26 de julho de 2017

OS 100 ANOS DA BIBLIOTECA MUNICIPAL DA COVILHÃ

Está sendo comemorado o centenário da Biblioteca Municipal da Covilhã, que fora então uma lufada de ar fresco que as gentes covilhanenses quiseram dar à cultura citadina, no decorrer da primeira guerra mundial, em tempo de acentuada iliteracia (47 por cento era a percentagem de analfabetos entre os emigrantes, com 54 por cento de homens).
Sete anos após a implantação da República; no meio de uma crise política em que o Presidente da Câmara era José Maria de Melo Geraldes, e Veríssimo Alfredo de Sousa Brás, na renovação da Comissão Executiva; a Biblioteca Municipal da Covilhã abriu ao público em 23 de julho de 1917 conforme consta da 24ª sessão da Comissão Executiva, dirigida por Fernando Henriques da Cruz (embora tenha sido fundada em 1916).
A Covilhã dos lanifícios, penalizada pelas crises, e com alguns dos seus filhos a participarem na 1.ª Grande Guerra (saindo do Regimento de Infantaria 21, sediado na Covilhã), não soçobrava, e, naqueles tempos em que o futebol ainda só espreitava oportunidade de surgir por estas bandas, já existiam homens de grande talento e assaz dinamismo que enobreceram a Covilhã; como José Maria de Campos Melo, quer na direção da empresa de lanifícios – Fábrica Velha –quer como Comandante dos Bombeiros da Covilhã, e que, à data de 1917 era professor na Escola Industrial (depois de ter sido o 2.º diretor, interino), fundada por seu pai, José Maria Veiga da Silva Campos Melo.
Também já existia uma importante biblioteca na Covilhã; pertencente à Real Associação da Infância Desvalida, mais tarde designada Associação Protetora da Infância da Covilhã, mais conhecida por Asilo; que se chamou “Biblioteca Heitor Pinto”. Funcionou numa dependência desta Associação, tendo sido inaugurada em 4 de junho de 1882. Ainda conheci esta biblioteca, atualmente integrada na Biblioteca Municipal, uma vez que foi no Asilo onde eu frequentei o ensino primário, então destinado a escola primária, até ao ano de 1986. Foi, na altura, uma das mais importantes bibliotecas do País, a seguir a Lisboa, Porto e Coimbra.
Se quando se abriram as portas da Biblioteca da Covilhã, situada nas antigas escolas centrais, se denominou Biblioteca Popular, nessa altura com um acervo de 2350 volumes, passados pouco mais de três meses, a 4 de outubro, já se passava a chamar Biblioteca Municipal. E foi a cidade laneira que viria a ser dos primeiros municípios a ver instituída uma biblioteca pública, tendo em conta que, no pós-guerra, em 1919, existiam em Portugal apenas 68 bibliotecas municipais.
Uma das ideias subjacentes à criação da Biblioteca da Covilhã foi dar oportunidade aos operários da Cidade para desenvolverem os seus hábitos de leitura, tendo-se inicialmente introduzido horários de abertura da biblioteca condizentes com essa possibilidade.
Volvida menos de uma década, em 31/12/1926, a Biblioteca possuía 5470 volumes, tendo tido 3348 leitores e 3705 volumes consultados, sendo considerada uma das melhores bibliotecas do País.
Num meu artigo publicado no Notícias da Covilhã, há 25 anos, mais propriamente em 13/11/1992, o qual encontrei inserido na exposição documental e fotográfica que se encontra patente na Biblioteca Municipal, dava nota de algumas iniciativas da mesma, dos primeiros anos, muito por iniciativa do seu primeiro bibliotecário,  Nicolau Alberto Ferreira Almeida (julho de 1917 a 30 de novembro de 1947), entre as quais, em 28/02/1926, o anúncio da  “inscrição do primeiro grupo dos Amigos da Biblioteca”, classificados em ordinários, auxiliares e beneméritos.
Em 31/05/1928, a Biblioteca já possuía 6515 volumes, e, das 61 Bibliotecas Municipais existentes no País, em 1926, segundo a estatística oficial daquele ano, a Biblioteca Municipal da Covilhã ocupava o 6.º lugar em volumes consultados, o 7.º em leitores e o 16.º em volumes existentes.
Convém notar que a população portuguesa, que em 1890 era de cerca de 5 milhões, aumentou para cerca de 6 milhões em 1920. O pequeno crescimento entre 1911 e 1920 foi devido a três fatores: emigração, pneumónica e guerra. A população trabalhadora constituía 47 por cento em 1920. Na distribuição da força do trabalho nos diferentes setores da economia, verifica-se que na indústria trabalhavam 24 por cento em 1920. Em 1917, as taxas de natalidade e mortalidade, correspondiam, respetivamente, a 30,45 e 21,54 por cento, sendo de notar que a mortalidade infantil se situava nos 41,8. O destino dos emigrantes era principalmente o Brasil e os Estados Unidos da América. Em 1917, a emigração atingia o número de 15.689.
