Há muito que se adivinhavam receios
de manipulação de massas, no seio de algumas redes sociais, mais em evidência
no Facebook, tanto quanto sub-repticiamente. Agora veio aquele a ter de
levantar o véu do seu artifício.
A sua utilização ousada como
forma de entretenimento e de discussão de ideias, aceitando mexer com emoções, deu
azo a que a racionalidade fosse rara de eficácia.
O Facebook, criado em 2004 por
Mark Zuckerberg, para ser uma plataforma de comunicação entre pessoas, face aos
acontecimentos de que é acusado e que dos mesmos fizeram acontecer situações
catastróficas no planeta, tornou-se na perfeição de uma ferramenta destinada a
explorar medos, inseguranças e ódios. Tornou-se um “monstro”.
Ainda que Mark Zuckerberg seja
um génio, talvez comparável aos matemáticos da formação da Teoria das
Probabilidades, dos séculos XVII e XVIII: James Franklin, Ian Hacking, Philippe
Picard, Blaise Pascal, Fermat, Huygens, Jacob Bernoulli, Nicolaus Bernoulli,
Pierre Montmort, Abraham de Moivre ou Pierre-Simon Laplace, que também tiveram
alguns desentendimentos, mas, paradoxalmente, a credibilidade cresceu neles, ao
invés do que agora aconteceu com o fundador do Facebook que ultrapassou os
limites dessa mesma credibilidade, é demasiado penoso para quem pensa que
também os seus dados pessoais possam ter sido utilizados para fins que não autorizaria.
A comunicação social não deixa
de registar todas as peripécias desta rede social e dos seus mentores:
Matteo Salvini, o populista
italiano que venceu as eleições legislativas em 4 de março disse: “Obrigado a
Deus pela Internet, obrigado a Deus pelas redes sociais, obrigado a Deus pelo
Facebook”.
Brad Parscale, diretor de
campanha de Donald Trump, disse em Lisboa, aproveitando a Web Summit: “Ganhámos
as eleições no Facebook”.
No referendo pelo “Brexit”
britânico, que decidiu a saída do Reino Unido da União Europeia é referida “uma análise de sentimentos aos utilizadores
no Facebook, a par de uma segmentação muito fina de informação capaz de
manipular as emoções dos eleitores”.
O jornal britânico Observer confirma que o próprio Facebook
sabia de tudo mas optou por tentar esconder os factos do grande público.
E é pela recolha de dados do
Facebook, de tão extensa e apurada, que os mesmos acabaram por ser comprados pela
Cambridge Analytica, que, nos estudos para promover a compra de publicidade na
rede social, o próprio Facebook demonstrou como conseguia influenciar os votos
em vários escrutínios.
Das investigações, tornadas
públicas, apercebeu-se a forma como decorreu a manipulação sobre a candidatura
de Hillary Clinton, e a intervenção da Rússia, decisiva na campanha eleitoral
americana a favor de Donald Trump.
As acusações de que a empresa
britânica Cambridge Analytica usou o Facebook para recolher dados de cerca de
50 milhões de utilizadores, sem estes saberem, obrigaram o fundador desta rede,
depois de algum silêncio, ao pedido de desculpas. E, posteriormente, a fazer
alterações para maior privacidade e não utilização abusiva dos dados pessoais. Chega,
ou é como colocar a raposa a guardar as galinhas?
Deu para perceber que o
Facebook tende a privilegiar as publicações mais comentadas e partilhadas, não
utilizando a credibilidade como critério. É assim apontado como fator decisivo
na disseminação de informação tendenciosa e falsa, fenómeno que ficou
popularizado pela expressão fake news.
Na União Europeia, onde a
informação digital é considerada um direito fundamental, o uso indevido dos
dados da empresa já foi alvo de várias investigações e até multado o Facebook.
Segundo André Macedo, a uma
entrevista do economista e professor catedrático Manuel Mira Godinho, à RTP 3, refere
que “há 90 anos, Estaline disse aos escritores soviéticos que a força
ideológica era mais importante do que a capacidade militar e pediu-lhes que se
tornassem engenheiros da alma humana. Quase um século depois, a digitalização
das nossas vidas abriu uma via rápida para os recantos mais escondidos. A alma
humana tem hoje a porta escancarada, nunca revelámos tanto sobre as nossas
vidas, os nossos gostos e preferências e, nem sequer nos apercebemos da devassa
e dos riscos que corremos, como a compra de dados do Facebook para fins
políticos”.
Num país onde há muitos tolos,
como o nosso, compete ao Estado agir, com outras ferramentas, as que tiver à
mão, para limitar o poder destas entidades que nos estão acima. E como ninguém
gosta de passar por pateta, por este andar certamente a conveniência é deixar
de perder tempo em locais onde é exatamente esse o papel que nos destinam.
Nos dias que correm, a
privacidade, ainda que imperfeita, é uma utopia. Estamos sempre descobertos.
Vejamos, por exemplo, a nível de Estado, o e-fatura,
como tudo aquilo que o fisco se arroga de saber. E, no meio desta floresta de
enigmas da privacidade, ainda há; para além dos verdadeiros pobres, que ainda
existem, até de mais; os novos pobres, que são os ignorantes, os que vivem sem
tempo para pensar, falando de mais no Facebook.
Por cá, nesta terra laboriosa,
laneira e universitária, curiosamente já se sente o silêncio dos predadores do
Facebook de outras alturas.
(In "Fórum Covilhã", de 10/04/2018)
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