11 de dezembro de 2019

CELEBRAR O NATAL AO RITMO DOS TEMPOS


No País, o seu sentido é generalizado. Mas poderá ser diferente noutros locais planetários. Embora pareça uma instituição imutável, o Natal foi sempre refletindo as diferentes épocas.
Este ano, antes da época natalícia, tivemos o anúncio da pretensão dos nossos governantes de passarmos a bater o record do (in)sucesso escolar, passando uma esponja pelos chumbos até ao 9.º ano. Uma “prenda de Natal”. De harmonia com uma avaliação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), cerca de 20% dos alunos com 15 anos não adquirem competências mínimas. Ao fim de dez anos de escolaridade, cerca de um quinto dos alunos portugueses continua a não as ter para resolver situações do dia-a-dia. Estes resultados foram mostrados pelo PISA. Paradoxalmente, Portugal é o único país da OCDE a “registar melhorias significativas no desempenho dos seus alunos a leitura, matemática e ciências ao longo da sua participação no PISA”, mostrando ligeiras quedas em áreas importantes como as ciências ou a literacia do português. Certo é que em 2018, cerca de 22% dos alunos com 15 anos consideravam que ler “é uma perda de tempo”.
Temos a 25ª Conferência das Partes (COP25) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, em Madrid, a arrancar sobre o signo da emergência, sendo que “É preciso fazer mais e mais depressa”, segundo disse o secretário-geral da ONU, António Guterres. Será que vai ser um sucesso, após o choque Trump-Macron?
Outra Cimeira – da Nato –, em Londres, para celebrar os seus 70 anos, acabou por não fugir à turbulência que atingiu as relações transatlânticas desde a eleição de Trump, com Macron a declarar a “morte cerebral” da Aliança, e com os seus aliados europeus a não querem ouvir falar de tal coisa. Certo é que a NATO foi a mais forte e duradoura das alianças da história. Acabou sem história. Os aliados passaram por cima das divergências, e assinalaram estas sete décadas do evento com uma declaração de unidade e cooperação. Faz-se um interregno para novo embate em 2021, enquanto Macron passa a ver-se confrontado com uma greve geral na perspetiva de paralisar a França, neste dezembro explosivo.
 “Eu vim de longe, de muito longe, o que eu andei p’ra’qui chegar” –, da canção de José Mário Branco. Poder-se-ia aplicar à chegada a Lisboa da Greta Thunberg, de 16 anos, que passou 21 dias numa viagem atribulada, seguindo depois para a COP25, em Madrid, para pedir mais ação aos líderes mundiais contra a crise climática. Após 10 horas de comboio, chegaria na manhã do dia 6 de dezembro a Madrid, indo participar durante a tarde na Marcha pelo Clima. Não basta uma associação de moradores de Toledo oferecer à jovem ativista sueca um burro para viajar de Lisboa até Madrid, afirmando estar “conscientes da importância de sensibilizar o mundo sobre a situação ambiental”, sabendo-se que nunca emitimos tanto dióxido de carbono desde que há registo fidedignos, ou seja, no ano 1880. É preciso passar das palavras de boas intenções da Cimeira, aos atos. Greta Thunberg diz que lhe roubaram a infância e os seus sonhos, mas esqueceu-se que vive num dos países mais ricos do mundo, com devido acesso a educação, saúde e proteção social, em contraste com outras crianças de países africanos e de outras paragens, devastados pela fome e pelas guerras. Um fenómeno anterior mais semelhante a este é o da paquistanesa Malala Yousafzai, na causa da educação das meninas.
Aludindo ao título desta crónica, fica o memorizar de algumas décadas atrás. Anos 40, com o mundo em guerra. Não eram tempos alegres, os de Natal. O ambiente em Portugal não podia ser de grande animação, mesmo sem o país estar diretamente envolvido no conflito. Eram tempos de escassez, era preciso poupar, e qualquer sinal de ostentação no Natal só podia ser visto como de mau gosto. A década não permitia grandes euforias e o Natal era sobretudo ocasião, à boa maneira do Estado Novo, de mostrar caridade para com “os pobrezinhos”. As notícias da guerra enchiam os jornais. E a revista Eva do Natal fazia o seu sorteio anual de vários prémios de valor, iniciativa que a transformou numa verdadeira instituição nacional. Na noite de Natal de 1943, não houve ataques à Alemanha nem ataques alemães aos aliados. Em 1945, os portugueses – e o mundo – festejam finalmente o primeiro Natal sem guerra. Um acontecimento, surgido pela primeira vez em 1944, começava já a revelar-se como grande instituição que viria a ser. A iniciativa era do Diário de Notícias, o “Natal dos Hospitais”, realizado naquele ano no D. Estefânia, em Lisboa. Anos 50, o mundo está mais otimista. O Natal era a altura em que os perus desciam à cidade – e isto aconteceu até aos anos 70. A situação económica melhora. Aparecem nos jornais anúncios a voos das grandes companhias internacionais para a Suíça e Alemanha, ou até América do Sul e Próximo Oriente. Faz-se publicidade às máquinas fotográficas Kodak, a aspiradores, rádios, eletrodomésticos. O jornal Mundo Desportivo promove um concurso que tem como primeiro prémio uma Lambretta. E o regime decide eleger a “rapariga modelo”. Os bodos aos pobres continuam, as meninas nas escolas competem fazer o berço mais bonito para oferecer a uma família pobre que esteja à espera de mais um filho. E as grandes empresas – General Motors, Kodak, Shell, Sacor, Mobil Oil – oferecem festas de Natal aos filhos dos seus funcionários, todas elas com direito a notícia (e em muitos casos fotografia) nos jornais diários. Nas principais cidades do país, o Automóvel Clube de Portugal promove o Natal do Sinaleiro, em que os automobilistas deixam prendas junto dos polícias sinaleiros.
