No País, o seu sentido é
generalizado. Mas poderá ser diferente noutros locais planetários. Embora
pareça uma instituição imutável, o Natal foi sempre refletindo as diferentes
épocas.
Este ano, antes da época
natalícia, tivemos o anúncio da pretensão dos nossos governantes de passarmos a
bater o record do (in)sucesso escolar, passando uma esponja pelos chumbos até
ao 9.º ano. Uma “prenda de Natal”. De harmonia com uma avaliação da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), cerca de 20% dos alunos
com 15 anos não adquirem competências mínimas. Ao fim de dez anos de
escolaridade, cerca de um quinto dos alunos portugueses continua a não as ter para
resolver situações do dia-a-dia. Estes resultados foram mostrados pelo PISA.
Paradoxalmente, Portugal é o único país da OCDE a “registar melhorias
significativas no desempenho dos seus alunos a leitura, matemática e ciências
ao longo da sua participação no PISA”, mostrando ligeiras quedas em áreas
importantes como as ciências ou a literacia do português. Certo é que em 2018,
cerca de 22% dos alunos com 15 anos consideravam que ler “é uma perda de
tempo”.
Temos a 25ª Conferência das
Partes (COP25) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações
Climáticas, em Madrid, a arrancar sobre o signo da emergência, sendo que “É
preciso fazer mais e mais depressa”, segundo disse o secretário-geral da ONU,
António Guterres. Será que vai ser um sucesso, após o choque Trump-Macron?
Outra Cimeira – da Nato –, em
Londres, para celebrar os seus 70 anos, acabou por não fugir à turbulência que
atingiu as relações transatlânticas desde a eleição de Trump, com Macron a
declarar a “morte cerebral” da Aliança, e com os seus aliados europeus a não querem
ouvir falar de tal coisa. Certo é que a NATO foi a mais forte e duradoura das
alianças da história. Acabou sem história. Os aliados passaram por cima das divergências,
e assinalaram estas sete décadas do evento com uma declaração de unidade e cooperação.
Faz-se um interregno para novo embate em 2021, enquanto Macron passa a ver-se
confrontado com uma greve geral na perspetiva de paralisar a França, neste
dezembro explosivo.
– “Eu
vim de longe, de muito longe, o que eu andei p’ra’qui chegar” –, da canção
de José Mário Branco. Poder-se-ia aplicar à chegada a Lisboa da Greta Thunberg,
de 16 anos, que passou 21 dias numa viagem atribulada, seguindo depois para a
COP25, em Madrid, para pedir mais ação aos líderes mundiais contra a crise
climática. Após 10 horas de comboio, chegaria na manhã do dia 6 de dezembro a
Madrid, indo participar durante a tarde na Marcha pelo Clima. Não basta uma
associação de moradores de Toledo oferecer à jovem ativista sueca um burro para
viajar de Lisboa até Madrid, afirmando estar “conscientes da importância de
sensibilizar o mundo sobre a situação ambiental”, sabendo-se que nunca emitimos
tanto dióxido de carbono desde que há registo fidedignos, ou seja, no ano 1880.
É preciso passar das palavras de boas intenções da Cimeira, aos atos. Greta
Thunberg diz que lhe roubaram a infância e os seus sonhos, mas esqueceu-se que
vive num dos países mais ricos do mundo, com devido acesso a educação, saúde e
proteção social, em contraste com outras crianças de países africanos e de outras
paragens, devastados pela fome e pelas guerras. Um fenómeno anterior mais
semelhante a este é o da paquistanesa Malala Yousafzai, na causa da educação
das meninas.
Aludindo ao título desta
crónica, fica o memorizar de algumas décadas atrás. Anos 40, com o mundo em guerra. Não eram tempos alegres, os de
Natal. O ambiente em Portugal não podia ser de grande animação, mesmo sem o
país estar diretamente envolvido no conflito. Eram tempos de escassez, era
preciso poupar, e qualquer sinal de ostentação no Natal só podia ser visto como
de mau gosto. A década não permitia grandes euforias e o Natal era sobretudo
ocasião, à boa maneira do Estado Novo, de mostrar caridade para com “os
pobrezinhos”. As notícias da guerra enchiam os jornais. E a revista Eva do Natal fazia o seu sorteio anual
de vários prémios de valor, iniciativa que a transformou numa verdadeira
instituição nacional. Na noite de Natal de 1943, não houve ataques à Alemanha
nem ataques alemães aos aliados. Em 1945, os portugueses – e o mundo – festejam
finalmente o primeiro Natal sem guerra. Um acontecimento, surgido pela primeira
vez em 1944, começava já a revelar-se como grande instituição que viria a ser.
A iniciativa era do Diário de Notícias,
o “Natal dos Hospitais”, realizado naquele ano no D. Estefânia, em Lisboa. Anos 50, o mundo está mais otimista. O Natal era a altura em que os perus desciam
à cidade – e isto aconteceu até aos anos 70. A situação económica melhora.
