Não hajam dúvidas, o ano que
findou mostrou-nos duas facetas bem distintas na sua rotação dos 365 dias. E
entre o copo meio cheio ou o copo meio vazio não podemos deixar de nos firmar
na realidade dos acontecimentos surgidos; uns, excessivamente otimistas;
outros, justificadamente pessimistas.
Comecemos pelos primeiros.
2017 foi o ano em que a economia cresceu mais do que o previsto, o desemprego
continuou a baixar e os juros da dívida caíram a pique. Portugal conseguiu dar
um pontapé nas agências de rating, e
lá saiu do lixo. Ainda neste ano, António Guterres subiu ao mais alto galarim
duma organização mundial, tomando posse como secretário-geral das Nações
Unidas. Já Mário Centeno conseguiu a sua eleição para presidente do Eurogrupo. Não
bastassem estas boas notícias, ainda assim 2017 foi o ano em que Portugal foi
eleito como o melhor destino turístico do mundo. Em relação a décadas atrás
isto não passaria de um sonho.
O grande problema é que
Portugal não tem apenas um défice para corrigir, mas muitos mais, e muito
sérios.
Quanto aos segundos, não
podemos deixar de sentir profundamente a amargura pelo que também se passou no
ano 2017, longe, muito longe de alguma vez ser pensada. Foram os incêndios de
Pedrógão Grande e em muitas outras terras deste Portugal em destruição continuada,
como se viu. Foram mais de uma centena de pessoas que perderam a vida nos
fogos, em situações horríveis, para além dos que perderam todos os seus
haveres, casas, animais, campos, florestas, e a sua própria dignidade. A falta
de meios humanos, técnicos, e de competência, sobre o combate aos incêndios, e
da Proteção Civil, deixaram muito a desejar, ao longo de décadas, e, depois, as
culpas são sempre atiradas de uns para os outros, já que a reforma da floresta
tem sido sempre adiada.
Até os nossos militares
passaram a integrar o anedotário português com o assalto aos paióis de Tancos.
Seria impensável nas nossas consciências, mas o que é certo e verdade é que tal
sucedeu. Onde está a nossa segurança? Em quem devemos confiar? E, depois, a
palavra muitas vezes dita duma forma hostil – a vergonha nacional – foi ainda
ser possível em 2017 entrar num hospital público com uma doença e morrer de
outra, provocada pelo próprio hospital. Outro aspeto lamentável é descobrirmos
que as instituições de solidariedade social, que todos nós ajudámos a financiar
se transformaram, quantas vezes, em instituições de solidariedade pessoal.
Valha-nos o Presidente-Rei,
como agora alguns chamam a Marcelo, seguindo o que teve esse primeiro cognome,
ou seja, Sidónio Pais, no poema-elogio fúnebre de Fernando Pessoa. É que, o
queixume sobre a paciência dos portugueses para o ver neste permanente vaivém de
beijos, abraços, selfies e outros
afetos tornou-se numa banalidade que já ninguém o ouve. Este excesso de
protagonismo no drama dos incêndios “converteu-se numa espécie de capricho de
intelectuais que o povo sereno e carente de proximidade não tem paciência para
levar a sério”. Marcelo tem sido, de facto, o principal garante da estabilidade
política que o país viveu nestes últimos dois anos, depois da traumática
experiência do ajustamento e da troika. Chegou mesmo ao ponto de ultrapassar o
Governo como no caso dos sem-abrigo, em que pediu muito mais apoio para estes.
E nãos deixemos de recordar quando Marcelo assumiu o papel de supremo
magistrado disposto a atuar sempre que o Governo se punha a assobiar para o
lado em momentos de profunda comoção coletiva, como aconteceu depois da segunda
vaga de incêndios dramáticos em outubro. É por isso que o exuberante otimismo
de António Costa necessita de ser travado.
2017 fica também marcado pela
superficialidade com que os políticos têm governado o país, sem preocupação nem
interesse em salvaguardar o bem-estar e a vida de todos os que moram em
qualquer parte de Portugal.
Para terminar o ano sem o
colorido político, lá tinha que acontecer mais uma falcatrua daqueles em quem
os portugueses devíam confiar, e que, a partir de agora, ficam sempre, sobre
eles, de pé atrás, sempre, porque não há que confiar em nenhuns. Há, sim, que
exigir e provar. Estar sempre atentos para com os bem-falantes, os que nos
querem fazer passar por ingénuos, talvez por ignorantes quando a democracia
implantada em Portugal já leva mais de quatro décadas.
A indignação foi geral nos conceituados
jornalistas dos principais órgãos da comunicação social. O indigno espetáculo
clandestino que a classe política portuguesa acabou por dar nos últimos dias
que restavam para o final de 2017, teve a agravante de, no segredo dos deuses, se
verificar que já se arrastava a negociata do financiamento partidário aprovada
às escondidas, e já vinha de há muitos meses. Excetuando o PAN e o CDS, todos
os demais partidos portugueses não recearam e se expuseram ao escândalo perante
os seus próprios eleitores, a opinião pública em geral e o regime democrático,
que já duvido que representem, ocultando, em segredo, um negócio para benefício
dos próprios. Como é que partidos que se enfrentam com agressividade e insultos
no Parlamento se mostraram tão amigos e colaborantes na defesa dos seus
próprios interesses? Esta classe política tem que se penitenciar. Esperemos que
o Presidente da República vete esta lei.
E, como o texto já vai longo,
vamos ficar por aqui, aguardando os acontecimentos. Muita coisa mais haveria a
dizer.
(In "fórum Covilhã", de 09/01/2018)