13 de novembro de 2019

O CHICO-ESPERTISMO DE JUAN SEBASTIÁN ELCANO

Com o português Fernão de Magalhães, que comandou a expedição da viagem que iria ser conhecida por circum-navegação, partiu numa das cinco naus, o espanhol Juan Sebastián Elcano, no dia 20 de setembro de 1519.
Nascido em Getaria, Guipúscoa no ano de 1476, quatro anos mais novo que o português, foi um explorador, navegador e marinheiro.
Tendo completado 23 anos, Sebastián Elcano passou a ser dono e capitão do seu próprio navio mas devido a problemas financeiros fugiu para Sevilha onde aprendeu a sua arte de navegação, tornando-se piloto.
Estabelecido em Sevilha tornou-se capitão de navio mercante. Após violar a lei espanhola ao entregar um navio a banqueiros genoveses como pagamento de uma dívida, Elcano procurou o perdão do rei D. Carlos I de Espanha, inscrevendo-se assim como oficial na expedição liderada por Fernão de Magalhães às Molucas.
Estávamos então na Idade Média, cujo comércio das especiarias era considerado de longe o mais rentável para a época pois que o mais pequeno volume de mercadoria garantia a maior margem de lucro. No século XV, um único saco de pimenta tinha mais valor que uma vida humana.
Da mesma forma que hoje grande parte da economia do mundo moderno se baseia no petróleo, grande parte da economia do mundo medieval firmava-se no comércio dos produtos do Oriente, mormente nas especiarias: cravo, canela, pimenta, malagueta, noz-moscada, mirra, incenso.
Se a Fernão de Magalhães lhe era recusado pelo monarca português, D. Manuel I, primeiro a indemnização pelo cavalo morto, depois a gratificação pelas feridas em combate, durante a escaramuça às portas de Azamor, que o deixara coxo o resto da vida; e o aumento da moradia; e também  de navegar para as Molucas; e por fim qualquer outro serviço, ele tornou-se para D. Manuel além dum fardo, um inútil. Também o covilhanense Ruy Faleiro tinha razões de queixa de D. Manuel, talvez por este lhe ter negado o posto de lente na Universidade de Coimbra. Tal não acontecia na conduta dos espanhóis para com Elcano.
Magalhães teve consigo um acompanhante e intérprete, Enrique de Malaca, um jovem escravo que havia adquirido, o qual viria a permanecer ao seu lado e ser-lhe fiel até à sua morte. Entretanto Juan Sebastián Elcano acabava por ser poupado por Fernão de Magalhães, depois daquele ter participado num motim falhado nas costas da Patagónia, contra Magalhães.
Ninguém sabia exatamente a dimensão do mundo, nem a sua morfologia, assim como as direções para o percorrer. Um dos grandes enigmas geográficos da Idade Média era a localização.
Depois do motim falhado, a nau San Antonio foi confiada a Juan Sebastián Elcano, não obstante ter procurado impedir que Magalhães concretizasse a sua ideia. Noutra altura, seria chamado como eleito pelo destino de concluir a obra de Fernão de Magalhães.
O mestre de armas Gomez de Espinosa havia sido o mais fiel apoiante de Magalhães e, a bordo do Trinidad viria a perecer ingloriamente, após sofrimentos, juntamente com os seus companheiros de desgraça, sendo esquecidos pela ingratidão da História. Juan Sebastián Elcano será imortalizado, precisamente o chico-esperto que quis impedir o feito de Magalhães e que se revoltou contra o seu almirante.
Poucos dias depois da batalha de Mactan, onde viria a ficar sem vida Fernão de Magalhães, o rei de Cebu, Humabon, e o escravo de Magalhães, Enrique, armam uma cilada aos principais oficiais da armada. Cada um com as suas razões, ambos se sentindo traídos e humilhados, sendo que Enrique tem motivos porque os oficiais da armada ameaçam mantê-lo em escravidão, apesar das ordens deixadas por Magalhães no seu testamento; e Humabon porque “estes europeus cristãos, declarando-se tocados pela graça do seu Deus e invulneráveis, convenceram-no a prestar-lhes vassalagem – e, afinal foram vencidos por um dos seus vassalos”.
Os dois conspiradores organizaram um jantar de homenagem e de despedida dos principais tripulantes da armada, que acabaria por se transformar num autêntico massacre.
Os sobreviventes decidiram abandonar a nau Concepción nas Filipinas já que não havia homens suficientes para manobrar três navios. A armada, agora reduzida à Trinidad e à Victoria, chegou às Molucas em novembro de 1521, seis meses depois dos trágicos acontecimentos ocorridos em Cebu. A nau Trinidad, necessitando de reparações urgentes não pode seguir viagem a tempo de aproveitar os ventos de monção.
Sebastián Elcano foi um dos poucos oficiais que se salvaram do massacre de Cebu. O covilhanense Ruy Faleiro, parceiro de Magalhães nos primeiros tempos, foi encarcerado mal entrou em Portugal. Só aquele que se ergueu contra Magalhães, Sebastián Elcano, arrebanhou todas as glórias aos que lhe foram fiéis, aos que morreram.
Quando, no dia 9 de julho de 1522 a extenuada nau Victoria se aproximou das ilhas de Cabo Verde, após cinco meses de uma viagem ininterrupta, já só com trinta e um espanhóis e três indígenas, Elcano, mais uma vez chico-esperto, decidiu arriscar e enganar os portugueses quanto à verdadeira identidade. Antes de enviar alguns homens a terra num batel, a fim de comprarem mantimentos, obrigou a tripulação a jurar solenemente que não dariam a entender aos portugueses, nem por uma palavra, que eles eram o que restava da frota de Magalhães e que regressavam da viagem à volta do mundo, sendo os marinheiros instruídos a contar uma peta. E a 6 de setembro de 1522 chegava ao fim o maior feito marítimo de todos os tempos.
Participantes da região beirã nesta viagem de circum-navegação: Afonso Gonçalves, da Guarda, despenseiro da Victoria. Desertou nas ilhas Marianas, onde foi morto em finais de agosto de 1522. Domingos Álvares, da Covilhã, grumete da Trinidad. Faleceu em 7 de junho de 1522.
Dos 18 sobreviventes que chegaram a Espanha havia um único português – Francisco Rodrigues – , marinheiro, nascido em 1482, que não sabia ler e afirmara inicialmente que era castelhano.
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Pesquisas: “MAGALHÃES o homem e o seu feitio”, de Stefan Zweig; “Nos Passos de Magalhães”, de Gonçalo Cadilhe; “A Viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses”, de José Manuel Garcia.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 13-11-2019)

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