A data de 5 de outubro de 1910 foi há 110 anos. Os pontos nevrálgicos da passagem de testemunho forçado, da Monarquia para a República, passaram-se na Rotunda – a Praça Marquês de Pombal assim oficialmente denominada desde 1882, embora popularmente seja ainda hoje conhecida como Rotunda, tanto pela sua configuração pouco comum na época, como por esta denominação ter sido reforçada na memória dos lisboetas pelo nome de estação do Metropolitano de Lisboa, que durou desde a sua inauguração em 29 de dezembro de 1959 até 1998. Só a partir desta data, a estação, já com duas linhas diferentes, passou a denominar-se Marquês de Pombal.
O nome popular de Rotunda individualizou-se
por então as Rotundas serem pouco frequentes. Passou também a fazer parte da
história por ter sido o local de concentração dos Republicanos no 5 de outubro
de 1910.
Efetivamente, o regime
político que vigorou em Portugal entre 1143 e 1910 – a Monarquia – composto por
quatro dinastias sucessivas (Borgonha ou Afonsina, Avis, Filipina e Bragança), teve
os seus êxitos. Sobressaíram-se as grandes conquistas que alargaram o território
do País, e os descobrimentos que contribuíram para a primeira globalização e de
novos mundos. Mas também teve os seus fracassos. Estes trouxeram consequências
desastrosas para Portugal. Salientaram-se assim a Batalha de Alcácer Quibir, as
Invasões Francesas e o Ultimato Britânico de 1890. Desta feita os senhores
britânicos desrespeitaram o “Mapa Cor-de-Rosa” como agora querem desrespeitar o
Brexit. Também a subjugação do país aos interesses coloniais britânicos, os
gastos da família real, o poder da Igreja, a instabilidade política e social;
depois a ditadura do beirão João Franco (natural do Alcaide, Fundão),
Presidente do Conselho de Ministros; e a aparente incapacidade de acompanhar a
evolução dos tempos e de se adaptar à modernidade levou a um “inexorável
processo de erosão da monarquia portuguesa” do qual os defensores da República
souberam tirar o melhor proveito. Foi o Partido Republicano que se apresentava
como o único que tinha um programa capaz de devolver ao país o prestígio
perdido e colocar Portugal na senda do progresso.
Fazendo uma retrospetiva de
períodos antecedentes, depois do regime absolutista até à segunda década do
século XIX, grupos militares do Porto conseguem impor-se fortemente no Campo de
Santo Ovídeo (atual Praça da República) no dia 24 de agosto de 1820 e,
pacificamente, depois de uma missa campal, proclamaram solenemente o Manifesto
aos portugueses, exigindo a convocação de Cortes para elaborar uma
Constituição. Foi a base da ação e da vitória das forças liberais de D. Pedro,
depois do desembarque dos bravos do Mindelo em julho de 1832. Esta Revolução de
1820 deu lugar à Constituição de 1822. Sobre este assunto já me havia referido
num outro artigo.
Volvidos 70 anos da Revolução Liberal
do Porto surge o Ultimato Britânico como atrás verificámos, e, no reinado de D.
Carlos, a pronta cedência às exigências britânicas foi vista como uma
humilhação nacional, iniciando-se um profundo movimento de descontentamento em
relação ao monarca, à família real e à instituição da monarquia, vistos como
responsáveis pelo alegado processo de decadência nacional. A situação
agravou-se com a crise financeira ocorrida na última década do século XIX,
quando as remessas dos emigrantes do Brasil caíram abruptamente. Os
republicanos souberam aproveitar este descontentamento e iniciaram um
crescimento e alargamento da sua base social de apoio que acabaria por culminar
no derrube do regime.
Na cidade do Porto, no dia 31
de janeiro de 1891 registou-se um levantamento militar contra a monarquia
constituído principalmente por sargentos e praças. Os revoltosos, que tinham
como hino uma canção – A Portuguesa – tomaram os Paços do Concelho e
proclamaram a implantação da República em Portugal. O movimento acabaria pouco
depois por ser sufocado, resultando nalguns mortos e feridos e muitos deles
condenados, sendo A Portuguesa proibida. Este símbolo nacional de Portugal nasceu
como uma canção de cariz patriótico em resposta ao ultimato britânico que
defendia o abandono das posições portuguesas em África no território
compreendido estre as colónias de Moçambique e Angola. Daí que, ainda que sem autenticidade,
se tenha considerado que a parte dos versos do hino “Pela pátria lutar! Contra
os canhões marchar, marchar!” tivesse sido inicialmente “Contra os bretões, marchar, marchar!”. Foi a primeira grande ameaça sentida pelo
regime monárquico. Apesar dos evidentes êxitos eleitorais alcançados pelo
movimento republicano, o setor mais revolucionário do partido pedia a luta
armada como melhor meio de tomar o poder a curto prazo. E assim, surge o
regicídio de 1908, com o assassinato de D. Carlos e do príncipe herdeiro Luís
Filipe, tendo também morrido os regicidas Manuel Buíça, professor primário, e
Alfredo Costa, empregado do comércio e editor.
Já no ano 1910, com o D.
Manuel II à frente dos destinos de Portugal, a 3 de outubro deste ano estalou a
revolta republicana que já se avizinhava no contexto da instabilidade política.
Esta acabou por suceder graças à incapacidade de resposta do governo de Teixeira
de Sousa, que não conseguiu reunir tropas que dominassem os cerca de duzentos
revolucionários que na Rotunda resistiam de armas na mão.
Entretanto, encontrava-se de
visita de Estado a Portugal o presidente brasileiro Hermes da Fonseca. Na
véspera do 5 de outubro, com as tropas da guarnição da cidade de prevenção, o
presidente brasileiro ofereceu a D. Manuel II um jantar em sua honra, tendo
depois o monarca português recolhido ao Paço das Necessidades. As gentes em
prol da República encontravam-se agitadas e não dormiam. Havia tiroteio aqui e
ali. Até o almirante Cândido dos Reis se suicidou pensando que tudo falhara e a
implantação da República não ia por diante. Entretanto, lá estava novamente a
Rotunda, num aparente sossego que desalentava de tal maneira os revoltosos que
os oficiais acharam melhor desistir. Mas a persistência de Machado dos Santos,
ao assumir o comando, toma uma decisão que viria a ser fundamental para o
sucesso da revolução. Entretanto, D. Manuel II recusou-se a partir mas viu-se
obrigado a refugiar-se numa pequena casa no parque do palácio de onde conseguiu
telefonar a Teixeira de Sousa. Foi aconselhado a chamar a Mafra as rainhas D.
Amélia e D. Maria Pia que estavam nos Palácios da Pena e da Vila, em Sintra, preparando-se
para seguir para o Porto para aí organizar a resistência. À noite do dia 4 a
moral encontrava-se baixa entre as tropas monárquicas.
Às 9 horas da manhã, no
edifício da Câmara Municipal de Lisboa, era proclamada a República por José
Relvas, após o que foi nomeado um Governo Provisório.
D. Manuel II, com a família,
via-se forçado a seguir para o exílio em Londres.
Em 1910, a grande maioria dos
Estados europeus eram monarquias. Apenas a França, Suíça e San Marino eram
repúblicas.
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