Eva, na génese, não resistiu à tentação da serpente. Ao longo da história da humanidade a mulher tem tido um papel de relevo na sociedade. A samaritana ou a Maria Madalena, de pendor bíblico. A sedutora Cleópatra, da história da antiguidade. As rainhas e princesas até aquelas que arrastaram atrás de si um mundo inteiro na sua acção, de grande amplitude, na solidariedade e na ajuda aos empobrecidos de muitos males. Cresceu muito no século XX, envolvendo-se fortemente na vida política, e venceu a condenação de fada do lar. Mas se continua a ser companheira fiel do homem, também é uma resistente, tenaz pela independência, na sociedade em que cada vez mais se envolve.
Mas a mulher muitas vezes também é maltratada na própria literatura moderna, sendo os horizontes direccionados na via única do sexo, pese embora tenha havido uma primeira mulher que foi geradora da profissão mais velha do mundo. Vemos a mulher no trabalho, na afabilidade familiar, na sua veia cultural, na dinâmica para a igualdade entre o género, e numa exemplaridade de casos, dignos de realce, nos pequenos nadas do quotidiano.
Como noutros lugares, que hoje já são mais ou menos cosmopolitas, também na Covilhã, a mulher caminha incansavelmente porque sabe que um dia pode ter que deixar de caminhar. Sorri com tudo e ri por nada. Tem uma luz própria que nada nem ninguém conseguem apagar.
Maria da Nazaré vende fruta – “Olha a bela da banana!” – na praça da Covilhã, há 62 anos, duma vida de 83; Rosa Borrega, de Aranhas (Penamacor) aos 87 ainda cuida da quinta e conduz o motocultivador.
A sogra do covilhanense de coração mas nado no norte – Fernando Pedrosa Gonçalves – deixou há pouco tempo o mundo dos vivos, lá para as bandas de Gondomar, aos 97 anos – “Era uma mulher extraordinária, pois deu à luz 15 filhos e criou 13, ainda vivos. De inteligência e viva perspicácia, manteve a lucidez até ao fim. Era uma senhora. Tinha sempre uma palavra amiga e um cházinho com biscoitos para o teu amigo. Nunca a considerei sogra mas sim mãe” – tendo sido uma mulher exemplar. Na vertente cultural, pensando na sua Covilhã, mas radicada alfacinha, Maria Ivone Vairinho vai presidindo à Associação Portuguesa de Poetas e a ter o reconhecimento dos lisboetas.
Nos espectáculos etnográficos do Rancho Folclórico da Boidobra, um punhado de mulheres, moças e crianças dão uma lição da memória viva dos tempos de outrora, em “Quadras, Danças e Outras Andanças”, numa sua recriação.
Ana Catarina Pereira, no seu livro editado o ano passado, informa-nos que nos últimos dez anos mais de 5.000 operários têxteis da Cova da Beira caíram no desemprego; e Adélia Mineiro, do Tortosendo, fala-nos, no seu livro, d“O Feminino nos Livros Únicos do Estado Novo”.
Da emigração aí temos a covilhanense, de Vales do Rio – Alda Pereira Lemaitre – a ganhar a Câmara de Noisy-le-Sec, perto de Paris, e Patrícia Nunes, do Barco, eleita na lista de esquerda para o Conselho Municipal, em Dax.
E se, no atrás referido, outrora 15 filhos eram um tormento mas mantinha-se a alegria de viver, hoje o tema natalidade emana numa preocupação, e filhos precisam-se, com Portugal a ser o sétimo país mais envelhecido do mundo.
De grandes mulheres que foram esposas de nossos conterrâneos, como o médico e activista republicano, Januário Barreto, de Aldeia do Souto, onde tem um busto, conta-se o nome da médica Carolina Beatriz Ângelo, natural da Guarda, que foi a primeira eleitora portuguesa, e que está associada à fundação das primeiras organizações de mulheres que, em Portugal, lutaram pelos seus direitos civis e políticos. Foi a única a exercer o direito de voto durante a I República, numa persistente batalha jurídica. Fundou a Associação de Propaganda Feminista, aproveitando-se do “lapso” de a lei não referir o género e, na sua condição de viúva do nosso conterrâneo, com filhos a seu cargo, e como médica, foi às urnas exercer o seu direito, em 1911. Um ano depois, a lei foi revista para “cidadãos do sexo masculino” e as mulheres em Portugal só puderam votar e ir às urnas depois do 25 de Abril.
No antes e depois deste evento, de grande importância para a vida democrática do país, muitas mulheres covilhanenses se evidenciarem, em vários domínios – bastantes no anonimato, como autênticas heroínas – sendo conhecidos nomes como Conceição Antunes, Ilda Catalão Espiga, Eduarda Serra, Maria José Alçada, Judite Fitas, Maria Ascensão Simões, Maria Alice Mangana Monteiro, Celeste Panarra, ou as jornalistas Daniela Santiago e Andreia Neves, dentre muitas outras.
Não podemos deixar de recordar a colaboração de excelência da mulher covilhanense no III Congresso da Liga dos Bombeiros Portugueses, realizado na Covilhã, em Julho de 1932. Numa das paredes exteriores do Quartel-Sede, podemos ver na réplica da 1.ª placa colocada pela LBP o seguinte: “Homenagem de reconhecimento à mulher da Covilhã”
Muito haveria a dizer da mulher, ao longo da sua existência, mas tal não cabe neste espaço. Como também da mulher portuguesa. E do seu contexto no mundo – o seu trabalho no âmbito do humanismo, da política, do meio artístico, da religiosidade; e o crime na mulher africana, com as mutilações genitais, e
a vida degradante a que é obrigada a mulher muçulmana, no âmbito da Sharia.
(In Noticias da Covilhã e Kaminhos de 10/04/2008)
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