A percentagem de analfabetos entre emigrantes decresceu, depois da guerra, num ritmo mais elevado que a taxa geral de analfabetismo, o que pode indicar uma alteração qualitativa dos emigrantes. Significa que Portugal estava a perder os trabalhadores mais qualificados.
As escolas primárias eram de 6500 em 1916, 6900 em 1920 e cerca de 7000 em 1925. A taxa de analfabetismo apenas diminuiu de 69 por cento em 1910 para 64 por cento em 1920.
O setor industrial tinha uma definição muito mais ampla do que hoje. Artesãos e pequenas oficinas eram incluídos, assim como outros trabalhadores não empregados em fábricas. A indústria portuguesa, com uma fraca estrutura, dependia do capital estrangeiro, principalmente do inglês. Em 1910, os têxteis constituíam a principal atividade industrial no País, sempre mais acentuadamente na Covilhã, mas não tinham grande peso no valor das exportações. No entanto, os têxteis desenvolveram-se durante o período de 1910/1926, de tal modo que em 1914 havia 40.000 trabalhadores no setor e 60.000 em 1930.
Atualmente somos 10.358.100 almas, pelo Censos de 2011. A Covilhã tem 51.797. Quanto a analfabetismo, felizmente, o assunto está de longe diferente para melhor. Não se registam analfabetos (ainda os há…) mas em 2011 registava-se 5,2 por cento.
Foi na Biblioteca Municipal da Covilhã, então sediada ao Jardim Público, que passei a minha infância e juventude até completar os estudos. Lá trabalhava meu Pai, José Martins Nunes, funcionário zeloso, sobejamente conhecido, desde 13/11/1950 a 21/03/1980, muitas vezes substituindo as bibliotecárias. A primeira bibliotecária licenciada foi a Drª. Maria José Borges, que, conjuntamente com José Martins Nunes, estiveram na reabertura ao público da Biblioteca Municipal, no dia 1 de setembro de 1952, com o seguinte horário: abertura – 16 horas; encerramento: 19 horas; reabertura: 20 horas; encerramento: 23 horas.  Esta bibliotecária, que conheci, esteve ao serviço da biblioteca, mesmo antes da abertura, na sua fase de catalogação e outros trabalhos preliminares, desde 9/11/1950 a 30/09/1957. Tinha assim havido um interregno com a Biblioteca encerrada, por falta de bibliotecário.
Houve depois doações de bibliotecas particulares, com relevo para a do Dr. Júlio de Melo e Matos, da Quinta da Lageosa, em 1952, composta por 5801 obras em 9394 volumes, para além de algum mobiliário constituído por mesas e cadeiras, com o nome Qta da Lageosa, que durante muitos anos integravam uma sala quase exclusiva. Ao longo dos tempos, várias têm sido as doações feitas à Biblioteca Municipal, tendo eu também feito uma doação de 26 compilações, em 12/12/2008, que se encontram para consulta no Arquivo Municipal, para além dos livros já publicados que se encontram na Biblioteca.
Em 1961, o criador e diretor do serviço de bibliotecas itinerantes e fixas da Fundação Calouste Gulbenkian, António José Branquinho da Fonseca, deslocou-se à edilidade covilhanense para um acordo da vinda de uma Biblioteca itinerante. Desse acordo resultou a viabilização de um orçamento da edilidade covilhanense e a Fundação Calouste Gulbenkian concedeu a título de empréstimo um lote de livros e o respetivo mobiliário.
A Biblioteca Itinerante n.º 36 da Fundação Calouste Gulbenkian desocupou a Biblioteca Municipal em 12/12/1962; e a Biblioteca fixa da mesma Fundação Calouste Gulbenkian começou a funcionar no dia 16 de maio de 1967. Veio inaugurá-la, na sala de leitura, o Dr. António Quadros. Em 1970, a Biblioteca Municipal tinha anexa, a si, a biblioteca fixa desta Fundação. Funcionavam em simultâneo, com turnos diferentes. Contavam-se, nesta altura, com 26 mil obras, sendo que 20 mil era pertença da Biblioteca Municipal. Os leitores também aumentaram, nesta década, para cerca de 10 mil.
A Biblioteca Municipal foi visitada, ainda em 1952, pelo Subsecretário da Educação Nacional, e, no dia 23/12/1959, pelo Inspetor Superior de Bibliotecas e Arquivos, Dr. Luís Silveira.
A segunda bibliotecária, Drª. Maria Celeste de Moura, entrou ao serviço da Biblioteca em 12/11/1957 até 1 de julho de 1987.

Desde 2000 que a Biblioteca Municipal da Covilhã foi transferida para um novo edifício, construído de raiz para o efeito, com todas das condições, Internet e salas próprias para estudos, conferências, colóquios, etc. O fundo documental é constituído por cerca de 90 mil volumes. Portanto, para além de um local nobre da cidade, a sua instalação também num edifício moderno e sofisticado, com vistas privilegiadas na panorâmica da Serra da Estrela e do desenvolvimento da Cidade.

( In "Notícias da Covilhã" , de 20/07/2017 (I); e "Notícias da Covilhã, de 27/07/2017 (II)

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