Esta é a minha primeira crónica de 2016. Para trás ficou um
ano em que sobraram mais recordações negativas do que positivas da vida pública
nacional e internacional.
Refletindo sobre o papel que tiveram muitos dos jornais e a
blogosfera pensamos ser preferível virar a página e ter esperança por melhores
dias. O problema maior que se levanta é saber quantos dos problemas do ano
anterior irão ser endossados para o presente e ainda para anos futuros.
Falar sobre acontecimentos que foram sobejamente narrados
pela maioria da comunicação social, de drama, e fantasmagóricos, alguns até às
entranhas, não vou repetir. A comunicação social especializada no
sensacionalismo até ao enfado se encarrega de tal desiderato.
Bastaram as eleições legislativas, com aquele resultado onde
quem parecia que ganhava afinal perdia e quem parecia que perdia afinal
ganhava; e com a direita histérica e a esquerda excitada; com os socialistas em
curto-circuito; na recordação de Mário Soares que quis ser o Presidente de todos
os portugueses, contrapondo com a forma paradoxal como Cavaco acaba o mandato
sendo o Presidente de nenhum português, ou melhor, de alguns, ou sejam, ou que
estavam nos Jardins de má memória, das Oliveiras podres, entre os Dias
desaparecidos presumivelmente por zonas de Loureiros; enfim, disfarçando para
que o Estado não voltasse a ficar Salgado.
Mas nem tudo são espinhos, porque também encontramos bom
jornalismo. Do relato da falência de bancos constata-se que cinco deles
fecharam portas antes do Banif, sendo que, no caso mais dramático, andava todo
o mundo; incluindo jornalistas, um triste Presidente da República e um
distraído regulador; a elogiar a liderança de Ricardo Salgado e a solidez do
BES.
O ano 2016 marcará, felizmente, o fim do “cavaquismo”,
inaugurado nos anos 80. Foram mais de 30 indesejáveis anos. Mas os portugueses
sempre tiveram a sina de serem um povo habituado a sofrer (na recordação das
mulheres dos pescadores naufragados); ou de gostarem que os seus semelhantes
sofram (se subiu na vida ou a sorte o
bafejou, que os raios o partam); ou,
então, nos receios de que venham males maiores (vale mais votar nestas bestas que já conhecemos, antes que surjam
cavalgaduras piores…).
Os jornais atravessam atualmente uma crise, entre o papel
e o online. Mas será que o jornal em
papel vai mesmo desaparecer? Não acredito! Repito o que transmiti em 15 de
março de 2012, na Universidade da Beira Interior, no fórum sobre Jornalismo e Sociedade, no qual tive a
honra de ser convidado a participar integrando o painel Jornalismo e Cidadania. E sobre este tema desenvolvi animada
conversa com o jornalista Adelino Gomes, da organização nacional deste evento.
O tema sensacionalismo, muito salientado duma breve
sondagem que havia efetuado da obtenção de várias figuras da sociedade,
repercutia-se, de facto, mais sobre o Correio
da Manhã. O que é certo e verdade é que este órgão “nos ensina é que nos
jornais é preciso ter uma cultura das notícias”, na opinião de José Pacheco
Pereira. E ainda, na sua versão, que o chamado “jornalismo de investigação” está no centro do jornalismo que ainda
sobrevive em papel.
A crise dos jornais em papel tem ainda a ver com os
hábitos de leitura e procura de notícias, na sua diversificação entre o papel e
o online.
Todas as manhãs, as minhas primeiras notícias são áudio,
seguindo-se a leitura de vários jornais online,
não descurando os jornais em papel, onde a usual banca aguarda pelo seu
cliente diário.
Ainda me recordo dos jornais Diário de Notícias e A Bola,
que lia na biblioteca, em casa, no jardim público, ou nas unidades militares
por onde passei, de grande formato (guardo religiosamente os últimos números).
Tínhamos de os dobrar para conseguir ler bem uma notícia. Este facto não é de
uma dose de nostalgia, mas tão só um exercício de olhar para o passado e
recordar de que forma os jornais estiveram sempre nas nossas vidas de maneiras
que já não se repetem.
Registo aqui o que o escritor Mário Cláudio referiu numa
entrevista em Belmonte, aquando da segunda edição da Diáspora – Festival
Literário de Belmonte, de 2015: “Escrevo
à mão os meus livros porque não me vejo a escrever de outra maneira, até porque
gosto muito de sentir o cheiro do papel, gosto de riscar e de rasgar e isso não
é possível através do computador”. Bom, eu já não faço isso mas gosto, sim,
de sentir o cheiro do papel, de dobrar o jornal, de recortar e guardar,
evitando assim contribuir para mais abate de árvores, gastando papel com as
muitas impressões. No final do mês, o saco com todos os jornais já lidos ainda
vai ser útil, numa contribuindo solidária, fazendo a sua entrega no Banco
Alimentar Contra a Fome.
Voltando um pouco atrás, existem as diferenciações
geracionais entre os mais novos que usam a Internet para se informarem e os
mais velhos que ainda mantêm o hábito de comprar os jornais na banca.
Felizmente que há mais de 40 anos passou a haver
liberdade de expressão que não é só um direito, assim como o jornalismo livre
não é só uma marca da democracia, mas também um dever que deve ser honrado com
independência e luta contínua pela verdade, e isto doa a quem doer. Jamais
poderá haver jornalismo servil e submisso.
A imprensa livre é um dos pilares de uma sociedade
democrática, sendo, no entanto, cada vez mais raro o jornalismo de
investigação.
É, no entanto, preciso estar-se atento, para que os media não sejam controlados. Veja-se o
caso recente da Polónia, a aprovar uma lei que dá ao Governo o controlo efetivo
dos media estatais.
Regressar às famigeradas Comissões de Censura
salazarista, ou de Exame Prévio, marcelista, nem é bom pensar. Estamos em
democracia.
Vamos esperar que este novo ano de 2016 nos traga formas
de melhor encontrarmos a comunicação social, na sua vertente de um são
jornalismo; se na digitalização das teclas dos computadores, que continue a manter-se
o cheiro do papel.
(In "fórum Covilhã", de 12-01-2016)
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