10 de fevereiro de 2016

DESPIR O FATO

Portugal passou a contar na história da República com 19 Presidentes. Na I República: Manuel Arriaga, Teófilo Braga, Bernardino Machado, Sidónio Pais, João do Canto e Castro, António José de Almeida e Manuel Teixeira Gomes. Na Ditadura Militar: José Mendes Cabeçadas, Manuel Gomes da Costa, Óscar Carmona, Francisco Craveiro Lopes, e Américo Tomás. Em Democracia: António de Spínola, Francisco da Costa Gomes, António Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Aníbal Cavaco Silva, e, agora, Marcelo Rebelo de Sousa. Ainda me lembro da principal figura da instauração do Estado Novo, ou seja, este terceiro Presidente da República da Ditadura, o general Óscar Carmona, com o seu retrato a ser retirado das escolas primárias para ser substituído pelo do seu sucessor, general Craveiro Lopes. Com o meu Pai, então já retirado do ensino na Primária, mas ainda a dar aulas suplementares em Cursos de Educação de Adultos, foi azo para reter na memória estas reminiscências do passado. Tinha eu cinco anos quando faleceu o Presidente Carmona e lembro-me de, na Pousadinha, onde morava, meu Pai me mostrar as fotografias e grandes parangonas a negro (embora eu ainda não soubesse ler) dos jornais inerentes à morte de Carmona. Era um assunto então muito falado na altura: Morreu o Carmona!
Já do general Craveiro Lopes retenho outras memórias, incluindo das páginas jornalísticas que, várias vezes, evidenciavam a grande atividade social da Primeira-dama, D. Berta Craveiro Lopes, que viria a falecer aos 58 anos, um mês antes de o seu marido terminar o mandato. Em tempos também muito difíceis da década de 50 do século passado, alguns jovens escreviam à D. Berta, lamuriando-se, a solicitar emprego; as cartas algumas vezes davam resultado, sendo enviadas para as autarquias. Na Covilhã houve alguns casos com colocações na Repartição de Finanças. Mas, a melhor memória que tenho do Presidente Craveiro Lopes reporta-se à visita da Rainha Isabel II de Inglaterra a Portugal em fevereiro de 1957. A sua chegada e o desfile pelas ruas lisboetas, num coche, assim como a participação em vários eventos e banquetes marcava um fait-divers que seria as delícias da Comunicação Social. Na Biblioteca Municipal eu lia os jornais, principalmente a revista Flama, onde se podia ver, para além da Rainha Isabel II, bonita, de 30 anos, e o duque de Edimburgo, também os seus, ainda só, dois filhos: o príncipe Carlos, de 8 anos; e a princesa Ana, de 6 anos. Os príncipes André e Eduardo só viriam a nascer em 1960 e 1964, respetivamente. Eu tinha nessa altura 11 anos.
Já do último Presidente da República, em tempos de ditadura, Américo Thomaz, poucas memórias deixou, quer ele quer a Dona Gertrudes. Da Covilhã, lembro-me de uma visita que fez em que assisti à distribuição de chaves a moradores em casas de renda económica, do bairro da zona da estação de caminhos-de-ferro, isto no ano 1963, e, depois, à noite, no Pelourinho, foi vê-lo da varanda da Câmara Municipal assistindo à exibição de ranchos folclóricos; com o 3.º oficial da edilidade, José Pacheco Lança, fazendo a apresentação dos mesmos. Penso que, aquando do centenário da Covilhã-Cidade, em 1970, também cá esteve pois recordo ver o motorista da Câmara, Sebastião, dias antes, preparado para seguir para Lisboa com pessoal do Município, que, à minha pergunta curiosa, ele respondeu ir a Lisboa levar o discurso do Senhor Presidente da Câmara da Covilhã, Eng. Vicente da Costa Borges Terenas, ao Senhor Presidente da República.
Mas, na realidade, o ponto mais alto entre estes últimos dois Presidentes da República aconteceu na altura das eleições fantoches realizadas em 1958 em que Américo Thomaz foi declarado vencedor, quando, na realidade, tal façanha se verificou sim com o candidato Humberto Delgado. Se não houvesse a fraude eleitoral certamente um antecipado 25 de Abril, com outro qualquer nome, traria mais cedo a democracia ao País.
