14 de outubro de 2020

QUANDO UM PRESIDENTE ENTRA COM A MONARQUIA E SAI COM A REPÚBLICA

 A data de 5 de outubro de 1910 foi há 110 anos. Os pontos nevrálgicos da passagem de testemunho forçado, da Monarquia para a República, passaram-se na Rotunda – a Praça Marquês de Pombal assim oficialmente denominada desde 1882, embora popularmente seja ainda hoje conhecida como Rotunda, tanto pela sua configuração pouco comum na época, como por esta denominação ter sido reforçada na memória dos lisboetas pelo nome de estação do Metropolitano de Lisboa, que durou desde a sua inauguração em 29 de dezembro de 1959 até 1998. Só a partir desta data, a estação, já com duas linhas diferentes, passou a denominar-se Marquês de Pombal.

O nome popular de Rotunda individualizou-se por então as Rotundas serem pouco frequentes. Passou também a fazer parte da história por ter sido o local de concentração dos Republicanos no 5 de outubro de 1910.

Efetivamente, o regime político que vigorou em Portugal entre 1143 e 1910 – a Monarquia – composto por quatro dinastias sucessivas (Borgonha ou Afonsina, Avis, Filipina e Bragança), teve os seus êxitos. Sobressaíram-se as grandes conquistas que alargaram o território do País, e os descobrimentos que contribuíram para a primeira globalização e de novos mundos. Mas também teve os seus fracassos. Estes trouxeram consequências desastrosas para Portugal. Salientaram-se assim a Batalha de Alcácer Quibir, as Invasões Francesas e o Ultimato Britânico de 1890. Desta feita os senhores britânicos desrespeitaram o “Mapa Cor-de-Rosa” como agora querem desrespeitar o Brexit. Também a subjugação do país aos interesses coloniais britânicos, os gastos da família real, o poder da Igreja, a instabilidade política e social; depois a ditadura do beirão João Franco (natural do Alcaide, Fundão), Presidente do Conselho de Ministros; e a aparente incapacidade de acompanhar a evolução dos tempos e de se adaptar à modernidade levou a um “inexorável processo de erosão da monarquia portuguesa” do qual os defensores da República souberam tirar o melhor proveito. Foi o Partido Republicano que se apresentava como o único que tinha um programa capaz de devolver ao país o prestígio perdido e colocar Portugal na senda do progresso.

Fazendo uma retrospetiva de períodos antecedentes, depois do regime absolutista até à segunda década do século XIX, grupos militares do Porto conseguem impor-se fortemente no Campo de Santo Ovídeo (atual Praça da República) no dia 24 de agosto de 1820 e, pacificamente, depois de uma missa campal, proclamaram solenemente o Manifesto aos portugueses, exigindo a convocação de Cortes para elaborar uma Constituição. Foi a base da ação e da vitória das forças liberais de D. Pedro, depois do desembarque dos bravos do Mindelo em julho de 1832. Esta Revolução de 1820 deu lugar à Constituição de 1822. Sobre este assunto já me havia referido num outro artigo.

Volvidos 70 anos da Revolução Liberal do Porto surge o Ultimato Britânico como atrás verificámos, e, no reinado de D. Carlos, a pronta cedência às exigências britânicas foi vista como uma humilhação nacional, iniciando-se um profundo movimento de descontentamento em relação ao monarca, à família real e à instituição da monarquia, vistos como responsáveis pelo alegado processo de decadência nacional. A situação agravou-se com a crise financeira ocorrida na última década do século XIX, quando as remessas dos emigrantes do Brasil caíram abruptamente. Os republicanos souberam aproveitar este descontentamento e iniciaram um crescimento e alargamento da sua base social de apoio que acabaria por culminar no derrube do regime.

Na cidade do Porto, no dia 31 de janeiro de 1891 registou-se um levantamento militar contra a monarquia constituído principalmente por sargentos e praças. Os revoltosos, que tinham como hino uma canção – A Portuguesa – tomaram os Paços do Concelho e proclamaram a implantação da República em Portugal. O movimento acabaria pouco depois por ser sufocado, resultando nalguns mortos e feridos e muitos deles condenados, sendo A Portuguesa proibida. Este símbolo nacional de Portugal nasceu como uma canção de cariz patriótico em resposta ao ultimato britânico que defendia o abandono das posições portuguesas em África no território compreendido estre as colónias de Moçambique e Angola. Daí que, ainda que sem autenticidade, se tenha considerado que a parte dos versos do hino “Pela pátria lutar! Contra os canhões marchar, marchar!” tivesse sido inicialmente “Contra os bretões, marchar, marchar!”. Foi a primeira grande ameaça sentida pelo regime monárquico. Apesar dos evidentes êxitos eleitorais alcançados pelo movimento republicano, o setor mais revolucionário do partido pedia a luta armada como melhor meio de tomar o poder a curto prazo. E assim, surge o regicídio de 1908, com o assassinato de D. Carlos e do príncipe herdeiro Luís Filipe, tendo também morrido os regicidas Manuel Buíça, professor primário, e Alfredo Costa, empregado do comércio e editor.

Já no ano 1910, com o D. Manuel II à frente dos destinos de Portugal, a 3 de outubro deste ano estalou a revolta republicana que já se avizinhava no contexto da instabilidade política. Esta acabou por suceder graças à incapacidade de resposta do governo de Teixeira de Sousa, que não conseguiu reunir tropas que dominassem os cerca de duzentos revolucionários que na Rotunda resistiam de armas na mão.

Entretanto, encontrava-se de visita de Estado a Portugal o presidente brasileiro Hermes da Fonseca. Na véspera do 5 de outubro, com as tropas da guarnição da cidade de prevenção, o presidente brasileiro ofereceu a D. Manuel II um jantar em sua honra, tendo depois o monarca português recolhido ao Paço das Necessidades. As gentes em prol da República encontravam-se agitadas e não dormiam. Havia tiroteio aqui e ali. Até o almirante Cândido dos Reis se suicidou pensando que tudo falhara e a implantação da República não ia por diante. Entretanto, lá estava novamente a Rotunda, num aparente sossego que desalentava de tal maneira os revoltosos que os oficiais acharam melhor desistir. Mas a persistência de Machado dos Santos, ao assumir o comando, toma uma decisão que viria a ser fundamental para o sucesso da revolução. Entretanto, D. Manuel II recusou-se a partir mas viu-se obrigado a refugiar-se numa pequena casa no parque do palácio de onde conseguiu telefonar a Teixeira de Sousa. Foi aconselhado a chamar a Mafra as rainhas D. Amélia e D. Maria Pia que estavam nos Palácios da Pena e da Vila, em Sintra, preparando-se para seguir para o Porto para aí organizar a resistência. À noite do dia 4 a moral encontrava-se baixa entre as tropas monárquicas.

Às 9 horas da manhã, no edifício da Câmara Municipal de Lisboa, era proclamada a República por José Relvas, após o que foi nomeado um Governo Provisório.

D. Manuel II, com a família, via-se forçado a seguir para o exílio em Londres.

Em 1910, a grande maioria dos Estados europeus eram monarquias. Apenas a França, Suíça e San Marino eram repúblicas.

Como o presidente do Brasil, marechal Hermes da Fonseca, presenciou pessoalmente todo o processo de transição do regime, tendo chegado a Portugal em visita oficial quando o país ainda era uma monarquia e saída já na república, não foi de estranhar que tenha sido o Brasil o primeiro país a reconhecer de jure o novo regime político português.

(In "Jornal fórum Covilhã, de 14-10-2020)

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