15 de março de 2017

ISTO

Há quem viva com a nostalgia do passado, olhando para aquilo que viveu como o melhor tempo da sua vida. Isto, se numa atitude excessivamente retroativa, pode obstaculizar na mudança daquilo que precisa de ser mudado e melhorado. Há grandes lições a tirar do passado, recente ou remoto, mas também há grandes descobertas e algumas surpresas. Isto quer dizer que há assim uma oportunidade de renovar o que tem de ser renovado e esquecer o que deve ser esquecido. Isto também é bom olhar para esse tempo porque pode conter sinais inequívocos daquilo que é importante para nós no presente e permite determinar prioridades para o futuro.
O homem tanto vive na maior abastança como sobrevive na maior pobreza. Isto é um autêntico paradoxo. Com a subida ou descida da esperança de vida, a iliteracia, a higiene, a segurança, o homem está cá para o que der e vier e se adaptar às boas ou más condições que é capaz de construir, renascendo todos os dias.
Isto é assim mesmo. Nascemos no Deus, Pátria e Família de Oliveira Salazar. Assistimos, na Rocha Conde de Óbidos, ao paquete Santa Maria está entre nós, depois de algum tempo ter desfraldado pelos mares como Santa Liberdade, com Henrique Galvão. Mas já antes havíamos assistido ao nascer da televisão, isto no ano de 1957, com a vinda da linda Rainha Isabel II da Inglaterra, e os seus dois filhotes, isto, na altura, o Carlos e a Ana. E, mais tarde, o Xá da Pérsia, Mohammad Reza Pahlavi. E, nos seus écrans da televisão, a preto e branco, de um só canal, durante 21 anos, recordámos o Jorge Alves, no seu Cartaz TV, da RTP, com a inesquecível frase: “Olá amigos!”. No desporto, o habitual jornalista, isto é, Alves dos Santos.
Mas isto também quer dizer, que, em 1958, vimos o General Humberto Delgado a causar arrepios a Salazar, e também os bufos da PIDE instalados e encapotados em tudo quanto era sítio.
Isto, avançando no tempo, dava para memorizar mais, mas vamos pelas guerras africanas, prenúncio do que nos obrigaria a entrar em contingentes militares para defender Guiné, Angola e Moçambique, com o Angola é Nossa!, depois de Nehru ter invadido Goa, e lá ficámos sem a primeira possessão ultramarina – Índia Portuguesa. Isto quer dizer que a memória terá que fazer uma pequena marcha atrás para a independência do então Congo Belga, que após várias alterações passou a denominar-se República do Zaire e atualmente República Democrática do Congo. Recordamo-nos das lutas desenfreadas entre Kasavubu, Lumunda, e depois com as garras de Mobutu. Mais tarde, a morte de Che Guevara e a Guerra dos Seis Dias, em 1967.
E, com isto, chega a nossa vez de vestir a farda militar, estávamos no ano 1968, por obrigação, com uns cá, e, outros a caminho das então Províncias Ultramarinas, regressando, os que felizmente conseguiram, mas com problemas de stress traumático e, outros, molestados fisicamente. Mas, já em 1969, houve um documento histórico num Manifesto da Oposição Democrática ao regime vigente, com António Alçada Batista, para as eleições fantoches, mais uma vez, que se avizinharam. Que, isto de fantoches, na rua, nos tempos que correm já não se vêm, mas, nesses tempos, era fácil cativar muitas gente para um simples espetáculo de rua, com esse bonecos de vos aguda
E é ainda que em 1969, como militares, encontrando-nos adidos em Paço de Arcos a frequentar um curso de testes psicotécnicos, em Caxias, demos uma salto a Lisboa, à noite, para assistirmos ao filme Helga – o Segredo da Maternidade, que se estreara no cinema Vox, na Avenida de Roma, no dia 24 de julho desse ano. Este filme, para maiores de 21 anos (altura da maioridade) custou-nos 25$00, muita massa para esse tempo. Chegara a Portugal e trouxe consigo a polémica. Num país castrado pelo regime de Salazar, Helga – O Segredo da Maternidade, veio, com o seu realismo, abalar as estruturas mais conservadoras, pouco acostumadas a tanta verdade assim exposta.

