8 de julho de 2014

A PROSTITUTA, O CORRUPTO E O PIB

Nunca se falou tanto em prostituição e corrupção como nos últimos anos deste século XXI.
A primeira diz-se ser a profissão mais velha do mundo, pois já existia antes de Cristo. E até terá dado origem à primeira publicidade do planeta. Recordo-me, numa viagem pela Turquia, nos anos 90, algures que já não memorizo, de ver uns sinais alusivos ao sexo, gravados no chão sob granito, que ali permaneciam preservados há séculos, indiciando que, ali perto, existia uma casa de prostituição. Daí, a primeira publicidade que terá sido conhecida.
Mas, o homem corrupto emerge às mãos cheias, quando menos se espera, e, muitas vezes, donde menos se contava vir. Ele tanto é o bem-falante, o de falinhas mansas, o altivo, como o cara de santinho. Neste país de chicos espertos como de otários, não há como andar sempre desconfiado, desconfiado, sim, porque já não há palavra (salvo honrosas exceções) que faça lei, como se procedia religiosamente noutros tempos.
Os jornais estão cheios de casos, que já não causam estrondo, e que, no âmbito da corrupção, levam uma infinidade de tempo para se solucionarem pela fragilizada via judicial, um dos grandes problemas que Portugal enfrenta. E é vê-los sob fiança, pulseira eletrónica ou prisão domiciliária quando deviam estar devidamente presos.
Não é preciso se dissiparem por lugares sertanejos, em pouco conhecidas vilas ou aldeias, ou por pacatas cidades deste país, porque eles surgem perto de nós, nos ecrãs televisivos ou páginas de jornais (sem ser necessário no “Correio da Manhã”), numa foleirice institucionalizada, alguns dos quais num ardente desejo de serem chamados por doutores, engenheiros, poetas ou escritores.
E entre a que vende o seu corpinho e o que sonega e “endossa”, com ardil, para as suas algibeiras, o que é do erário público, assim vai Portugal vivendo. Este Portugal que acata sem discussão o que a União Europeia decreta, passando as estatísticas nacionais a acrescentar ao valor do Produto Interno Bruto (PIB) a riqueza produzida com atividades de prostituição, tráfico e contrabando. Neste contexto, o Instituto Nacional de Estatística avalia que a ideia, a aplicar a partir de setembro, valerá 700 milhões de euros. Chegou-se à conclusão que, para Portugal, o benefício será de 0,4%.
Nesta “genial” imoralidade, em que na receita da prostituição está sendo tido em conta também o tráfico de droga (e de tabaco, não?), transformam um roubo (o tráfico de cocaína, por exemplo) em receita. É de bradar aos céus, como já se pretende trabalhar oficialmente com dinheiro criminoso de lucros ilegais. E não será assim que se poderá fomentar o tráfico de crianças e mulheres, ao invés de o combater eficazmente, criminalizando-o?
Pois é, um dia destes, no preenchimento de algum formulário para qualquer ato oficial, aquela que é considerada a profissão mais velha do mundo já poderá, na pessoa da mulher, escrever-se “trabalhadora do sexo”. E será vê-las nos centros de saúde e consultas hospitalares a indicarem aquela como sua natural profissão, e, sabe-se lá, “publicitando” no imediato e in loco a sua “atividade profissional”.
O “Público”, de 15 de junho, referia que “a inclusão do dinheiro do tráfico de droga e da prostituição nos cálculos do PIB não suscita oposição. Mas falta permitir que as prostitutas se coletem nas Finanças e debater a criação de circuitos legais para drogas leves”. É que, já em 12 do mesmo mês, se referia, em parangonas, que “Sexo e drogas aumentam o PIB – As atividades e negócios ilegais, como a prostituição e contrabando, vão aumentar a riqueza nacional em 640 milhões de euros. O INE calcula o valor da economia paralela em 20,8 mil milhões. Cerca de 13% do PIB tem a ver com a chamada economia não observada”.
Para onde vai esta (des)União Europeia? As prostitutas a serem consideradas como “trabalhadoras do sexo”? Não! Um dia poderemos vir a ter umas quantas Cicciolinas na Assembleia da República. Como eu ando enganado, pensando que, afinal, já não é nenhum objetivo civilizacional acabar com a prostituição!
Voltando à corrupção, como é que banqueiros envolvidos em evasão fiscal e manipulação de contas não são impedidos de exercerem atividades na banca?
Como é que um antigo comandante da Proteção Civil tem o arrojo de se gabar na comunicação social de ter podido gastar 80 milhões sem prestar contas?
O que é que vai acontecer aos médicos que foram apanhados a trabalhar em vários locais à mesma hora, ou seja, em hospitais privados e, simultaneamente, a mamar o dinheiro de todos os contribuintes? E as fraudes nas farmácias?
Pelo que tenho que concordar com José Saramago quando disse que “Em Portugal, não há direita, não há esquerda, nem há centro, há sim um grupo de salafrários que se alternam nos governos, para ver quem rouba mais”.
E, nesta repulsa pelo que se passa no nosso País, lá está o eterno Eça de Queiroz, sempre atualizado como a bíblia dos nossos dias, quando, no meio desta bagunça, há sempre alguém que sofre, e, por isso “em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre”.

(In " fórum Covilhã", de 08-07-014) 

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