12 de janeiro de 2016

O PAPEL DO PAPEL

Esta é a minha primeira crónica de 2016. Para trás ficou um ano em que sobraram mais recordações negativas do que positivas da vida pública nacional e internacional.
Refletindo sobre o papel que tiveram muitos dos jornais e a blogosfera pensamos ser preferível virar a página e ter esperança por melhores dias. O problema maior que se levanta é saber quantos dos problemas do ano anterior irão ser endossados para o presente e ainda para anos futuros.
Falar sobre acontecimentos que foram sobejamente narrados pela maioria da comunicação social, de drama, e fantasmagóricos, alguns até às entranhas, não vou repetir. A comunicação social especializada no sensacionalismo até ao enfado se encarrega de tal desiderato.
Bastaram as eleições legislativas, com aquele resultado onde quem parecia que ganhava afinal perdia e quem parecia que perdia afinal ganhava; e com a direita histérica e a esquerda excitada; com os socialistas em curto-circuito; na recordação de Mário Soares que quis ser o Presidente de todos os portugueses, contrapondo com a forma paradoxal como Cavaco acaba o mandato sendo o Presidente de nenhum português, ou melhor, de alguns, ou sejam, ou que estavam nos Jardins de má memória, das Oliveiras podres, entre os Dias desaparecidos presumivelmente por zonas de Loureiros; enfim, disfarçando para que o Estado não voltasse a ficar Salgado.
Mas nem tudo são espinhos, porque também encontramos bom jornalismo. Do relato da falência de bancos constata-se que cinco deles fecharam portas antes do Banif, sendo que, no caso mais dramático, andava todo o mundo; incluindo jornalistas, um triste Presidente da República e um distraído regulador; a elogiar a liderança de Ricardo Salgado e a solidez do BES.
O ano 2016 marcará, felizmente, o fim do “cavaquismo”, inaugurado nos anos 80. Foram mais de 30 indesejáveis anos. Mas os portugueses sempre tiveram a sina de serem um povo habituado a sofrer (na recordação das mulheres dos pescadores naufragados); ou de gostarem que os seus semelhantes sofram (se subiu na vida ou a sorte o bafejou, que os raios o partam);  ou, então, nos receios de que venham males maiores (vale mais votar nestas bestas que já conhecemos, antes que surjam cavalgaduras piores…).
Os jornais atravessam atualmente uma crise, entre o papel e o online. Mas será que o jornal em papel vai mesmo desaparecer? Não acredito! Repito o que transmiti em 15 de março de 2012, na Universidade da Beira Interior, no fórum sobre Jornalismo e Sociedade, no qual tive a honra de ser convidado a participar integrando o painel Jornalismo e Cidadania. E sobre este tema desenvolvi animada conversa com o jornalista Adelino Gomes, da organização nacional deste evento.
O tema sensacionalismo, muito salientado duma breve sondagem que havia efetuado da obtenção de várias figuras da sociedade, repercutia-se, de facto, mais sobre o Correio da Manhã. O que é certo e verdade é que este órgão “nos ensina é que nos jornais é preciso ter uma cultura das notícias”, na opinião de José Pacheco Pereira. E ainda, na sua versão, que o chamado “jornalismo de investigação” está no centro do jornalismo que ainda sobrevive em papel.
A crise dos jornais em papel tem ainda a ver com os hábitos de leitura e procura de notícias, na sua diversificação entre o papel e o online.
Todas as manhãs, as minhas primeiras notícias são áudio, seguindo-se a leitura de vários jornais online, não descurando os jornais em papel, onde a usual banca aguarda pelo seu cliente diário.
Ainda me recordo dos jornais Diário de Notícias e A Bola, que lia na biblioteca, em casa, no jardim público, ou nas unidades militares por onde passei, de grande formato (guardo religiosamente os últimos números). Tínhamos de os dobrar para conseguir ler bem uma notícia. Este facto não é de uma dose de nostalgia, mas tão só um exercício de olhar para o passado e recordar de que forma os jornais estiveram sempre nas nossas vidas de maneiras que já não se repetem.
Registo aqui o que o escritor Mário Cláudio referiu numa entrevista em Belmonte, aquando da segunda edição da Diáspora – Festival Literário de Belmonte, de 2015: “Escrevo à mão os meus livros porque não me vejo a escrever de outra maneira, até porque gosto muito de sentir o cheiro do papel, gosto de riscar e de rasgar e isso não é possível através do computador”. Bom, eu já não faço isso mas gosto, sim, de sentir o cheiro do papel, de dobrar o jornal, de recortar e guardar, evitando assim contribuir para mais abate de árvores, gastando papel com as muitas impressões. No final do mês, o saco com todos os jornais já lidos ainda vai ser útil, numa contribuindo solidária, fazendo a sua entrega no Banco Alimentar Contra a Fome.
Voltando um pouco atrás, existem as diferenciações geracionais entre os mais novos que usam a Internet para se informarem e os mais velhos que ainda mantêm o hábito de comprar os jornais na banca.
Felizmente que há mais de 40 anos passou a haver liberdade de expressão que não é só um direito, assim como o jornalismo livre não é só uma marca da democracia, mas também um dever que deve ser honrado com independência e luta contínua pela verdade, e isto doa a quem doer. Jamais poderá haver jornalismo servil e submisso.
A imprensa livre é um dos pilares de uma sociedade democrática, sendo, no entanto, cada vez mais raro o jornalismo de investigação.
É, no entanto, preciso estar-se atento, para que os media não sejam controlados. Veja-se o caso recente da Polónia, a aprovar uma lei que dá ao Governo o controlo efetivo dos media estatais.
Regressar às famigeradas Comissões de Censura salazarista, ou de Exame Prévio, marcelista, nem é bom pensar. Estamos em democracia.

Vamos esperar que este novo ano de 2016 nos traga formas de melhor encontrarmos a comunicação social, na sua vertente de um são jornalismo; se na digitalização das teclas dos computadores, que continue a manter-se o cheiro do papel.

(In "fórum Covilhã", de 12-01-2016)

Sem comentários: