Tema de conversa de há umas semanas a esta parte, com
páginas inteiras de jornais no enfoque do assunto; os noticiários dos canais
televisivos dando ênfase ao mesmo, os online repletos de comentários nos
facebooks. Debates interessantes na TV, sim, senhor, destacando-se o programa
Prós e Contras, no Teatro Gil Vicente, em Coimbra; reportagens, documentários,
entre notícias e artigos de opinião em vários jornais.
O tema das praxes até terá dado algum jeitinho aos homens da
governação pois que, pelo menos durante alguns minutos não se falou dos males
da mesma, mas, antes, se substituiu a crise financeira pela crise de valores.
Apesar da evidência do calor do momento, não tenho memória
de tantas críticas ao fenómeno da praxe. A quase intocável tradição académica
começou a ser posta em causa.
Só agora, depois das mortes no Meco, e mesmo depois de
outras mortes e incapacidades permanentes para os praxados terem acontecido, ao
longo dos anos, em memórias dissipadas no tempo para a maioria, mas não para as
famílias das vítimas, é que se levanta o véu manchado pelas humilhações.
Por que raio alguém tem de ser humilhado, rebaixado e até
mal tratado quando ingressa no Ensino Superior?
Não é através de rituais humilhantes que o aluno é integrado
no seio escolar. Nem todos gostam ou apreciam ser expostos perante o público.
E não venham cá com a treta de que só é praxado quem quer, e
que os caloiros se podem recusar. Será que a recusa permite aos caloiros usarem
o traje e a participação nos eventos académicos?
É uma prática antidemocrática pois assenta na submissão,
ainda que voluntária, de uns tantos, a dois ou três palermas que impõem
situações infantis e ridículas. Muitos dos que impõem as praxes se se vissem ao
espelho veriam o papel ridículo que fazem quando se põem a gritar
histericamente para os caloiros.
Critica-se a praxe por os
praxados terem necessidade de entrar neste jogo de bullying e bebedeiras para
se sentirem incluídos e aceites.
Já muito se falou sobre este tema e muito do que se venha a
dizer é como chover no molhado, pois que praxe, polémica e violência é uma
história de séculos. Em 1727, devido à morte de um aluno no ano anterior, D.
João V proibiu as investidas feitas pelos veteranos. E determinou que “a
qualquer estudante que ofender outro com o pretexto de novato, ainda que
levemente, lhe sejam riscados os cursos”.
As contestações às praxes jamais deixaram de existir e já o
antigo Presidente da República, Teófilo Braga, dizia que os estudantes do seu
tempo faltavam às aulas para fugir à praxe. Em 1903, Eça de Queirós e Ramalho
Ortigão assinaram, em conjunto com outros estudantes, um “manifesto anti
praxe”.
Já num artigo que publiquei num semanário desta região, em
3.11.2011, sob o título “Praxes Académicas” eu dizia “Se muitos dos pais que,
com sacrifício, lá longe, suportam as despesas com os seus filhos, vissem o
espetáculo em que os mesmos se envolvem, muitos deles contrariados, num
uníssono de asneiras e atitudes obscenas, com bebedeiras pelo meio, a que são
forçados, certamente se sentiriam constrangidos”.
De facto, segundo o jornalista José Manuel Fernandes, no
Público de 31 de janeiro, “Vivemos numa sociedade onde a boa educação é vista
como um coisa antiquada, onde a ideia de cavalheirismo é vilipendiada como
sendo reacionária, onde o insulto grotesco é mais depressa visto como um
exercício de liberdade do que como um abuso”.
Se os governos cumprissem com o legislado e punissem os
infratores, muitas situações catastróficas e de vias judiciais se evitariam. Bastaria
que o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, através da Lei n.º
62/2007, de 10 de setembro, na sua alínea b) do n.º 4 do artigo 75º, em que se
refere que “constitui infração disciplinar dos estudantes a prática de atos de
violência ou coação física ou psicológica sobre outros estudantes,
designadamente no qudro das praxes académicas”, fosse cumprido e se agisse.
Sem dúvida que quem praxa com violência não deverá ter lugar
na universidade, seja ela pública ou privada.
E, sobre este assunto, apraz-me tão só memorizar o que
António Aleixo escreveu um dia: “Há tanto burro a mandar em gente de
inteligência que às vezes fico a pensar se a burrice não será uma ciência”.
(In "fórum Covilhã", de 11.02.2014)
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