30 de agosto de 2019

TEORIA DAS PROBABILIDADES


Todos já ouvimos falar nos seguros de vida, nos planos de previdência, e num mundo ligado à proteção das pessoas e bens, tendo uma seguradora adotado o bonito slogan: “Pela Proteção dos Valores da Vida”.
Muitos de nós fomos obrigados a ter de efetuar contratos de seguro de vida no âmbito dos empréstimos à habitação, e não só, pelas entidades bancárias.
E como a morte está certa mas não se sabe quanto ela acontece, digamos mais concretamente a morte natural, não falando já na motivada por acidente, assim surgiu a necessidade de salvaguardar compromissos assumidos e a proteção de pessoas dependentes, minimizando os efeitos negativos da falta das que eram a alavanca ou suporte da vida familiar ou empresarial.
E é nesta vertente de risco puro, colocando de parte a que se reporta à constituição de um   pecúlio para o futuro, que mais se faz sentir um plano de previdência deste teor.
Pois bem, sobre parte deste assunto já me referi em maio passado sob o tema “A Proteção das Pessoas e Bens é Ancestral”, salientando que a intenção de proteger as mesmas do revés das suas vidas já vem da Antiguidade, podendo-se mencionar o IV milénio a.C., na Mesopotâmia.
Não vou aqui historiar vários casos porque haveria pano para mangas, mas tão só referir que tudo indica que no ano 582 a. C. houve um caso equivalente ao estabelecimento de uma pensão vitalícia. Quem se quiser dar ao trabalho de, na Bíblia, analisar uns versículos do 2.º Livro dos Reis, poderá verificar já a preocupação existente com o futuro das pessoas desamparadas.
Para que pudesse surgir o preço de um seguro (prémio) o mais justo possível para os tempos, os atuários tiveram que se socorrer da parte científica baseada em cálculos de probabilidades que vieram surgindo, ao longo dos séculos, por eminentes matemáticos.
Em quatro extenuantes anos de pesquisas que deram lugar à obra “O Documento Antigo – Uma Outra Forma de Ver os Seguros”, podemos então verificar que o cálculo das probabilidades, depois de convertido em teoria, foi uma das mais importantes descobertas na história das matemáticas, tendo tido uma significativa influência em muitos domínios.
Iniciado em meados do século XVI, o processo que iria conduzir à teoria das probabilidades continuou a desenvolver-se até à atualidade.
Segundo Lorraine Daston, muitos matemáticos argumentam que esta teoria só atingiu o seu estatuto pleno de ramo autónomo das matemáticas em 1933. No entanto, mesmo depois daquela data, continuaram a registar-se progressos no campo da matemática das probabilidades.
Nos primeiros tempos o cálculo das probabilidades foi inspirado exclusivamente pelos jogos de azar, mas as suas aplicações foram-se multiplicando, salientando-se a sua decisiva influência na modernização do seguro a partir do início do século XVIII.
Muitas foram as definições de probabilidades ao longo dos tempos, à medida que os conceitos e as técnicas foram evoluindo.
Seria interessante explanar aqui os vários cérebros que contribuíram em grande escala para a ciência das matemáticas mas tal é impossível. Assim, apenas alguns deles:
Pierre Léon Boutroux adotou a seguinte definição para a expressão matemática da probabilidade: “entende-se por probabilidade de um acontecimento a relação entre o número de casos favoráveis e o número total de casos possíveis”.
Pierre-Simon Laplace em 1812, à luz dos conhecimentos da altura referiu que “em experiências aleatórias com um espaço de resultados finito, de uma dada dimensão, em que todos os acontecimentos elementares são igualmente prováveis e incompatíveis e, se alguns desses acontecimentos são favoráveis à ocorrência de um determinado acontecimento, então a probabilidade de realização desse acontecimento é dada pelo quociente entre o número de casos favoráveis à ocorrência do acontecimento e o número de casos possíveis dessa experiência aleatória”.
Siméon-Denis Poisson surge com a definição: “a probabilidade de um acontecimento é a razão que temos de acreditar que ele terá lugar, ou que teve lugar”.
De facto, as probabilidades, que até cerca de 1750 foram inspiradas apenas pelos jogos de azar, acabaram depois por ter muitas aplicações, uma das quais, bastante relevante, foi a do seu emprego aos casos de justiça.
Lorraine Daston considera que “enquanto a probabilidade dos testemunhos teve claros antecedentes nos critérios judiciais aplicados nos tribunais, a probabilidade dos julgamentos foi uma aplicação sem precedentes na jurisprudência”.
Voltaire (pseudónimo de François-Marie Arouet), num ensaio sobre as probabilidades em caso de justiça, publicado em 1772, afirmou: “quase toda a vida humana gira sobre probabilidades”.
No que toca aos Gregos, apesar da enorme importância que tiveram na aritmética, Tales (624 – 546), Pitágoras (582 – 587), Aristóteles (364 – 322) e Arquimedes (287 – 212), a sua contribuição no domínio da análise combinatória passou bastante despercebida.
Foi sobretudo através dos Romanos que se deu conta da contribuição grega.
Pode considerar-se que as três datas que mais marcaram o processo de criação da teoria das probabilidades foram 1654, 1657 e 1713, respeitando as duas primeiras à criação dos fundamentos daquela teoria, por Pascal, Fermat e Huygens, enquanto a terceira assinala a formalização da própria teoria, com a publicação da obra de J. Bernoulli.
E vou terminar com a enumeração de alguns dos cientistas que deram lugar a esta teoria das probabilidades: Pierre de Montmort, Nicolaus (I) Bernoulli, Abraham de Moivre, Edmond Halley (com a sua Tábua de Halley, divulgada em 1693, considerada a origem da ciência atuarial).
Boas Férias!