Veio o 25 de Abril a cores, com o ano 1975 a preto e branco, depois os anos 76, 77; e os anos 80 dos governos épicos de Mário Soares, o novo paradigma da União Europeia, o nunca me engano e raramente tenho dúvidas de Cavaco, as dúvidas de Guterres, a “fuga europeia” de Durão Barroso; e, isto vai daí, seguiram-se Santana Lopes, Sócrates, Passos, até chegarmos aqui, a isto – a Geringonça, inventada por Vasco Pulido Valente na sua então habitual crónica no Público, na “histórica” data de 31 de agosto de 2014, muito bem aproveitada por Paulo Portas, que, se adivinhasse o seu sucesso, talvez não lhe desse ênfase no Parlamento. É que assim voltou-se o feitiço contra o feiticeiro, tal o sucesso com que a mesma envolve o governo de António Costa.

(In "Notícias da Covilhã", de 16/03/2017)

14 de março de 2017

O FEMINISMO

Já não é a primeira vez que escrevo sob o tema “A Mulher”. Curiosamente, isto foi acontecendo em cada quadriénio, para além dos casos individuais: “As Mais Bonitas” – 2004; “A Mulher na Sociedade Portuguesa” – 2008; “O Reino das Mulheres” – 2012.
Regresso hoje ao tema, tendo em conta que recentemente (8 de março) se comemorou o Dia Internacional da Mulher.
Acho que os dias internacionais, e outros dias comemorativos, acabam por ser já demasiado extensivos a muitas figuras e a muitas coisas, tornando as celebrações pouco sentidas, nuns casos, noutros desprezadas.
Não será o caso do que se reporta à Mulher, no seu Dia Internacional, pelos motivos sobejamente conhecidos, ou ao Dia da Mãe, por exemplo.
Se tivermos em conta que a mulher foi ao longo dos tempos da sua existência sempre envolta pelo sofrimento, nas muitas vertentes da sua vivência desde que veio ao Planeta – maldita serpente que iludiu Eva a comer a maçã proibida – o que é certo e verdade é que sem a mulher o homem não raiava na sua plena felicidade, ainda que, nos tempos que correm, muitos possam tornar esta parte discutível.
Não falando já da escravidão a que sempre foi votada, desde os tempos bíblicos, às religiões muçulmanas radicais, a mulher foi desde sempre envolta nos mais perniciosos costumes e abusos, como sejam as mutilações genitais nos países africanos de grande atraso, às proibições de se poderem desenvolver culturalmente, às poligamias, etc. Se até o Rei David e seu filho Rei Salomão, a. C., consta terem tido mil mulheres, por aqui se pode ver a finalidade com que, desde sempre, foi considerada para o prazer.
A mulher veio ao de cima e lançou o grito do Ipiranga, que há muito tardava, embora ainda hoje perdure como nos tempos de outrora, em muitas zonas da Terra, em pleno Século XXI, desta era robótica.
Até à revisão do Código Civil em 1977 era indubitável que, em casa, era o homem que mandava, sem hipótese de protesto da mulher, já que a lei não estava do seu lado. O “poder marital” foi substituído pelo conceito de “deveres de cooperação”. Passou então a ditar que “o dever de cooperação importa para os cônjuges a obrigação de socorro e auxílio mútuos e a de assumirem em conjunto as responsabilidades inerentes à vida da família que fundaram”.
Sendo certo que o Código Civil de 1966, que vigorou entre 1967 e o final dos anos 70 recuou na igualdade que tinha sido garantida nas Leis da Família em 1910; logo após a implantação da República, as mulheres portuguesas passaram a ter novos direitos, como, por exemplo, os maridos deixaram de poder obrigá-las a regressar ao domicílio conjugal; elas continuaram a ter de adotar a residência dos maridos e a ter de segui-los, situação que veio a mudar em 1977. Entre outras alterações, o divórcio foi legalizado em Portugal em 1910, atribuindo o mesmo peso ao adultério deles e delas. A virgindade das mulheres, que podia ser motivo para anular uma união, só desapareceu do Código Civil em 1977.
