Umas cervejas no Celso.
Acompanham umas moelas ou umas palitadas. E, vai daí, o tempo que passa vai desenferrujando a língua com o
José Augusto, e outros de companhia ou de ocasião. Por vezes, o telemóvel
vem desassossegar. Ou interromper a conversa da ferrugem que por aí vai
grassando: no país, na região, no nosso meio.
Até se fala da oxidação que, imaginados
bem-falantes desta terra, vão deixando nas redes sociais; pensando que os seus escritos
no Facebook estão providos da “solarine” que limpa as suas palavras ferrugentas,
como metais, mas de grossos erros ortográficos, de pontuação, de iliteracia. Como
sói dizer-se: de caixão à cova. Mas surgem imponentes no meio social, sem
vergonha. Qual quê? Os ensinamentos não foram o suficiente, os cuidados com o
oxigénio e a água foram poucas. Resultado: a ferrugem!...
Mas, atenção, é que o trigo
está mesmo a ser ameaçado pelas ferrugens de todo o mundo. Em Portugal, esta
doença fúngica – ferrugem-negra-do-trigo – não ocorre com frequência, mas a Península
Ibérica já sofreu uma epidemia de ferrugem-amarela-do-trigo, que também afeta
este cereal. É uma ameaça à produção de alimentos e aos meios de subsistência
de pequenos agricultores. Já em 2013 e 2014, Portugal havia sofrido uma
epidemia causada por uma outra estirpe de ferrugem-amarela. A FAO já alertou
para a necessidade de vigiar os países da Europa e do Norte de África, para se
evitarem epidemias das ferrugens do trigo.
Mas, um outro tipo de ferrugem
aconteceu, melhor, foi retirada, volvidos cem anos, do soldado João Ferreira de
Almeida, condutor do Corpo Expedicionário Português, fuzilado aos 23 anos, em
1917, em teatro de guerra, julgado incorretamente por traição à Pátria. Foi
agora reabilitado o último condenado à morte, como militar, pelo Estado
português, permitindo a reintegração entre aqueles cuja memória é recordada nas
cerimónias da evocação da 1.ª Guerra Mundial, revelou o Conselho de Ministros,
em comunicado recente (O Combatente, setembro
2017).
A este respeito, é oportuno recordar
que foi há 150 anos que Portugal dava o exemplo que a Europa iria imitar. Em
1867, o rei D. Luís oficializava a abolição da pena de morte, tornando Portugal
o primeiro grande Estado europeu a fazê-lo. O último condenado, assim como o
padre que o confortava, acabariam por morrer no dia 16 de março de 1842, ou
seja, 25 anos antes da abolição da pena de morte, face à “ferrugem” que não
largava a sentença da justiça dos europeus em situações consideradas mais
graves. Mostrava-se, assim, que este tipo de acontecimento já chocava a
população portuguesa e estava abolida na consciência social. Eram uma hora e um
quarto daquela data, segundo o Diário de
Lisboa, em 1922, quando estava o condenado Matos Lobo, de frente para o rio
Tejo com a corda ao pescoço, preparado para a sentença que lhe fora aplicada,
quando se dá “um incidente singular”, segundo relatam cronistas da época. “O
prior de Marvão procura reconfortar o condenado, mas, subitamente, cai morto.
Fulminado por uma apoplexia. Eleva-se um grande clamor na multidão e o corpo do
sacerdote é imediatamente retirado na cadeira onde viera o condenado” (Público, de 24/4/2017).
Quem das palavras se desenferruja,
e se abrilhanta nos afetos, é o presidente Marcelo, contra o populismo. Que, lá
isso da oxidação, não se consegue livrar Sócrates, acusado de mais de 30
crimes. Vejamos nesta que foi a construção de uma rede de influências até às
mais altas instâncias do Estado, sem que houvesse qualquer mecanismo de
controlo capaz de detetar e eliminar em tempo útil a ferrugem que já se ia
acumulando, como a nomeação de gente sem currículo para a administração da CGD.
E não havia ninguém no Governo, na própria imprensa, na oposição ou na
procuradoria que as conseguisse deslindar. E, segundo Pacheco Pereira, “o mundo é hoje
mais perigoso do que era porque a qualidade dos que mandam baixou
significativamente”.
Para algumas gentes
além-fronteiras, mesmo as já inexistentes, Portugal ainda não é conhecido,
imagine-se! O português mais conhecido no mundo continua a ser um jogador de
futebol. Sou testemunha disso, por duas vezes, em Israel, quando nos
perguntavam, quer judeus, quer palestinianos, donde éramos, e referíamos o nome
de Portugal, encolhiam os ombros. Ao falar no Cristiano Ronaldo, esse era, num
ápice, sobejamente conhecido. Sem pensamentos enferrujados!...
E não é que a sonda da NASA,
Cassini, depois de recolher dados na órbitra de Saturno e enviado
imagens inesquecíveis dos seus
anéis e luas, durante 13 anos, se despediu em definitivo, destruindo-se, em 15
de setembro deste ano, depois de em 15 de outubro de 1997 ter partido da base
espacial de Cabo Canaveral, na Florida (EUA) em direção a Saturno. Não oxidou,
cumpriu a missão que lhe destinaram.
Não falarei mais de ferrugem,
mas agora só de lixo. Portugal já não é “lixo”. Volta aos mercados e paga taxa
mais baixa da História a 10 anos, e com o desemprego do terceiro trimestre
deste ano a descer para 8,5%. O que é preciso é sair do “lixo” e não continuar
sujo. “Que se lixe o lixo”, assim eu
me referi numa crónica em 13-07-2011, e, como já o mandámos às malvas, e para o
rating que os parta, depois de cinco anos e meio enferrujados (lá voltei eu,
desculpem!...), vamos estar atentos e conscientes da missão que nos cabe de
podermos passar a ser europeus de primeira, e não sulistas de segunda. Termino,
com as palavras de Carlos Pereira da Silva, in Público, de 18 de setembro: “Porque será que a mesma qualidade de
povo, quando emigra, se torna miraculosamente produtiva? Lá fora somos
bestiais, cá dentro somos bestas!”.
(In "fórum Covilhã", de 14-11-2017)
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