Neste Portugal de hoje, a caminho
de quatro décadas da Revolução dos Cravos, vai o povo português ficando cada
vez mais desiludido, não só com a condução deformada dos ideais por que surgiu
este grande acontecimento, mas também porque já lhe falta aquela segurança e
coragem proveniente da convicção no próprio valor, aquela fé que se deposita em
alguém e numa firme esperança, que, segundo os dicionários, se designa por
confiança.
Embora esta época estival seja
propícia a notícias sem grande interesse, duma certa frivolidade em relação a
outras épocas do ano, foram no entanto os incêndios o grande tema do
quotidiano. Esperemos que a silly season venha dar lugar ao rebentamento das
correntes que amarram os ânimos de todos nós, onde os valores da vida são cada
vez mais escassos.
Se atentarmos ao que se tem
passado neste último governo (tenhamos em conta que os anteriores governantes
também não resolveram os problemas dos demais portugueses, mas antes, trataram
das suas vidinhas), os intervenientes na governação conseguiram mentir, de per
si ou com outros, descaradamente, e a falta de palavra tem sido de grande
tónica nas suas ações. Se o partido ou partidos que formam o Governo estivesse
somente limitado ao cumprimento do seu programa de Governo e, no seu
incumprimento fosse deposto, talvez a situação atual fosse outra. Se os meios
de comunicação preenchessem os seus espaços com informações mais aprofundadas e
fidedignas, e mais independentes dos grandes grupos financeiros, o seu
contributo para a tal confiança raiava de outra forma. Nenhum indivíduo poderá
representar bem todos os outros, pelo que o individualismo que ainda grassa na
nossa sociedade terá que forçosamente passar pelo trabalho em equipa.
Se houvesse uma verdadeira
justiça logo seriam devidamente punidos, todos quantos, independentemente da
sua condição, de governantes ou não, roubassem ou defraudassem o Estado. Só
assim se poderia englobar o princípio básico que abrange direitos, respeito,
legalidade e igualdade.
Com tudo o que se está a passar,
de bradar aos céus, haveria que, conscientemente, distinguir o essencial do
acessório, com o olhar para a frente e não para a esquerda ou para a direita.
E que me perdoem os senhores do
poder, dos destinos de Portugal, ou das autarquias, deveria haver uma classe
política mais culta, informada e humanizada. Com mais amor a Portugal e menos à
sua autopromoção. E, acima de tudo, acabar com o monopólio dos profissionais da
política. Quando não nos revemos nos órgãos de soberania, nas empresas e nas
comunidades, em que as decisões vão ter ao compadrio e ao aleatório, perde-se a
noção do valor da vida e também a esperança.
Sabemos que os oportunistas, uma
vez no poder, tudo fazem para que o esclarecimento das maiorias votantes não
ocorra. É que, no tempo presente, a democracia foi tomada de assalto, por meio
de mentiras e falsas promessas, por um bando de medíocres mas obstinados
serventes dos senhores do poder.
A desolação é tanta que hoje,
muitos não sabem se Portugal é uma democracia ou um caso de loucura, tal é o
alheamento e a importância dos cidadãos face à balbúrdia dos pequenos e grandes
poderes.
Deveriam os responsáveis por este
pobre Portugal controlar o enriquecimento excessivo de governantes e
ex-governantes e deixar cair na falência os bancos fraudulentos, e investir na
agricultura em vez de campos de golf vazios.
Segundo o que refere a escritora
Lígia Jorge, “aquilo de que enferma a Democracia Portuguesa provém da
imperfeição das suas instituições ou da debilidade dos seus intérpretes”, e
acrescenta que “o coração do futuro do mundo, tem de encontrar entre nós
intérpretes à altura. Nesse campo, e no estado da selvajaria em que nos
encontramos, semelhante combate vai precisar não só de heróis mas de leis”.
Se houvesse menos preocupação pela
conquista, exercício e manutenção de poder mas mais com a resolução de
problemas urgentes, menos programas mas mais planos estratégicos, menos mandar
mas mais consultar, mais métodos , menos “fazer obra”, menos leis, menos
monopólios do poder e mais pluralismo, mais responsabilidade e menos culto do
sucesso, mais reorganização o otimização, menos jobs for the boys, mais competência e mérito, menos corrupção e
mais ética, este Portugal seria uma verdadeira democracia.
O modo como os cargos públicos
são ocupados por gente com todo o tipo de compromisso nas mais variadas
empresas privadas é indecoroso. Deveria haver o levantamento do sigilo bancário
para todos os responsáveis políticos (de presidentes de juntas de freguesia,
Câmaras, governantes e presidentes da República).
E, porque não podemos abusar
deste espaço, ficamos por aqui.
(In "Notícias da Covilhã", de 11.09.2013)
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