Com o Estado Novo, houve mais retrocessos que avanços. O direito de voto às mulheres foi concedido nos anos 30 do século XX, mas no entanto tinham que ter estudos secundários, enquanto aos homens “bastava saber ler e escrever”. Só com o 25 de Abril foi conseguido o voto universal, garantido nas primeiras eleições livres. Muitas outras alterações houve que não cabem neste espaço.
Mas falemos ainda da mulher, que, segundo o escritor Honoré de Balzac, “É o ser mais perfeito entre as criaturas; é uma criação transitória entre o homem e o anjo”; ou, segundo o escritor Jack London, “O homem distingue-se dos outros animais por ser o único que maltrata a sua fêmea”; ou na forma humorística do ator Marcel Achard: “Quando mais gosto das mulheres é quando beijam, porque então têm de estar caladas”, não esquecendo o dramaturgo William Shakespeare que refere “Quando uma rapariga diz ‘não’ com humildade, deseja que isso se entenda como um ‘sim’ ”.
De Norte a Sul do País debateu-se, em várias vertentes, e com vários apoios, a condição das mulheres, algumas sob o mote “Não Me Calo”.
E as suas justas reivindicações, ao longo dos tempos, têm paulatinamente sido conseguidas. Pois o que começou – Dia Internacional da Mulher – “como homenagem à greve organizada em 1908 pela União Internacional das trabalhadoras do setor de vestuário nos Estados Unidos é hoje uma oportunidade para as mulheres de todo o mundo demonstrarem o seu empenho na igualdade política, económica e social”.
Ainda que Portugal esteja entre os melhores países da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico – para as mulheres trabalharem, no que toca à igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, elas ainda ganham menos dois salários do que eles, tendo em conta, entre outras situações, que os homens ganham mais 16,7% do que as mulheres, com um caminho a percorrer até à meta da igualdade ainda longo, segundo dados do Eurostat.
Muitos avanços já foram conseguidos, como nas vinte maiores empresas cotadas na bolsa de valores de Lisboa – PSI-20, as quais têm de integrar 20 mulheres na gestão.
E elas são algumas das mulheres mais poderosas do mundo, segundo a crítica, ainda que discutível nalguns casos: Merkel. Chanceler alemã que manda na Europa; Theresa May. A mulher à frente do Brexit no Reino Unido; Isabel dos Santos. Empresária com fama de ser dura a negociar; Christine Lagarde. Diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI); Aung San Suu Kyi. A mulher de ferro da Birmânia. Angelina Jolie. Atriz e ativista; Marine Le Pen. Candidata  presidencial francesa e líder do partido de extrema-direita Frente Nacional; Janet Yellen. Americana, Presidente da Reserva Federal; Federica Mogherini. Alta representante da União Europeia para a Política Externa; Helen Clark. Administradora do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Park Geun-hye. Presidente da Coreia do Sul. Sheryl Sandberg. Diretora de operações do Facebook; Mary Barra. Presidente da General Motors (GM); Ana Patricia Botín. Presidente do grupo Santander; Marissa Mayer. Presidente da Yahoo; Nicola Sturgeon. Primeira Ministra da Escócia; Ginni Rometty. CEO da IBM; Indra Nooyi. CEO da PepsiCo; Paula Amorim. É a nova chairwoman da Galp.


(In "Fórum Covilhã", de 14/03/2017)