Sinal do novo clima de desanuviamento na Europa, os jornais referem a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, um passo para a União Europeia. Nos anos 60, o mundo acelerou. O nível de vida dos portugueses foi subindo gradualmente, mas muitas famílias ainda podiam ser descritas como “remediadas”. O dinheiro “ia dando”, mas para um dia “um bocadinho melhor” era preciso fazer algumas economias. Não é por acaso que em 1960 surge o Cabaz do Natal, uma iniciativa do Clube das Donas de Casa, que se torna um enorme sucesso. O mundo começa a mudar e um dos fatores dessa mudança era a televisão, que chegou a Portugal em 1957. O Natal dos Hospitais já conta com a colaboração da Radiotelevisão e da Philips portuguesa. Portugal parece mais aberto a esse mundo que lhe chega agora pela televisão. Os bancos começam a fazer publicidade nos jornais e aconselham a que se pague as compras de Natal em cheques. O mundo parece girar mais depressa. E, no entanto, Portugal continua a ser um país pobre e de emigrantes, que no Natal regressam para estar com as famílias. O ano de 1965 ficou marcado por uma enorme tragédia: perto de três dezenas de mortos e mais de uma centena de feridos no descarrilamento do Sud-Express.
 Em 1969, o homem vai à Lua. Anos 70, o (nosso) mundo mudou. Se abrirmos os jornais de dezembro de 1974, não temos dúvidas de que alguma coisa mudou em Portugal. Há circo, como em todos os natais, mas desta vez é o Circo do Povo, em frente à Fonte Luminosa, em Lisboa, e oferecido pelas Forças Armadas. Também o Circo Mariano faz publicar um comunicado em que agradece “a todas as entidades civis e militares e ao público em geral”                                                                                           a simpatia com que foi recebido na capital. E o Casino do Estoril para a noite de réveillon “Lili Ivanova, grande vedeta da canção da Bulgária”. Começam a surgir notícias sobre mais empresas que decidem pagar o subsídio de Natal.
Mas os anos 80, mais despreocupados e otimistas, vinham a caminho, e o Natal seria diferente – outra vez.
Sobre a consoada, Maria de Lourdes Modesto, uma das maiores divulgadoras da cozinha tradicional portuguesa, diz que, antigamente havia tantas mesas de Natal quantas as zonas do país. No Alentejo comia-se carne de porco ou até cação de coentrada. No Norte o bacalhau. Depois com o tempo e por força da influência da televisão, a ceia de Natal    dos portugueses foi ficando cada vez mais parecida. Naquele tempo dos anos 30, não havia Pai Natal, havia Menino Jesus.  O presépio era a coisa mais importante do Natal e os presentes, em qualquer classe social, não tinham nada a ver com o que existe agora. 
Segundo dizia Ramalho Ortigão, o verdadeiro Natal tradicionalista era o do Norte, o Natal minhoto. Aí o bacalhau é rei, aparecendo cozido ou em bolinhos. E também o polvo guisado.
Hoje, por todo o Portugal começou a comer-se bacalhau cozido com batatas, e couves, regado com azeite e vinagre, para além das rabanadas (em muitos locais chamadas “fatias douradas”) e as filhós.  No dia 25 é dia de peru, e os doces: farófias, lampreia de ovos, sonhos, sem esquecer o bolo-rei que chegou a Lisboa em 1869, através da Confeitaria Nacional. O bolo terá sido momentaneamente vítima da política, quando, depois do fim da Monarquia e com a instauração da República, alguns defenderam que ele teria de acabar. No entanto, os industriais de confeitaria deram-lhes a volta, continuando a fabricar o bolo-rei mas com outra designação, havendo quem lhe chamasse “ex-bolo-rei” ou “bolo de Natal” e “bolo de Ano Novo”. No entanto o bolo sobreviveu a esta crise e recuperou o seu nome. O bolo-rei espalhou-se pelo país, tal como o bacalhau. E o Natal dos portugueses é, à mesa, cada vez mais parecido.
Termino esta crónica do ano 2019 na reafirmação dos votos de parabéns e de longa vida ao Jornal fórum Covilhã, pelo seu 8º aniversário. Um órgão da comunicação social há muito reconhecido pela sua seriedade, isenção e comprometido com os valores e desenvolvimento da região beirã.
Boas Festas, com votos de um excelente Natal e um Feliz Ano Novo.

(In "Jornal fórum Covilhã", de 11-12-2019)

Sem comentários: