Está sendo comemorado o centenário da Biblioteca
Municipal da Covilhã, que fora então uma lufada de ar fresco que as gentes
covilhanenses quiseram dar à cultura citadina, no decorrer da primeira guerra
mundial, em tempo de acentuada iliteracia (47 por cento era a percentagem de
analfabetos entre os emigrantes, com 54 por cento de homens).
Sete anos após a implantação
da República; no meio de uma crise política em que o Presidente da Câmara era José
Maria de Melo Geraldes, e Veríssimo Alfredo de Sousa Brás, na renovação da
Comissão Executiva; a Biblioteca Municipal da Covilhã abriu ao público em 23 de
julho de 1917 conforme consta da 24ª sessão da Comissão Executiva, dirigida por
Fernando Henriques da Cruz (embora tenha sido fundada em 1916).
A Covilhã dos lanifícios,
penalizada pelas crises, e com alguns dos seus filhos a participarem na 1.ª
Grande Guerra (saindo do Regimento de Infantaria 21, sediado na Covilhã), não
soçobrava, e, naqueles tempos em que o futebol ainda só espreitava oportunidade
de surgir por estas bandas, já existiam homens de grande talento e assaz
dinamismo que enobreceram a Covilhã; como José Maria de Campos Melo, quer na
direção da empresa de lanifícios – Fábrica Velha –quer como Comandante dos
Bombeiros da Covilhã, e que, à data de 1917 era professor na Escola Industrial
(depois de ter sido o 2.º diretor, interino), fundada por seu pai, José Maria Veiga
da Silva Campos Melo.
Também já existia uma
importante biblioteca na Covilhã; pertencente à Real Associação da Infância
Desvalida, mais tarde designada Associação Protetora da Infância da Covilhã,
mais conhecida por Asilo; que se chamou “Biblioteca Heitor Pinto”. Funcionou
numa dependência desta Associação, tendo sido inaugurada em 4 de junho de 1882.
Ainda conheci esta biblioteca, atualmente integrada na Biblioteca Municipal, uma
vez que foi no Asilo onde eu frequentei o ensino primário, então destinado a
escola primária, até ao ano de 1986. Foi, na altura, uma das mais importantes
bibliotecas do País, a seguir a Lisboa, Porto e Coimbra.
Se quando se abriram as portas
da Biblioteca da Covilhã, situada nas antigas escolas centrais, se denominou
Biblioteca Popular, nessa altura com um acervo de 2350 volumes, passados pouco
mais de três meses, a 4 de outubro, já se passava a chamar Biblioteca
Municipal. E foi a cidade laneira que viria a ser dos primeiros municípios a
ver instituída uma biblioteca pública, tendo em conta que, no pós-guerra, em
1919, existiam em Portugal apenas 68 bibliotecas municipais.
Uma das ideias subjacentes à
criação da Biblioteca da Covilhã foi dar oportunidade aos operários da Cidade
para desenvolverem os seus hábitos de leitura, tendo-se inicialmente
introduzido horários de abertura da biblioteca condizentes com essa
possibilidade.
Volvida menos de uma década,
em 31/12/1926, a Biblioteca possuía 5470 volumes, tendo tido 3348 leitores e
3705 volumes consultados, sendo considerada uma das melhores bibliotecas do País.
Num meu artigo publicado no Notícias da Covilhã, há 25 anos, mais
propriamente em 13/11/1992, o qual encontrei inserido na exposição documental e
fotográfica que se encontra patente na Biblioteca Municipal, dava nota de
algumas iniciativas da mesma, dos primeiros anos, muito por iniciativa do seu
primeiro bibliotecário, Nicolau Alberto
Ferreira Almeida (julho de 1917 a 30 de novembro de 1947), entre as quais, em
28/02/1926, o anúncio da “inscrição do
primeiro grupo dos Amigos da Biblioteca”, classificados em ordinários,
auxiliares e beneméritos.
Em 31/05/1928, a Biblioteca já
possuía 6515 volumes, e, das 61 Bibliotecas Municipais existentes no País, em
1926, segundo a estatística oficial daquele ano, a Biblioteca Municipal da
Covilhã ocupava o 6.º lugar em volumes consultados, o 7.º em leitores e o 16.º em
volumes existentes.
Convém notar que a população
portuguesa, que em 1890 era de cerca de 5 milhões, aumentou para cerca de 6
milhões em 1920. O pequeno crescimento entre 1911 e 1920 foi devido a três
fatores: emigração, pneumónica e guerra. A população trabalhadora constituía 47
por cento em 1920. Na distribuição da força do trabalho nos diferentes setores
da economia, verifica-se que na indústria trabalhavam 24 por cento em 1920. Em
1917, as taxas de natalidade e mortalidade, correspondiam, respetivamente, a
30,45 e 21,54 por cento, sendo de notar que a mortalidade infantil se situava
nos 41,8. O destino dos emigrantes era principalmente o Brasil e os Estados
Unidos da América. Em 1917, a emigração atingia o número de 15.689.
A percentagem de analfabetos
entre emigrantes decresceu, depois da guerra, num ritmo mais elevado que a taxa
geral de analfabetismo, o que pode indicar uma alteração qualitativa dos
emigrantes. Significa que Portugal estava a perder os trabalhadores mais
qualificados.