Sobre os Presidentes da República sobejamente conhecidos em democracia não vou falar, mas tão só nestas últimas eleições presidenciais, jamais vistas nos moldes em que aconteceram: uma dezena de candidatos e duas mulheres, sendo que a primeira vez que tal aconteceu (Maria de Lourdes Pintasilgo) havia sido há 30 anos, em 1986. E é à primeira volta, já esperada, que Marcelo Rebelo de Sousa ganha a nova presidência da República Portuguesa. A vitória de Marcelo Rebelo de Sousa faz-se face à derrota dos candidatos de esquerda, mas surge também perante a derrota do PS e do Governo socialista liderado por António Costa. Mas se o PS sai derrotado como partido, no seu interior mantêm-se as divisões, averbando os apaniguados de António José Seguro uma pesadíssima derrota com a baixa percentagem da sua candidata Maria Belém Roseira. Do distrito de Castelo Branco foi a Covilhã que teve menor número de votantes em Marcelo, e com a menor diferença para o segundo candidato Sampaio Nóvoa. Marisa Matias foi a melhor colocada para ser a primeira mulher presidente, tal como poderia ter vindo a surgir em situação análoga a Tsai Ong-Wen, a primeira mulher presidente de Taiwan que quer fazer frente à China.
Os portugueses continuam a marimbar-se para as eleições, com a abstenção a subir em flecha (dos 9.741.792 eleitores resultou uma abstenção de 51,16 por cento). Lá dizia Fernando Pessoa: “Chegámos ao ponto em que coletivamente estamos fartos de tudo e individualmente fartos de estar fartos”.
António Costa fez o possível por não perder as presidenciais, com a sua disparatada decisão salomónica de recomendar o voto em Maria de Belém ou Sampaio da Nóvoa.
Surge o desafio político. Para Marcelo Rebelo de Sousa já começou. ”Depois de 40 anos na vida pública, vai ter de inventar para si um novo personagem: o do homem que se senta na cadeira de Presidente da República”. Nestes 40 anos foi visto por nós quase diariamente, com roupagens diferentes: comentador, analista, popular, estratégico; criticou, elogiou, disse tudo e o contrário de tudo. Vestiu muitos fatos e, certamente, nenhum lhe vai agora servir. Será que vai despir agora o fato de professor, ou de comunicador? Disse que “será um Presidente para aproximar posições e cicatrizar feridas, para promover convergências políticas e a cultura do consenso”. Marcelo diz: “Não abdicarei do meu próprio estilo”. Portanto, vai vestir um fato à sua medida. E como viverá sem a televisão o presidente que a televisão nos deu? Na opinião de uma mão cheia de gente, os portugueses escolheram o mais popular a opinar no país. A vitória convincente nas eleições presidenciais é como que uma espécie de palmarés resultante do edifício construído com base nessa sua notoriedade televisiva. Mas pode ser o seu fim. É que Marcelo Rebelo de Sousa, o novo presidente de todos os portugueses, já não vai poder falar-nos ao ouvido todas as semanas e não vai poder manter a postura de confortável afastamento das questões concretas da vida política que tão bem cultivou. “Até agora, tivemos na presidência um militar austero, um político nato, um diplomata e um homem que se bastou a si próprio. Chegou a vez de experimentar a “vos amiga” que nos embalou durante mais de uma década”. Portanto, Marcelo vai também ter que saber vestir o seu fato de gala, e sem no mesmo deixar cair nódoas.

É que António Costa subiu ao muro, olhou e, saltando para o lado da esquerda, conseguiu dividir Portugal em duas partes (CDS e PSD do PS, PCP e BE). No entanto as feridas resultantes da peleja entre Costa e Seguro ainda não sararam e as presidenciais lançaram-lhes achas na fogueira, como aconteceu com a candidatura de Maria de Belém. Para onde vai o PS é a pergunta que muitos fazem. Tudo dependerá do sucesso ou fracasso da política económica do governo de António Costa.

(In "fórum Covilhã", de 10.02.2016)

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