14 de agosto de 2019

NÓS E OS INGLESES


Neste período da silly season, com o verão convidativo para um descanso, uma oportunidade de partilhar com amigos ou familiares momentos de distração, traz-nos também, por vezes, falta de alguma inspiração.
As televisões secam-nos com repetições de notícias de incêndios, aqueles casos de violência doméstica, e outros fastidiosos acontecimentos.
Os jornais são uma fonte abundante de informação. Os bons jornais, onde radicam homens da sapiência, deleitam-nos com a sua opinião emanada da história real dos acontecimentos, mas também como pensadores. Quando assim acontece, é um fascínio.
E é ainda nos regionais onde vamos encontrar a particularidade do meio que a todos envolve, na proximidade de se poder fazer sentir o bem ou mal-estar das nossas vidas.
Já a notícia sensacionalista é verberada num ou outro jornal, que acaba por ser sobejamente conhecido, ainda que muitas vezes a própria novidade só se tenha dela conhecimento por via desse órgão; no entanto surge carregada de nuvens de negativismo.
Desde imemoriais tempos tivemos ligação com os ingleses, nos bons e maus momentos. São conhecidas as expressões: “Pontualidade britânica” , “Sair à inglesa” (que, deste costume inglês, daria mais tarde lugar à expressão “Sair à francesa”), ou “Para inglês ver”
O caso do “Brexit”, com o desentendimento entre a União Europeia e Theresa May, e agora o novo líder britânico, Boris Johnson, ocupam grande espaço nos telejornais e nas páginas dos diários.
Os ventos sopram forte por este planeta fora, e nós, europeus, vemo-nos também numa miragem de outros ventos agitados, como este.
Em 23 de julho, a comunicação social noticiava que Portugal e o Reino Unido celebraram três acordos para a ciência, na data da comemoração dos 650 anos da aliança luso-britânica.
Durante esta aliança com mais de seis séculos, Portugal e Inglaterra estiveram lado a lado nos bons momentos, mas também em situações antagónicas.
Recordemos uma pequena viagem pelo passado das relações luso-britânicas, já que “nenhum país estrangeiro não lusófono teve tanta relevância para a História de Portugal como o Reino Unido e os seus antecessores Grã-Bretanha e Inglaterra – três maneiras de designar, na parte que nos respeita, a mesma realidade”.
Em 1147, guerreiros ingleses a caminho da Palestina, na II Cruzada, ajudaram D. Afonso Henriques a conquistar Lisboa aos mouros. Em 1189, cruzados ingleses também ajudaram D. Sancho I a conquistar Silves aos mouros. Em 1308, Eduardo VII, da Inglaterra, celebra com Portugal um novo tratado de comércio, que reitera e reforça o de 1294.
Em 1372, o rei D. Fernando de Portugal e representantes de Henrique III, de Inglaterra assinam em Tagilde, perto de Guimarães, um tratado de aliança entre os dois países, “para sempre, por mar e por terra, contra D. Henrique, que ora se chama rei de Castela, e contra D. Pedro, rei de Aragão”. Este tratado continua hoje em vigor e é o mais antigo do mundo.
Em 1383, D. João I faz acionar a aliança inglesa e pede auxílio militar contra Castela a Ricardo II, o qual acedeu e recrutou os arqueiros para esse efeito. Estes participaram em Portugal na Batalha de Aljubarrota, ao lado das forças de D. João I e do condestável D. Nuno Álvares Pereira, contra os invasores castelhanos, os seus aliados franceses, e a maior parte da nobreza portuguesa, esta liderada por Juan I de Castela.
Em 1386, o Tratado de Windsor firma, em termos de “amizade perpétua”, a aliança anglo-portuguesa. Em 1387, D. João I de Portugal casa-se com Filipa de Lencastre (Philippa of Lancaster), que será a mãe da “Ínclita Geração”. Em 1429, a Inglaterra pede frequentemente auxílio a Portugal e nobres portugueses combatem a seu lado.
Em 1580, Filipe II de Espanha torna-se também rei de Portugal e o nosso país passa a ser visto como inimigo pelos ingleses, em guerra com a Espanha.
Em 1806, o imperador francês Napoleão Bonaparte decreta o Bloqueio Continental, que proíbe os outros países de manterem relações comerciais com o Reino Unido. Portugal fica “entalado” entre o poderio francês e a ligação à Grã-Bretanha. Em 1808, o general Arthur Wellesley desembarca em Portugal com tropas britânicas e, organizando um exército anglo-luso, inicia a guerra vitoriosa contra os franceses.
Também o futebol entraria em Portugal por influência inglesa. Em 1875, Henry Hilton, que estuda em Londres mas passa as férias na quinta dos pais, na Madeira, leva uma bola para a ilha e introduz o futebol em território português.
Em 1890, o Reino Unido envia a Portugal um ultimato obrigando o velho aliado a deixar de reivindicar a posse dos territórios africanos entre Angola e Moçambique, representado no “Mapa Cor-de-Rosa”. A enorme reação popular antibritânica em Portugal é uma das causas da implantação da República. Em 1898, aproveitando a crise financeira em que Portugal está mergulhado, o Reino Unido e a Alemanha assinam a convenção de Londres, que propõe a partilha das colónias portuguesas de África. No entanto, no ano seguinte, o rei português D. Carlos consegue induzir o governo britânico a assinar um acordo que ratifica o tratado de 1661, garantindo a integridade dos domínios coloniais.
Muito haveria a dizer sobre as relações ancestrais entre ingleses e portugueses, mas o espaço não o permite, no entanto, a amizade entre os dois povos foi muito maior, e em 1957 a rainha Isabel II efetuou a sua primeira visita a Portugal. Fiquemos por aqui.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 14-08-2019)

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