8 de agosto de 2017

Uf!

Cheguei a este oitavo dia do oitavo mês do ano dois mil e dezassete da era de Cristo sem uma pinga de inspiração. Tal a caloraça e a seca. Que isto de noticiários vão sendo mesmo uma autêntica seca. A repetição das notícias do mesmo teor – incêndios, roubo de armas, aviões que matam pessoas na praia, para se voltar a uma retrospetiva de outros incêndios já passados, como o das Andanças – já que os drones, por enquanto, deixaram de nos assustar. Mas lamentando não se ter mão nesta gravíssima crise da proteção civil, das comunicações especiais – uma tal dona Siresp – que não funcionam, quando, na hora h, se deduzia que havia ali aquela ajuda salvífica. Mas não! A responsável pelo Ministério da Administração Interna onde estava? Aqui, falar sobre este assunto, tão badalado, é também já uma outra seca.
Até para o título desta crónica saiu uma expressão onomatopeica. Vamos continuar.
Considerando que está a decorrer a 79.ª Volta a Portugal em Bicicleta, volta-se a minha tardia inspiração para além-fronteiras (incluindo as imaginárias), e vemos que a palavra da atualidade – populismo – em Portugal continua impopular. É, pois, um olhar sobre este fenómeno que especialistas e comentadores internacionais se espantam com a falta de uma força populista relevante no nosso país. Segundo o jornalista António Rolo Duarte, do Público, “Na União Europeia, há mesmo apenas dois países onde o populismo continua a passar à margem a nível nacional. Portugal é um deles (o outro é Malta)”.
O deslumbramento com a normal discussão política entre os portugueses, ausentando-se do populismo, tem merecido especial atenção por parte de uma imprensa estrangeira. Dizem que se vive por cá como um “oásis de estabilidade”. Já António Guterres, no princípio deste ano, referiu-se assim: “Um grande orgulho, Portugal, um país onde o populismo não dá votos”.
A exceção portuguesa pode ser vista como um fenómeno positivo para o país. “O populismo tem como base uma divisão clara da sociedade em dois grupos homogéneos – as elites, que são inerentemente corruptas, e por isso devem ser excluídas, e o povo, que é puro e cuja vontade deve ser tomada como lei. Não é uma ideologia negativa em si”.
Se verificarmos, Nelson Mandela, por exemplo, usou o populismo para fins nobres.
Ideias comuns como o “país dos brandos costumes”, ou opiniões sobre o sucesso da “geringonça” terão servido para justificar um fenómeno que não é simples. Também a ausência de um aumento súbito de população estrangeira desde 1976, de números significativos de refugiados, e de crimes mediáticos associados à imigração (caso do terrorismo) leva as gentes portuguesas a não se sentirem ameaçadas. Apenas quatro por cento dos portugueses veem a imigração como um dos principais problemas do país (a média europeia é de 26 por cento). Portugal tem a segunda taxa de imigração mais baixa da UE.
Contudo, a usurpação da História, para fins populistas, colide em obstáculos de grande importância, no caso português. Vejamos: na memória coletiva, a nostalgia que envolve o império além-mar perde lugar para o grande trauma provocado pela Guerra Colonial. Deu assim ideia de um império com uma perceção negativa. O discurso nacionalista é hoje associado à opressão, à injustiça legal e social, e acima de tudo ao subdesenvolvimento que caraterizaram o Estado Novo.
Cá, no seio das nossas gentes, só nas últimas décadas António Marinho e Pinto teve algum sucesso com uma política populista. Foi uma situação episódica que se abateu em grande parte devido à sua inconsistência ao nível da presença política e desorganização em termos de dinâmica partidária. Muito mais haveria a dizer sobre populismo, mas importante é referir que a ilusão política portuguesa tem reduzido espaço para um novo partido. Da extrema-esquerda à direita temos cinco partidos sólidos, que ocupam bem o espaço ideológico. E, assim, o nosso país continua a ser exceção, numa Europa cada vez mais radical – um espaço onde o populismo é tudo menos popular.
Com tudo o que se tem passado, como atrás referido, o Governo passou um mau bocado, mas não parece atingido na sua popularidade nem na sua força política. Aliás, no plano estritamente político, pensamos que o país está parado. Não há nas três forças políticas que suportam o Governo nenhum movimento interior que conteste a atual aliança. Assim, vamos entrar na silly season.
Começam, no entanto, a soltarem-se os nomes dos integrantes das listas de cada candidato às autárquicas.

Lá para setembro será o foguetório antecipado de alguns, na presunção de que os foguetes não lhes rebentam nas mãos; para outros, a esperança de encontrar um lugarzinho na vereação. Das canas dos foguetes vão sair miríades de promessas. Esperamos, pelo menos, que algumas sejam cumpridas, no seu devido lugar.

(In "Fórum Covilhã", de 08-08-2017)

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