8 de setembro de 2015

AQUELA QUE FOI A MONO-INDÚSTRIA NA COVILHÃ

Os tempos mudaram. As crises generalizadas que o País sempre enfrentou, desde que foi fundado, acentuaram-se nalguns setores. Um deles foi o da indústria de lanifícios.
Os dias que correm, face às transformações no mundo, com a globalização, na modernidade, com as descobertas científicas, são incomparáveis aos de ontem.
Contudo, há modos de vida que se encontram enraizados nas populações, que deram prosseguimento à vivência local dos mesmos, como o sangue a correr nas suas veias.
Hoje, a Covilhã, já não é a Covilhã da mono-indústria mas duma vertente de atividades que vão do ensino universitário, maioritariamente, a uma série de pequenas indústrias, com exceção de meia dúzia de grandes empresas de lanifícios; comércio em menor escala, e diversidade de serviços, entre os quais as novas tecnologias.
As crises da indústria de lanifícios na Covilhã são ancestrais. Hoje vemos a existência de muito poucas empresas fabris, entre as quais a maior ibérica, comparativamente com as de mais de uma centena de outrora.
Preservam-se ainda muitos imóveis das antigas fábricas de lanifícios, quase todos devolutos ou em adiantado estado de degradação, com as suas gigantes chaminés, que são ainda o ex-líbris da Covilhã, continuando a tecer o futuro.
A grande crise da indústria de lanifícios do século XX acentuou-se, remontando há quase meio século. Trinta mil pessoas a viver juntas nesta cidade interior do País – referência ao ano de 1968, altura em que deixei a Covilhã temporariamente, durante 42 meses, para cumprir o serviço militar obrigatório.
A Covilhã, inteira, dependia de 130 fábricas que aqui laboravam 48 a 50 por cento da produção nacional de lanifícios. Um terço da população desta cidade, de então (dez mil operários inscritos), trabalhando nesta indústria, sentiam grandes dificuldades, com seus fracos salários.
Nessa altura, já 23 fábricas haviam encerrado por falência. Alguns empresários colocavam os bens em nome de seus filhos, com a tendência para se criarem sociedades de capital limitado. Capitalistas e agiotas aproveitavam a situação, fazendo negócios chorudos para as necessidades imediatas, empurrando o industrial na ruína ou em situações de grande dificuldade. A banca impunha condições exigentes, como nas aberturas de crédito.
Mas em qualquer outro ponto do País onde se trabalhasse em lanifícios, encontravam-se operários e técnicos covilhanenses, com nítida fuga de mão-de-obra para o estrangeiro.
A Covilhã esteve durante muito tempo, com as suas crises têxteis, de costas voltadas para a Serra. Havia uma ideia errada do fenómeno sócio-económico desta cidade. A presença de tão grande concentração industrial com dezenas de fábricas que descem a serra e se estendem pelos vales, e a aparência próspera dos seus habitantes, induziam em erro. Havia uma vida artificial com as pessoas a usufruírem de artigos de luxo em detrimento de bens de primeira necessidade. Nessa altura havia um único hotel na Covilhã – “Solneve”, de Artur de Almeida Campos, que não teve nos seus descendentes a sua força empresarial.
O investimento no equipamento industrial, iniciado 15 anos antes, por parte de empresários, movimentou números elevadíssimos, confiando no futuro, pensando principalmente nas exportações.
Se bem que esta tenha sido a mola real para o desenvolvimento da indústria têxtil covilhanense, foi, simultaneamente, uma das razões principais da crise que então se principiou a delinear. Um dos motivos maiores da crise financeira dos empresários foi no corte de crédito que os bancos fizeram, ou as condições a curto prazo, insustentáveis. Outras causas das dificuldades foi o fraco poder de compra do mercado nacional. Segundo o falecido industrial José Rabaça, o que acontecia na Covilhã era a existência de um excessivo número de micro-empresas. Depois, na Covilhã não havia a indústria completa mas sim a setorial. Enquanto na fábrica completa tudo se conjuga para uma fabricação de artigo final, mais economicamente produzido, nas atividades setoriais procura-se atingir o mesmo benefício à custa do sacrifício da secção alheia. A maior empresa de lanifícios do nosso país não possuía ainda secção de acabamentos (ultimação).
A reconversão desta indústria deparou com um obstáculo intransponível: a falta de preparação de muitos industriais e o seu feroz individualismo. Era o tradicionalismo familiar que imperava. Fábricas passando de pais para filhos. Estes, em muitos casos, com evidente impreparação.
Também a inexistência de um Instituto Industrial na Covilhã. Havia apenas a Escola Industrial e Comercial Campos Melo. Hoje o problema está resolvido com a Universidade da Beira Interior.
Ainda não tínhamos entrado na União Europeia mas, entretanto, segundo acordos da EFTA, logo que um produto atingisse ou ultrapasse 15 por cento de exportações, deixava de estar sob proteção pautal, podendo assim os produtos de outros parceiros entrar livremente no nosso pobre mercado, com concorrência aberta da Grã- Bretanha e da Suíça.
Depois da lã da região, com a industrialização, a Covilhã passou a ser um consumidor dos grandes fornecedores mundiais de lã – a África do Sul, a Austrália e a Nova Zelândia. Mas nunca deixou de se mover em volta da sua indústria secular.
Para obstar aos problemas da mono-indústria, nunca foi levado a sério, ou com entusiasmo férreo, o desenvolvimento do Turismo, numa zona privilegiada como é a Serra da Estrela, com a sua porta principal na Covilhã.
Naquela altura, há quase meio século, o turismo na Covilhã não passava duma pequena sala iluminada, no Centro Cívico, onde se encontrava um taciturno funcionário dizendo quase não a tudo, embora com um sorriso, porque não havia informações. Para além do “Solneve”, existia apenas, nas Penhas da Saúde, a “Estalagem do Pastor” e o velho “Hotel das Penhas da Saúde”.
Os operários e empregados dos lanifícios recebiam à semana, dando assim a ilusão de um desafogo económico na Covilhã. O dinheiro corria sempre. Havia sempre dinheiro fresco. As casas comerciais utilizavam as pequenas prestações mensais – “as deixas” – que atraíam o operariado. Um fato não se pagava, descontava-se na féria. Daqui o poder andar-se bem vestido, ou gastar dinheiro numas cervejas ou nuns cafés. O “Montalto”, à sexta-feira tinha os agiotas e espetadores que desde a hora do almoço aguardavam que um empresário aflito lhes vendesse uma letra de 70 contos por 40, ou lhes pedissem empréstimos para pagar a féria ao pessoal, preferindo este sistema à busca direta de um banco, a fim de que este não se apercebesse das dificuldades em que se debatia. Era o coração de uma crise que se reforçava na Covilhã.
Hoje, apesar das várias crises, a Covilhã está indubitavelmente muito melhor. Outros tempos.


(In "fórum Covilhã", de 08.09.2015)

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