Era assim ainda há pouco tempo,
mesmo antes da primavera raiar envergonhada este tempo pandémico.
Todos os dias perguntava à esposa
quantos netos vinham almoçar para adequar a mesa aos respetivos lugares. A
universitária do Porto dava-nos a alegria de nos ir telefonando enquanto o da
UBI várias vezes anunciava previamente ir almoçar com os avós. Já as mais
novas, do Secundário, eram as mais habituais, sempre no prazer acolhedor da
avó, já que era o avô que habitualmente tinha o encargo de as ir buscar, aquando
da impossibilidade dos pais.
Há poucos anos um político
procrastinou que o diabo vinha aí em setembro (daquele ano, entenda-se…) e o
diabo não apareceu, pós vivência de uma crise política e económica. Mas no
âmbito dessa crise, toda a gentinha podia livremente ir ao quiosque comprar o
jornal ou a raspadinha (na sua maioria), dar um abraço a um amigo, beijar os filhos
e os netos e as outras pessoas familiares e amigas.
Vivia-se num horizonte com
pezinhos de lã a galgar os caminhos das perspetivas desejadas para o ambiente familiar,
profissional e social.
De um momento para o outro, uma
nuvem bem lá longe, para os confins asiáticos, pressagia algo de inconfundíveis
diabruras de âmbito planetário, na realidade de um bichinho microscópico. Bate
à porta da China e vai alongando a sua virulência sem que haja fronteiras ou
impedimentos, por países fora, com um forte salto para o mais velho Continente
do mundo. Em 11 de fevereiro, os jornais que ainda se podiam comprar nos tais
quiosques, anunciavam que “Portugal tem risco de importação de coronavírus
‘muito baixo’”.
Puro engano, tal como o do
político atrás referido, mas ao contrário, aquilo que de presságio não passava,
afinal foi uma realidade jamais vista por todos nós.
Não são poupadas as famílias, os
amigos, o culto religioso, as escolas, tudo o que possa proporcionar contacto
social, num tsunami como alguém intitulou, que obriga ao encerramento de quase
tudo o que são atividades económicas ficando somente as necessárias à
subsistência das gentes nas várias vertentes da indispensabilidade.
Chegara então o tempo de ter
tempo, jamais no pensamento das correrias loucas da vida.
Porquê falar do Brexit, dos casos
da justiça em Portugal, nas várias “operações” a decorrer, da angolana Isabel
dos Santos, do hacker Rui Pinto, da Primavera Árabe, dos problemas com que se
debate o papa Francisco, das cimeiras climáticas, quando, de um momento para o
outro, as gentes deste Planeta e deste retângulo à beira-mar plantado se vêm
forçadas e separar-se confrangedoramente, e a recolherem-se em casa e nos
hospitais.
Podemos considerar como que a
teoria dos cisnes negros, conforme já me referi em 12 de fevereiro noutro
periódico, conceito este para designar fenómenos raros que têm baixa
probabilidade de ocorrência mas que, quando aparecem, mudam tudo. É o caso do
coronavírus, que mata e cada morte é uma perda que nada pode reparar. No
entanto, esta enorme pausa é má para a economia mas boa para o planeta. Tantas
guerras, tanta indiferença na participação das cimeiras climáticas quando um
bichinho maldito arrisca proporcionar que o ano 2020 seja o ano da queda
significativa das emissões de CO2 no mundo. Temos de deixar de viver numa
civilização em que a pressa é tudo, o movimento é tudo e o objetivo não é nada.
Quando surgir a bonança, os que
resistirem, que possam refletir nesta consciência de pensar que uma pessoa
sozinha não se salva porque todos vão no mesmo barco, como disse o papa
Francisco, e que possam transmitir este forte pensamento às suas gentes e
vindouros.
Uma grande lição para todos nós!
Que a saibamos aproveitar.
(In "Notícias da Covilhã", de 09-04-2020)
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