9 de janeiro de 2018

O PARADOXO DE PORTUGAL EM 2017

Não hajam dúvidas, o ano que findou mostrou-nos duas facetas bem distintas na sua rotação dos 365 dias. E entre o copo meio cheio ou o copo meio vazio não podemos deixar de nos firmar na realidade dos acontecimentos surgidos; uns, excessivamente otimistas; outros, justificadamente pessimistas.   
Comecemos pelos primeiros. 2017 foi o ano em que a economia cresceu mais do que o previsto, o desemprego continuou a baixar e os juros da dívida caíram a pique. Portugal conseguiu dar um pontapé nas agências de rating, e lá saiu do lixo. Ainda neste ano, António Guterres subiu ao mais alto galarim duma organização mundial, tomando posse como secretário-geral das Nações Unidas. Já Mário Centeno conseguiu a sua eleição para presidente do Eurogrupo. Não bastassem estas boas notícias, ainda assim 2017 foi o ano em que Portugal foi eleito como o melhor destino turístico do mundo.  Em relação a décadas atrás isto não passaria de um sonho.
O grande problema é que Portugal não tem apenas um défice para corrigir, mas muitos mais, e muito sérios.
Quanto aos segundos, não podemos deixar de sentir profundamente a amargura pelo que também se passou no ano 2017, longe, muito longe de alguma vez ser pensada. Foram os incêndios de Pedrógão Grande e em muitas outras terras deste Portugal em destruição continuada, como se viu. Foram mais de uma centena de pessoas que perderam a vida nos fogos, em situações horríveis, para além dos que perderam todos os seus haveres, casas, animais, campos, florestas, e a sua própria dignidade. A falta de meios humanos, técnicos, e de competência, sobre o combate aos incêndios, e da Proteção Civil, deixaram muito a desejar, ao longo de décadas, e, depois, as culpas são sempre atiradas de uns para os outros, já que a reforma da floresta tem sido sempre adiada.   
Até os nossos militares passaram a integrar o anedotário português com o assalto aos paióis de Tancos. Seria impensável nas nossas consciências, mas o que é certo e verdade é que tal sucedeu. Onde está a nossa segurança? Em quem devemos confiar? E, depois, a palavra muitas vezes dita duma forma hostil – a vergonha nacional – foi ainda ser possível em 2017 entrar num hospital público com uma doença e morrer de outra, provocada pelo próprio hospital. Outro aspeto lamentável é descobrirmos que as instituições de solidariedade social, que todos nós ajudámos a financiar se transformaram, quantas vezes, em instituições de solidariedade pessoal.
Valha-nos o Presidente-Rei, como agora alguns chamam a Marcelo, seguindo o que teve esse primeiro cognome, ou seja, Sidónio Pais, no poema-elogio fúnebre de Fernando Pessoa. É que, o queixume sobre a paciência dos portugueses para o ver neste permanente vaivém de beijos, abraços, selfies e outros afetos tornou-se numa banalidade que já ninguém o ouve. Este excesso de protagonismo no drama dos incêndios “converteu-se numa espécie de capricho de intelectuais que o povo sereno e carente de proximidade não tem paciência para levar a sério”. Marcelo tem sido, de facto, o principal garante da estabilidade política que o país viveu nestes últimos dois anos, depois da traumática experiência do ajustamento e da troika. Chegou mesmo ao ponto de ultrapassar o Governo como no caso dos sem-abrigo, em que pediu muito mais apoio para estes. E nãos deixemos de recordar quando Marcelo assumiu o papel de supremo magistrado disposto a atuar sempre que o Governo se punha a assobiar para o lado em momentos de profunda comoção coletiva, como aconteceu depois da segunda vaga de incêndios dramáticos em outubro. É por isso que o exuberante otimismo de António Costa necessita de ser travado.
2017 fica também marcado pela superficialidade com que os políticos têm governado o país, sem preocupação nem interesse em salvaguardar o bem-estar e a vida de todos os que moram em qualquer parte de Portugal.
Para terminar o ano sem o colorido político, lá tinha que acontecer mais uma falcatrua daqueles em quem os portugueses devíam confiar, e que, a partir de agora, ficam sempre, sobre eles, de pé atrás, sempre, porque não há que confiar em nenhuns. Há, sim, que exigir e provar. Estar sempre atentos para com os bem-falantes, os que nos querem fazer passar por ingénuos, talvez por ignorantes quando a democracia implantada em Portugal já leva mais de quatro décadas.
A indignação foi geral nos conceituados jornalistas dos principais órgãos da comunicação social. O indigno espetáculo clandestino que a classe política portuguesa acabou por dar nos últimos dias que restavam para o final de 2017, teve a agravante de, no segredo dos deuses, se verificar que já se arrastava a negociata do financiamento partidário aprovada às escondidas, e já vinha de há muitos meses. Excetuando o PAN e o CDS, todos os demais partidos portugueses não recearam e se expuseram ao escândalo perante os seus próprios eleitores, a opinião pública em geral e o regime democrático, que já duvido que representem, ocultando, em segredo, um negócio para benefício dos próprios. Como é que partidos que se enfrentam com agressividade e insultos no Parlamento se mostraram tão amigos e colaborantes na defesa dos seus próprios interesses? Esta classe política tem que se penitenciar. Esperemos que o Presidente da República vete esta lei.

E, como o texto já vai longo, vamos ficar por aqui, aguardando os acontecimentos. Muita coisa mais haveria a dizer.

(In "fórum Covilhã", de 09/01/2018)

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