Aparecem nos jornais anúncios a voos das grandes companhias internacionais para
a Suíça e Alemanha, ou até América do Sul e Próximo Oriente. Faz-se publicidade
às máquinas fotográficas Kodak, a aspiradores, rádios, eletrodomésticos. O jornal
Mundo Desportivo promove um concurso
que tem como primeiro prémio uma Lambretta. E o regime decide eleger a
“rapariga modelo”. Os bodos aos pobres continuam, as meninas nas escolas
competem fazer o berço mais bonito para oferecer a uma família pobre que esteja
à espera de mais um filho. E as grandes empresas – General Motors, Kodak,
Shell, Sacor, Mobil Oil – oferecem festas de Natal aos filhos dos seus
funcionários, todas elas com direito a notícia (e em muitos casos fotografia)
nos jornais diários. Nas principais cidades do país, o Automóvel Clube de
Portugal promove o Natal do Sinaleiro, em que os automobilistas deixam prendas junto
dos polícias sinaleiros.
Sinal do novo clima de
desanuviamento na Europa, os jornais referem a Comunidade Europeia do Carvão e
do Aço, um passo para a União Europeia. Nos
anos 60, o mundo acelerou. O nível
de vida dos portugueses foi subindo gradualmente, mas muitas famílias ainda
podiam ser descritas como “remediadas”. O dinheiro “ia dando”, mas para um dia
“um bocadinho melhor” era preciso fazer algumas economias. Não é por acaso que
em 1960 surge o Cabaz do Natal, uma iniciativa do Clube das Donas de Casa, que
se torna um enorme sucesso. O mundo começa a mudar e um dos fatores dessa
mudança era a televisão, que chegou a Portugal em 1957. O Natal dos Hospitais
já conta com a colaboração da Radiotelevisão e da Philips portuguesa. Portugal
parece mais aberto a esse mundo que lhe chega agora pela televisão. Os bancos
começam a fazer publicidade nos jornais e aconselham a que se pague as compras
de Natal em cheques. O mundo parece girar mais depressa. E, no entanto,
Portugal continua a ser um país pobre e de emigrantes, que no Natal regressam
para estar com as famílias. O ano de 1965 ficou marcado por uma enorme
tragédia: perto de três dezenas de mortos e mais de uma centena de feridos no
descarrilamento do Sud-Express.
Em 1969, o homem vai à Lua. Anos 70, o (nosso) mundo mudou. Se
abrirmos os jornais de dezembro de 1974, não temos dúvidas de que alguma coisa
mudou em Portugal. Há circo, como em todos os natais, mas desta vez é o Circo
do Povo, em frente à Fonte Luminosa, em Lisboa, e oferecido pelas Forças
Armadas. Também o Circo Mariano faz publicar um comunicado em que agradece “a
todas as entidades civis e militares e ao público em geral”
a simpatia com que foi recebido na capital. E o Casino do Estoril para a
noite de réveillon “Lili Ivanova, grande vedeta da canção da Bulgária”. Começam
a surgir notícias sobre mais empresas que decidem pagar o subsídio de Natal.
Mas os anos 80, mais
despreocupados e otimistas, vinham a caminho, e o Natal seria diferente – outra
vez.
Sobre a consoada, Maria de
Lourdes Modesto, uma das maiores divulgadoras da cozinha tradicional
portuguesa, diz que, antigamente havia tantas mesas de Natal quantas as zonas
do país. No Alentejo comia-se carne de porco ou até cação de coentrada. No
Norte o bacalhau. Depois com o tempo e por força da influência da televisão, a
ceia de Natal dos portugueses foi
ficando cada vez mais parecida. Naquele tempo dos anos 30, não havia Pai Natal,
havia Menino Jesus. O presépio era a
coisa mais importante do Natal e os presentes, em qualquer classe social, não
tinham nada a ver com o que existe agora.
Segundo dizia Ramalho Ortigão,
o verdadeiro Natal tradicionalista era o do Norte, o Natal minhoto. Aí o
bacalhau é rei, aparecendo cozido ou em bolinhos. E também o polvo guisado.
Hoje, por todo o Portugal
começou a comer-se bacalhau cozido com batatas, e couves, regado com azeite e
vinagre, para além das rabanadas (em muitos locais chamadas “fatias douradas”)
e as filhós. No dia 25 é dia de peru, e
os doces: farófias, lampreia de ovos, sonhos, sem esquecer o bolo-rei que chegou
a Lisboa em 1869, através da Confeitaria Nacional. O bolo terá sido
momentaneamente vítima da política, quando, depois do fim da Monarquia e com a
instauração da República, alguns defenderam que ele teria de acabar. No
entanto, os industriais de confeitaria deram-lhes a volta, continuando a
fabricar o bolo-rei mas com outra designação, havendo quem lhe chamasse
“ex-bolo-rei” ou “bolo de Natal” e “bolo de Ano Novo”. No entanto o bolo
sobreviveu a esta crise e recuperou o seu nome. O bolo-rei espalhou-se pelo
país, tal como o bacalhau. E o Natal dos portugueses é, à mesa, cada vez mais
parecido.
Termino esta crónica do ano
2019 na reafirmação dos votos de parabéns e de longa vida ao Jornal fórum
Covilhã, pelo seu 8º aniversário. Um órgão da comunicação social há muito
reconhecido pela sua seriedade, isenção e comprometido com os valores e
desenvolvimento da região beirã.
Boas Festas, com votos de um excelente Natal e
um Feliz Ano Novo.
(In "Jornal fórum Covilhã", de 11-12-2019)
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