14 de fevereiro de 2018

DA CORRUPÇÃO AO CHICO-ESPERTISMO


Saio à rua, depois de dar uma olhadela pelas notícias online, e dirijo-me para a minha habitual banca dos jornais, ao jardim, onde os mesmos se encontram desde já reservados.
Saúdo uma vizinha que há muito tempo não via, pergunto se está tudo bem e responde: “Só que, ai, ai, os meus joelhos é que não ajudam!”. Depois outra, a mesma pergunta, e vai daí: “Sabe, Sr. João, o meu problema é a coluna, esta maldita doença!”. Até que resolvi não perguntar mais nada, senão quando surge um amigo, e, nos cumprimentos da praxe, lá vem outra história das doenças da idade. “Sabes? Isto é da PDI!” Ao que eu lhe respondi, sem que ele contasse com esta contradição do vulgarizado significado da sigla: “Olha, toca a todos, a “Potência Deficitária Incomodativa!...”
Antes de entrar no tema em epígrafe, penso mesmo que os trabalhadores que se deixam instrumentalizar demasiado pelos partidos, cujos sindicatos a que estão afetos dizem os defender, poderão ver-se mais tarde envolvidos numa nuvem de arrependimento pelas opções tomadas, como é o caso da Autoeuropa, pelas teimosias que vão levando. Uns dizem que são os comunistas os culpados; certo é que parece que a Autoeuropa está antes afeta à UGT. Se a empresa se deslocasse para o estrangeiro, ou se retirasse para outro local, como outras fizeram, caso da Opel da Azambuja, seria melhor para os trabalhadores ficarem sem emprego? Pois é, o subsídio do desemprego, as reformas antecipadas, etc., sempre resolvem alguma coisa. Mas o mais estranho é que não se trata de quaisquer colaboradores, mas de trabalhadores que se encontram bem pagos, quando muitos licenciado nem ganham metade do seu salário.
Já os encerramentos da ex-Triumph e da Ricon são apontados como “uma infeliz coincidência” num dos períodos mais positivos do setor com forte volume de exportações, lamentando-se os muitos trabalhadores que rumam para o desemprego.
Mas vamos para o tema que hoje trouxe para este espaço, não obstante ele já ter sido debatido nos vários órgãos da comunicação social ad nauseam, uma vez que também o diabo não chegou a vir naquele célebre setembro de Passos Coelho, porque afinal ele já estava/está entranhado no seio e no pensamento de muitos, de várias praças deste país. Portanto, nem vale a pena Manuela Ferreira Leite sugerir ao “novo” PSD para que venda a alma ao diabo para pôr a esquerda na rua.
Deste fartote de corrupção, entre alta e baixa, fraca e forte, verificada ao longo dos tempos, mas mais acentuada nos dias de hoje, isto no que se repercute no nosso País, entendi classificá-la em três partes: corrupção de 1.ª, de 2ª e de 3.ª categorias.
Eu explico, exemplificando, a começar da mais baixa para a mais elevada. Considero corrupto ou corrompido de 3.ª categoria, aquele romeno que me enganou à entrada do Lidl vendendo-me o almanaque Borda D’Água pelo preço que apontou e vinha inserido na capa do mesmo; e que eu, pensando ser um original como tantos vendidos nas bancas e papelarias, verifiquei depois que era fotocopiado. Até onde vai o chico-espertismo. Ou, então, o recebimento por parte dos serviços da secretaria de um Lar da Terceira Idade, de boa reputação, desta Cidade laneira, de uma luxuosa “comparticipação por fora” para se ter hipótese de ali ser internado um familiar idoso, em que não é passado um recibo comprovativo, o que, para além de transgressão fiscal, também se ficou a desconhecer para que bolso seguiu a volumosa quantia extra, como entrada, para além das mensalidades e outras despesas mais.
Corrupto ou corrompido de 2ª categoria pia mais fino, e aí temos, sem vergonha, o aluguer de uma casa, a um mãe e filho adulto, pobres, sem condições condignas de habitabilidade, onde nem sequer cabe uma cama pequena para um deles dormir, nem os mínimos eletrodomésticos, imprimindo uma desumanização à face da Terra, neste século XXI. Onde estão as fiscalizações ativas e decisórias, para poder impedir o desiderato dos proprietários chico-espertos? Isto também se passa na mais importante cidade dos lanifícios e universitária da Beira Interior. Nesta vertente de categoria ainda integro aquele perito de seguradoras que, subtilmente, indicava clientes aos comerciais para, passado pouco tempo, numa sua prévia combinação com os referidos segurados, passarem a existir sinistros em catadupa, forjados. Descoberto este seu chico-espertismo, e já não sabendo como se desenrascar, acabou num suicídio na A23.
Corrupto ou corrompido de primeira categoria são então os de maior evidência, geralmente ligados a uma teia, envolvidos num polvo (sobre este mesmo tema – “O Polvo” – escrevi um texto em 2 de setembro de 2005, publicado no Notícias da Covilhã, que se encontra em grande parte atual), cujas formas tentaculares de fugir às responsabilidades e se habilitarem ao sorteio da ilibação produz tempo e mais tempo até se chegar ao ponto final dos julgamentos. E, depois, há os recursos, e mais recursos. Aqui vamos encontrar os já muito comentados casos da Operação Marquês, Operação Lex, Operação Fizz, entre outros, para além dos que vão emergindo, como a falsificação de cheques da Segurança Social, o desvio de milhões, pelo reitor de uma universidade privada, não esquecendo os casos da PT, da queda do BES, e por aí fora.
Nesta categoria não há corruptos de fraco gabarito. Podemos, sim, encontrar alguns novos-riquismos e narcisismos doentios.
“Sim, vivemos num país profundamente corrupto”, é o título duma crónica de João Miguel Tavares, do Público.
Estranha-se que outros casos de corrupção não tenham tido qualquer desfecho da Justiça, continuando hoje ainda vivos e, outros, condenados a prisão, como Oliveira e Costa, passeiam livremente.
Se o período Sócrates-Pinto Monteiro foi o “mais negro” da Justiça, conforme atesta no seu livro o juiz jubilado António Bernardo Colaço, não se compreende a pretensão de afastar a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal. Segundo o versado é que a remoção da procuradora não evitará o julgamento de Sócrates, mas pode facilitar o adiamento para após eleições. Chico-espertismo!
Por tudo isto se vê que todos os casos conhecidos são reveladores da transversalidade da corrupção entre as diversas classes sociais, envolvendo todos os setores da sociedade e da economia.
Pode alegar-se que a justiça está a funcionar normalmente e a fazer o que tem de ser feito, o que é um dado positivo.

(In "Notícias da Covilhã", de 15-2-2018)

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