É tal o fluxo de informação,
proveniente dum acumular de centenas de jornais e revistas, algumas já
extintas, como a “Flama”; milhares de “recortes” que fazem as delícias das
minhas memórias, para além das que ainda se retêm em mim; que me leva a alguma
dificuldade no tema de opção para uma crónica, ou um pequeno escrito.
Se a notícia em papel deixar de
existir, face à cada vez maior ameaça on line, já não poderei sentir o
cheiro da tinta do jornal, nem o apalpar das suas páginas, bem como a simpatia
de quem diariamente me entrega o mesmo, quer seja a Luísa ou o Sr. Neves, quer,
aos sábados e domingos, no “Repolho”, aquele maravilhoso pessoal, onde, por
vezes, em tempo de forte temporal, até um habitual cliente me socorre a
evitar-me duma molhadela intempestiva. Sou entretanto um otimista – o
jornal-papel jamais acabará!
Mas se o tema que dou ao texto se
intitula de vizinhança de outros tempos, percorro um caminho desde a infância,
iniciada lá para a zona altaneira da Pousadinha, da então freguesia de Aldeia
do Carvalho, hoje Vila, tendo em conta não todos, mas os vizinhos mais
marcantes.
Foi no início dos anos cinquenta
do século passado que, naquele local, o vizinho Mário, filho do João Borralho,
um jovem que ainda não tinha ido “às sortes”, o víamos passar no regresso do
seu emprego, de lancheira na mão, e, sorridentemente, nos cumprimentava. Certo
dia nos contentou com uma caixa grande de fósforos, cheia de grilos. Tinha sido
um atrevido pedido meu e de um irmão. Mas, pouco tempo depois, um destino fatal
lhe roubaria a vida de jovem feliz, devido a uma queda, num lajeado perto da
porta, quando, de noite, transportava às costas um feixe de lenha. Sem
iluminação elétrica naqueles tempos, só se ouviam gritos. À luz de archotes,
naquela noite cerrada, um formigueiro de gente, daquela zona, quase em
socalcos, se dirigia para o local do acidente. Outros tempos! Havia depois os
vizinhos Mário Eufrásio, e as suas filhas: Lucinda, Maria José e Maria dos
Anjos.
Na Covilhã, onde passei a morar,
a partir dos seis anos, é em duas ruas que conheci outros vizinhos. No Beco das
Lajes, a Santa Maria, onde estive pouco mais de cinco meses, foram a D. Ritinha
e a família Melchior, principalmente as filhas do casal: Adelaide, Antonieta,
Otília e Estrela, sendo certo que as três últimas ainda hoje mantêm memórias
desses tempos de antigos vizinhos, não obstante a distância do tempo. É obra!
Mas foi na Rua Vasco da Gama,
junto à Escola Industrial, onde passei o tempo de saudade de uma outra boa
vizinhança. Para além do casal Matos (Sr. Manuel e D. Isaura), já falecidos, e
o filho Alberto Matos e mulher Aninha, foi na pessoa da D. Patrocínia Velozo, e
seu sobrinho João Madeira, este que foi antigo Presidente da Junta de Freguesia
de Santa Maria (ambos já falecidos), que sobressaíram na amizade entre pessoas
que viveram perto uns dos outros e, algumas vezes, comungando das mesmas
alegrias e tristezas. Aqui vivi durante o período de estudos até ao serviço
militar e conheci os primeiros amigos para brincar e jogar com a bola de
farrapos, no meio da rua, só parando quando passava a polícia. Outros tempos… O
Quim Rainha, o Zé Fazenda, o Olívio, o Carlos, o João e o Zé Carrega. Éramos
seis irmãos (três rapazes e três raparigas). Das moças vizinhas, as que agora
vêm à memória eram a Carminha Cunha, a Hermínia e a Maria
José Duarte.
A minha saudosa vizinha, D.
Patrocínia Velozo, suportava a barulheira que os seis irmãos, no andar
superior, ainda crianças, lhe ocasionavam. Lá nos levava várias revistas que o
sobrinho lia – “O Século Ilustrado”, já que o jornal “A Bola” tinha ainda o
formato grande. Mais tarde, andava eu no Ciclo Preparatório, era quem escrevia
as cartas da D. Patrocínia, dirigidas para a sua irmã que vivia no Estoril e
cujo marido trabalhava no casino. Quando lá ia passar férias, trazia-nos bolas
de ténis, com que eu me deliciava a jogar nos intervalos das aulas da Escola
Industrial, com os colegas, no campo triangular e areado, à altura. Quando
chegava a casa com as solas dos sapatos gastas, era uma arrelia em minha casa.
No prédio em frente, mais abaixo,
onde depois passou a residir a D. Patrocínia, imóvel de sua propriedade, morava
o casal Ranito (João Ranito e D. Gabriela), sendo que o filho António Ranito
foi meu colega na Escola Industrial. Todos já faleceram mas a D. Gabriela
Ranito, também antiga vizinha amiga, viria a deixar o mundo dos vivos já com
idade avançada, e, quis o destino, na mesma semana em que tal ocorreu também a
minha Mãe. No dia em que D. Gabriela faleceu, estava na Igreja do Rodrigo a
perguntar por mim, a minha Mulher, para me apresentar as sentidas condolências,
quando, num ápice, caiu para o lado e partiu para o outro destino da vida.
(In "Notícias da Covilhã", de 13.02.2013)
1 comentário:
Gostei de ler o seu blogue.Parabens.JORGE FERREIRA CORREIA.
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