Eram uma vez certos estudantes que tinham coisas de tramar.
À Escola Industrial chegam os rapazes da cidade e os do combóio. Estes vêm do
Tortosendo, de Alcaria, da Fatela, de Vale de Prazeres e do Fundão, pela zona
sul; e do Colmeal da Torre, de Belmonte e de Caria, pela zona norte. Os do
combóio geralmente almoçam na cantina da Escola. Aqui manda Augusto “Chocolate”
e sua mulher, D. Rosa. Entram pelo portão sul.
Os da cidade, Refúgio e outros subúrbios, aglomeram-se ao
portão da escola, a norte, junto ao Sr. Joaquim “das carroças” – o ferrador.
Aguarda-se pelo toque da campainha. Ensejo para ver as meninas, colegas que
descem o Serrado para a Rua Vasco da Gama. E também as professoras. Ou no átrio
da escola, junto ao muro que dá para o terraço inferior destinado, em
exclusivo, às alunas. Nada de misturas! São tempos da era de sessenta… Fuma-se
um cigarro, por vezes adquirido em avulso, na barbearia do Mário, na rua mais
acima, enquanto se conversa.
Alguns empregados da escola – os “contínuos” – são castiços.
Só chateiam quando a bola salta para os chorões, e lá vão, “por ordem do senhor diretor “, tentar identificar os alunos que
jogam. Serão chamados à pedra. Alguma risada com o contínuo “Zé das Latas”, do
Tortosendo, com a sua moto velha. Mas também com o Silva, bem devoto do tinto.
E, aquele, magrinho, que a mando do diretor da Escola se dirige ao campo onde
se joga com uma bola de borracha, em tempo de aulas. Regressa com a notícia
para o chefe: “Fugirem todos, senhor
engenheiro!”.
A maioridade é aos vinte e um anos. Na secretaria da escola
fazem barulho as máquinas de escrever Hermes, Underwood e Remington. Os
computadores ainda não nasceram.
Corre o ano letivo 1961/62. Uma turma masculina, com vários
repetentes. É altura do Carnaval e surge um feriado a uma aula (é sempre uma
festa). Alguns vão comprar bombinhas. Um colega mais atrevido, o Coelho, lança
uma para junto dos pés duma leiteira das Cortes, junto ao estabelecimento do
Sr. Proença, ainda existente, ao fundo do Ramal da Estação. Dá um valente salto
que quase deixa cair o cântaro do leite que transporta à cabeça. Daqui, vamos
ao Café Primor, do Sr. Cunha. Combina-se uma greve à aula seguinte. No que nos
fomos meter! Grande arrelia do diretor, Engº. Ernesto de Melo e Castro, a
gritar para os contínuos: “ Os alunos a
faltarem todos às aulas é uma greve! É muito grave! A greve é proibida!” Dá
imediatas recomendações à professora de Física, D. Clara, para que assine o
“livro de ponto” e registe os sumários como se tivesse havido aulas.
O professor Guedes da Costa, do Porto, gingão, dá “Noções de
Comércio de Direito Comercial e Economia Politica”. Quando vê um maço de tabaco
andar de mãos em mãos, o resultado é o seu dono ficar sem ele. Alguns se
lembram de lhe pregar uma partida na próxima aula. Combinam dar nas vistas ao
professor com a passagem, de uma mão para a de outro, de um maço de tabaco. Ele
está bem fechadinho. Parece inviolado.
“Esse maço de tabaco para aqui, imediatamente!” – exige o professor. E o
Nuno Alegria Ribeiro obedece. De soslaio, sorrisos de uns para os outros.
Aquele maço está cheio de palha…
Ano letivo de 1959/60 – 2.º ano do Ciclo Preparatório. O
Arquiteto Manuel João Calais dá aula de desenho. Duas horas seguidas, naquele
salão enorme. Aqui se juntam simultaneamente quatro ou cinco turmas, masculinas
e femininas. Início às 14 horas, a seguir ao almoço, dá o sono ao arquiteto.
Sob a secretária deixa o seu peculiar relógio de bolso. Em certa aula, o pobre
professor é apanhado a dormir. Três dos seus alunos (um da Covilhã, e dois do
combóio) sorrateiramente adiantam-lhe uma hora no relógio. O arquiteto acorda e
vê a hora. Pensa que a aula está no final. Coincide com um intervalo. Dá ordem
de saída aos alunos Quem não se apercebe da malandrice dos colegas, embora
estranhando a saída mais cedo, não a refuta. A professora de desenho, ao lado,
D. Etelvina, estranha e pergunta ao arquiteto porque é que tinha mandado
embora, os alunos, mais cedo. É descoberta a esperteza dos três alunos, por
alguém que deu com a língua nos dentes. Resultado: os três “malfeitores”… foram
chumbados, ainda precocemente, com a “jura” do arquiteto. E a nota de um “três”
a uma só disciplina que seja obriga à perda global do ano letivo. Nem o pedido
de desculpa dos pais, ao arquiteto, lhes vale.
As meninas da Escola Industrial, a um sábado, têm um jogo de
voleibol com as suas colegas do Colégio das Freiras, no campo da escola. A
rapaziada da Escola vai lá abaixo ver o jogo. O diretor, Engº. Ernesto de Melo
e Castro, constata esta assistência ao jogo e não quer misturas! Alto lá! Desce
e vai ao campo, histérico. Dirige-se à rapaziada: “Rua! Rua! Só cá fica quem cá está!”
Não sei se nos tempos de hoje se passaria tudo assim…
(In "Notícias da Covilhã", de 06.03.2014)
1 comentário:
Muito interessante a sua historia que,tambem foi a de muitos de nós!Parabens e um abraço.
Enviar um comentário