6 de novembro de 2019

BILHETE-POSTAL


Praticamente quase não se utiliza. Mas o mesmo não aconteceu até finais da década de oitenta do século passado. A circular pelo Correio sem envelope e com o porte de valor inferior ao das cartas comuns. Tinha e tem ainda o inconveniente de terceiros poderem vir a ler o seu conteúdo, por vezes algo reservado entre o remetente e o destinatário. A privacidade não existe, como no caso de serviços de contencioso do fisco ou judicial. Estes agora optaram pelas cartas registadas.

Consta que o primeiro cartão-postal, bilhete-postal ou simplesmente postal foi emitido no século XIX existindo, contudo, versões diferentes sobre a sua invenção.

Também existiu o aerograma, tipo de carta que se enviava pelo correio aéreo, sem necessidade de sobrescrito. Tinha uma tarifa diferente da do resto da correspondência. O uso deste termo foi oficialmente aprovado na União Postal Universal de 1952. Amplamente divulgado pelo seu uso durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em Portugal, ganhou fama durante a Guerra Colonial, como meio de comunicação preferencial entre as famílias na Metrópole e as tropas destacadas em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau em virtude de ser um meio grátis de correspondência, mantido pelo antigo SPM (Serviço Postal Militar). Entre 1961 e 1974 o Movimento Nacional Feminino foi a organização responsável pela emissão dos aerogramas militares, tendo editado mais de 300 milhões de aerogramas. Eu próprio escrevi alguns aerogramas para meu irmão, então destacado como combatente na Guiné, nos finais da década de sessenta do século passado.

O título desta crónica vem a propósito de, com alguma surpresa, ter recebido de uma autarquia o agradecimento, em simples postal, da oferta que fizera do meu último livro para a sua biblioteca municipal. Pensei que já não se usasse o bilhete-postal.

E porque me referi também à privacidade, veja-se o que deu azo à leitura, em simples bilhetes-postais, bastante em uso na altura, no período de 1969 a 1971, quando prestava serviço militar no RI 12, na Guarda. Em cima da habitual mesinha de jogos ou do balcão do bar da sala de sargentos entregavam o correio. Dois bilhetes-postais arrastaram-se por ali alguns dias, por ausência dos seus destinatários, furriéis milicianos. Um era dum familiar do camarada que fora transferido para um hospital em Coimbra, o Gaio de Belmonte, a fim de sofrer uma intervenção hemorroidal. O furriel Oliveira, de Melo, atrevidote e sempre com sentido de humor, escreveu na diagonal do bilhete-postal que seria enviado para o doente em Coimbra: “Melhoras cobre”. Quando o camarada doente regressou ao RI 12, perguntou-me o que significavam aquelas palavras. Resposta: “Então não sabes que o símbolo químico do cobre é ‘cu’?”.

Outro bilhete-postal, sem escrúpulos por quem viesse a ler, face à exposição da correspondência, reportava-se à esposa dum camarada que com alguma aflição lhe recomendava a compra dum contracetivo: “se não vamos ter mais um bebé…”

Estes eram os inconvenientes do Bilhete-Postal, em tempos em que ainda não existiam os telemóveis, nem a Internet, e as chamadas telefónicas eram caras e morosas.

O ideal era escrever uma carta. A modernidade, com o mundo digital ao nosso dispor, transformou radicalmente o mundo que nos rodeia. Mário Zambujal escreveu o seu romance: “Já não se escrevem cartas de amor”.

Vem aí o período ainda propício para alguns teimosos no envio de postais. É o período do Natal, com os postais de Boas-Festas.


(In "Notícias da Covilhã", de 07-11-2019)

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