O outono vai a meio. As vindimas já se fizeram. Não é muito
usual haver por estes lados concertinas e tambores, nem cantores ao vivo e em
despique. Chegam agora as castanhas, que assadas são um regalo, na companhia da
jeropiga.
Diariamente lá está o quiosque habitual para o meu jornal de
preferência. E os regionais complementam-no. Mas é no sábado e domingo que,
noutra banca de jornais, assisto às raspagens. Na minha frente apressa o passo
alguém que pressente que também me dirijo para lá.
Enfileiro-me para adquirir o jornal. Cá fora, sob uma
mesa de madeira, já se raspa…
Aguardo a vez. Mas se o meu antecessor adquire uma
revista, lá vai também o pedido de uma raspadinha. Perco tempo…Do outro lado da
fila, já uma senhora mostra a raspadinha sortuda.
E é neste andar quotidiano que se raspa, raspa, raspa… e
volta a raspar!...
Vêm as notícias. Primeiro as parangonas. Depois as crónicas.
As eleições para o governo deste Portugal, por muitos
desejado, e por outros rejeitado, já passaram à frente. Antes delas, naquele
período do pregão, a gentinha raspava de devagar, devagarinho.
Veio a euforia! Os que nos tramaram a vida compraram logo
uma raspadinha d’ouro. Eles lá pensaram: com uma raspadinha de um euro afinal
eles contentam-se… E começaram a raspar com força.
Raspa, raspa, raspa… e volta a raspar!...
Mas, maldito mas… da euforia passaram à ansiedade, tendo
acertado nas sondagens mas com falhanço na imaginação necessária para gerir o
dia depois. A preocupação de deixarem o poder é notória.
Os risos sarcásticos de dentro da Coligação duraram pouco
tempo. Quem havia semeado os ventos da arrogância, de um governo que não ouviu
ninguém e não falou com ninguém, que fez o que lhe deu na real gana, tantas
vezes na ilegalidade, “quebrando contratos com os mais necessitados, ao mesmo
tempo que lembrava a intangibilidade dos contratos com os mais poderosos”,
acusando os outros de serem “piegas”, de serem culpados por estarem
desempregados, de serem velhos do Restelo, como tantas outras baboseiras que
soltaram daquelas bocas, permitiu que na altura do julgamento, uma parte
maioritária dos que votaram contra o Governo sejam agora capazes de os impedir
de governar, ainda que correndo muitos riscos.
E enquanto os socialistas, como Partido charneira, decidem,
com os ventos de feição, jogar a raspadinha à esquerda ou à direita, o Zé Povo
vai também tentando a sua sorte: raspa, raspa, raspa… e volta a raspar!...
É preciso mudança! Temos vivido sob uma grande mentira, em
que os responsáveis políticos, para se perpetuarem no poder, produzem ilusões,
medos e ansiedade social, levando as pessoas ao ponto de se maltratarem a si
próprias, gerando dúvidas e insegurança em si mesmas.
Há que haver uma profunda reflexão do que queremos e para
onde vamos, independentemente de raspar mais devagar ou com mais força; de
comprar raspadinhas de ouro ou de um euro. A sortuda não está para breve, pelo
que há que se ponderar. É que as vindimas são feitas até ao lavar dos cestos.
Raspa, raspa, raspa… e volta a raspar!...
(In "Notícias da Covilhã", de 22-10-2015)