(In "O Olhanense", de 01-09-2019)

14 de agosto de 2019

NÓS E OS INGLESES


Neste período da silly season, com o verão convidativo para um descanso, uma oportunidade de partilhar com amigos ou familiares momentos de distração, traz-nos também, por vezes, falta de alguma inspiração.
As televisões secam-nos com repetições de notícias de incêndios, aqueles casos de violência doméstica, e outros fastidiosos acontecimentos.
Os jornais são uma fonte abundante de informação. Os bons jornais, onde radicam homens da sapiência, deleitam-nos com a sua opinião emanada da história real dos acontecimentos, mas também como pensadores. Quando assim acontece, é um fascínio.
E é ainda nos regionais onde vamos encontrar a particularidade do meio que a todos envolve, na proximidade de se poder fazer sentir o bem ou mal-estar das nossas vidas.
Já a notícia sensacionalista é verberada num ou outro jornal, que acaba por ser sobejamente conhecido, ainda que muitas vezes a própria novidade só se tenha dela conhecimento por via desse órgão; no entanto surge carregada de nuvens de negativismo.
Desde imemoriais tempos tivemos ligação com os ingleses, nos bons e maus momentos. São conhecidas as expressões: “Pontualidade britânica” , “Sair à inglesa” (que, deste costume inglês, daria mais tarde lugar à expressão “Sair à francesa”), ou “Para inglês ver”
O caso do “Brexit”, com o desentendimento entre a União Europeia e Theresa May, e agora o novo líder britânico, Boris Johnson, ocupam grande espaço nos telejornais e nas páginas dos diários.
Os ventos sopram forte por este planeta fora, e nós, europeus, vemo-nos também numa miragem de outros ventos agitados, como este.
Em 23 de julho, a comunicação social noticiava que Portugal e o Reino Unido celebraram três acordos para a ciência, na data da comemoração dos 650 anos da aliança luso-britânica.
Durante esta aliança com mais de seis séculos, Portugal e Inglaterra estiveram lado a lado nos bons momentos, mas também em situações antagónicas.
Recordemos uma pequena viagem pelo passado das relações luso-britânicas, já que “nenhum país estrangeiro não lusófono teve tanta relevância para a História de Portugal como o Reino Unido e os seus antecessores Grã-Bretanha e Inglaterra – três maneiras de designar, na parte que nos respeita, a mesma realidade”.
Em 1147, guerreiros ingleses a caminho da Palestina, na II Cruzada, ajudaram D. Afonso Henriques a conquistar Lisboa aos mouros. Em 1189, cruzados ingleses também ajudaram D. Sancho I a conquistar Silves aos mouros. Em 1308, Eduardo VII, da Inglaterra, celebra com Portugal um novo tratado de comércio, que reitera e reforça o de 1294.
Em 1372, o rei D. Fernando de Portugal e representantes de Henrique III, de Inglaterra assinam em Tagilde, perto de Guimarães, um tratado de aliança entre os dois países, “para sempre, por mar e por terra, contra D. Henrique, que ora se chama rei de Castela, e contra D. Pedro, rei de Aragão”. Este tratado continua hoje em vigor e é o mais antigo do mundo.
Em 1383, D. João I faz acionar a aliança inglesa e pede auxílio militar contra Castela a Ricardo II, o qual acedeu e recrutou os arqueiros para esse efeito. Estes participaram em Portugal na Batalha de Aljubarrota, ao lado das forças de D. João I e do condestável D. Nuno Álvares Pereira, contra os invasores castelhanos, os seus aliados franceses, e a maior parte da nobreza portuguesa, esta liderada por Juan I de Castela.
Em 1386, o Tratado de Windsor firma, em termos de “amizade perpétua”, a aliança anglo-portuguesa. Em 1387, D. João I de Portugal casa-se com Filipa de Lencastre (Philippa of Lancaster), que será a mãe da “Ínclita Geração”. Em 1429, a Inglaterra pede frequentemente auxílio a Portugal e nobres portugueses combatem a seu lado.
Em 1580, Filipe II de Espanha torna-se também rei de Portugal e o nosso país passa a ser visto como inimigo pelos ingleses, em guerra com a Espanha.
Em 1806, o imperador francês Napoleão Bonaparte decreta o Bloqueio Continental, que proíbe os outros países de manterem relações comerciais com o Reino Unido. Portugal fica “entalado” entre o poderio francês e a ligação à Grã-Bretanha. Em 1808, o general Arthur Wellesley desembarca em Portugal com tropas britânicas e, organizando um exército anglo-luso, inicia a guerra vitoriosa contra os franceses.
Também o futebol entraria em Portugal por influência inglesa. Em 1875, Henry Hilton, que estuda em Londres mas passa as férias na quinta dos pais, na Madeira, leva uma bola para a ilha e introduz o futebol em território português.
Em 1890, o Reino Unido envia a Portugal um ultimato obrigando o velho aliado a deixar de reivindicar a posse dos territórios africanos entre Angola e Moçambique, representado no “Mapa Cor-de-Rosa”. A enorme reação popular antibritânica em Portugal é uma das causas da implantação da República. Em 1898, aproveitando a crise financeira em que Portugal está mergulhado, o Reino Unido e a Alemanha assinam a convenção de Londres, que propõe a partilha das colónias portuguesas de África. No entanto, no ano seguinte, o rei português D. Carlos consegue induzir o governo britânico a assinar um acordo que ratifica o tratado de 1661, garantindo a integridade dos domínios coloniais.
Muito haveria a dizer sobre as relações ancestrais entre ingleses e portugueses, mas o espaço não o permite, no entanto, a amizade entre os dois povos foi muito maior, e em 1957 a rainha Isabel II efetuou a sua primeira visita a Portugal. Fiquemos por aqui.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 14-08-2019)