As escolas primárias eram de 6500
em 1916, 6900 em 1920 e cerca de 7000 em 1925. A taxa de analfabetismo apenas
diminuiu de 69 por cento em 1910 para 64 por cento em 1920.
O setor industrial tinha uma
definição muito mais ampla do que hoje. Artesãos e pequenas oficinas eram
incluídos, assim como outros trabalhadores não empregados em fábricas. A indústria
portuguesa, com uma fraca estrutura, dependia do capital estrangeiro,
principalmente do inglês. Em 1910, os têxteis constituíam a principal atividade
industrial no País, sempre mais acentuadamente na Covilhã, mas não tinham
grande peso no valor das exportações. No entanto, os têxteis desenvolveram-se
durante o período de 1910/1926, de tal modo que em 1914 havia 40.000
trabalhadores no setor e 60.000 em 1930.
Atualmente somos 10.358.100
almas, pelo Censos de 2011. A Covilhã tem 51.797. Quanto a analfabetismo,
felizmente, o assunto está de longe diferente para melhor. Não se registam
analfabetos (ainda os há…) mas em 2011 registava-se 5,2 por cento.
Foi na Biblioteca Municipal da
Covilhã, então sediada ao Jardim Público, que passei a minha infância e
juventude até completar os estudos. Lá trabalhava meu Pai, José Martins Nunes,
funcionário zeloso, sobejamente conhecido, desde 13/11/1950 a 21/03/1980,
muitas vezes substituindo as bibliotecárias. A primeira bibliotecária
licenciada foi a Drª. Maria José Borges, que, conjuntamente com José Martins
Nunes, estiveram na reabertura ao público da Biblioteca Municipal, no dia 1 de
setembro de 1952, com o seguinte horário: abertura – 16 horas; encerramento: 19
horas; reabertura: 20 horas; encerramento: 23 horas. Esta bibliotecária, que conheci, esteve ao
serviço da biblioteca, mesmo antes da abertura, na sua fase de catalogação e
outros trabalhos preliminares, desde 9/11/1950 a 30/09/1957. Tinha assim havido
um interregno com a Biblioteca encerrada, por falta de bibliotecário.
Houve depois doações de
bibliotecas particulares, com relevo para a do Dr. Júlio de Melo e Matos, da
Quinta da Lageosa, em 1952, composta por 5801 obras em 9394 volumes, para além
de algum mobiliário constituído por mesas e cadeiras, com o nome Qta da
Lageosa, que durante muitos anos integravam uma sala quase exclusiva. Ao longo
dos tempos, várias têm sido as doações feitas à Biblioteca Municipal, tendo eu
também feito uma doação de 26 compilações, em 12/12/2008, que se encontram para
consulta no Arquivo Municipal, para além dos livros já publicados que se
encontram na Biblioteca.
Em 1961, o criador e diretor
do serviço de bibliotecas itinerantes e fixas da Fundação Calouste Gulbenkian,
António José Branquinho da Fonseca, deslocou-se à edilidade covilhanense para
um acordo da vinda de uma Biblioteca itinerante. Desse acordo resultou a
viabilização de um orçamento da edilidade covilhanense e a Fundação Calouste
Gulbenkian concedeu a título de empréstimo um lote de livros e o respetivo
mobiliário.
A Biblioteca Itinerante n.º 36
da Fundação Calouste Gulbenkian desocupou a Biblioteca Municipal em 12/12/1962;
e a Biblioteca fixa da mesma Fundação Calouste Gulbenkian começou a funcionar
no dia 16 de maio de 1967. Veio inaugurá-la, na sala de leitura, o Dr. António
Quadros. Em 1970, a Biblioteca Municipal tinha anexa, a si, a biblioteca fixa
desta Fundação. Funcionavam em simultâneo, com turnos diferentes. Contavam-se,
nesta altura, com 26 mil obras, sendo que 20 mil era pertença da Biblioteca
Municipal. Os leitores também aumentaram, nesta década, para cerca de 10 mil.
A Biblioteca Municipal foi
visitada, ainda em 1952, pelo Subsecretário da Educação Nacional, e, no dia
23/12/1959, pelo Inspetor Superior de Bibliotecas e Arquivos, Dr. Luís
Silveira.
A segunda bibliotecária, Drª.
Maria Celeste de Moura, entrou ao serviço da Biblioteca em 12/11/1957 até 1 de
julho de 1987.
Desde 2000 que a Biblioteca
Municipal da Covilhã foi transferida para um novo edifício, construído de raiz
para o efeito, com todas das condições, Internet e salas próprias para estudos,
conferências, colóquios, etc. O fundo documental é constituído por cerca de 90
mil volumes. Portanto, para além de um local nobre da cidade, a sua instalação
também num edifício moderno e sofisticado, com vistas privilegiadas na
panorâmica da Serra da Estrela e do desenvolvimento da Cidade.
( In "Notícias da Covilhã" , de 20/07/2017 (I); e "Notícias da Covilhã, de 27/07/2017 (II)
Sem comentários:
Enviar um comentário