiscais da Segurança Social a avisarem previamente os “doentes” com baixa, que no dia tal iam ser por ele visitados; como a GNR a perdoar flagrantes infracções e a alvitrarem como deviam dar a volta às Seguradoras.
Muito haveria que falar dos mil rostos da corrupção, mas, conforme diz Jorge Coelho, “a luta contra a corrupção exige mais discrição e mais resultados. Em Portugal há muito espectáculo e depois nada de concreto acontece.”

(In "Noticias da Covilhã", de 08/11/2006)

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