Natural da
Covilhã, João de Jesus Nunes é colaborador do nosso jornal vai para mais de
vinte anos e, por esse facto, muitos nos questionam quem é este Homem que nos
escreve da Região mais alta de Portugal, com a pontualidade de um relógio suíço.
Aqui mantém uma rubrica de elevado interesse, muito apreciada pelos nossos
leitores.
Para sabermos
tudo isso e muito mais, já que a tecnologia assim nos permite, “conversámos”
com este homem de letras que foi funcionário de uma Companhia de Seguros e depois
empresário na atividade seguradora, e hoje, como passatempo, vai escrevendo
para diversos periódicos de entre os quais o jornal “O Olhanense”.
Feita esta
breve apresentação, “disparámos” a primeira pergunta:
Jornal “O Olhanense” (JO): - Apesar da nossa apresentação, diga-nos quem é verdadeiramente João de Jesus Nunes e como surgiu o gosto pela escrita.
João de
Jesus Nunes (JN): - Em primeiro lugar quero agradecer o amável convite deste
quinzenário, na pessoa do seu diretor adjunto e amigo Mário Proença. Nasci num
lugar paradisíaco, a Pousadinha, pertencente à freguesia de Aldeia do Carvalho,
hoje vila, do concelho da Covilhã, e que atualmente integra a União das
Freguesias de Cantar-Galo e Vila do Carvalho. A minha génese provém de uma
família simples e que foi repleta de dificuldades, como a maioria das pessoas
da época, pós-II Guerra Mundial. Sou o segundo de seis irmãos, tendo já
falecido duas irmãs. Paradoxalmente, o
lugar, apesar de paradisíaco, não possuía na altura as infraestruturas
necessárias para uma habitação condigna, entre as quais, eletricidade,
água canalizada e saneamento. Um dos pecados do Estado Novo e dos seus séquitos
autárquicos, por mais vontade que tivessem para alterar um estado mórbido
desses tempos.
Depois, os
iletrados eram de uma enorme percentagem, o que dificultava a convivência
cultural, onde o ponto de reunião eram as tabernas, e, durante a semana, após o
regresso das fábricas de lanifícios onde se empregava a maioria da população (mesmo
ainda menores), aproveitavam as horas que sobravam dos tempos livres para
tratar dos seus pequenos terrenos agrícolas.
JO: - Tendo
nascido na Pousadinha, lugar paradisíaco mas de muitos iletrados à altura, como
refere, quanto tempo lá viveu e como se sentiu nesse ambiente?
JN: - Ali vivi com os meus pais e irmãos, todos vindos ao mundo em casa, excetuando-se o mais novo que já viria a nascer na maternidade do hospital da Covilhã; os avós e tios até aos sete anos de idade, sendo que nós éramos os mais velhos de todos os primos que viriam a nascer. Fica-me na memória toda a paisagem envolvente em zona de pinhal, e, no horizonte, os casarios que identificávamos serem a Covilhã, a quatro quilómetros, e as freguesias rurais e de outros concelhos limítrofes, mais distantes. Não havendo ali energia elétrica, as noites de luar ajudavam um pouco as deslocações no escuro dos caminhos, onde surgiam muitos pirilampos; e as miríades de estrelas davam mais a nitidez da grandiosidade do Universo na pequenez do Planeta e, acima de tudo, de nós como humanos. Havia o sossego que contrastava, a poucos quilómetros, com o barulho ensurdecedor dos teares das fábricas de lanifícios.
Durante o dia,
a alegria de viver na contemplação dos animais de estimação e domésticos, entre
capoeiras, luras e estábulos, que ajudavam na economia dos residentes.
Algumas
histórias fui contando destes lugares, que vão ficando para memória futura. Desde
as águas das ribeiras, que formavam cascatas, ao medo noturno, por exemplo, motivado
pela queda daquele jovem – o Mário – que, com um molho de lenha que trazia para
casa, escorregou num pequeno rochedo, no escuro da noite, já perto de casa,
vindo a falecer, sem possibilidade de socorro imediato. Aquele espetáculo, da altura, com dezenas de populares
das redondezas daquela encosta, com tochas ou archotes acesos para alumiar os
caminhos e veredas, agitados pelos gritos, eram como dum filme de terror. Não
mais o Mário me oferecia os grilos que apanhava e trazia numa caixa de fósforos.
No entanto, o que jamais esqueço foram os frequentes pedidos que chegavam a
minha casa para que o “senhor professor” fizesse o especial favor de preparar
rapazes e raparigas, já fora da idade escolar normal, e a trabalharem nas
fábricas, para concluírem a instrução primária.
JO: - Como assim?
JN: - Meu pai, que andou no seminário, seguiu a via do ensino, nesses famigerados
tempos que todos ganhavam muito pouco, e os professores primários nem sequer
recebiam salário durante as férias. Casou numa altura em que lecionava numa
escola do Lameirão, um lugar próximo da Pousadinha, onde conheceu minha mãe. Ia
sendo colocado noutras zonas como Aldeia do Carvalho, Covilhã e Casegas, uma
freguesia rural distante do concelho. Aqui foram seus alunos figuras
sobejamente conhecidas, como o antigo diretor do Notícias da Covilhã, Cónego
Dr. José Almeida Geraldes, já falecido, e o professor universitário,
investigador científico e literário, ensaísta, cronista e poeta, e colaborador
da RTP e Antena 1 e distinguido com vários prémios, Arnaldo Saraiva. Ainda hoje
são vivos alguns dos seus antigos alunos, todos octogenários, que falam comigo.
Embora gostasse de ensinar, mas como o
salário dum professor era miserável, conseguiu entrar para funcionário da
Biblioteca Municipal da Covilhã (BM), já com uma idade avançada para o
funcionalismo público. Daí que, nas horas vagas, com enorme esforço, lecionava
adultos até às 16 horas (altura em que iniciava o serviço na BM), nomeadamente
nos Cursos da Campanha Nacional de Educação de Adultos. Mais tarde exerceu durante
vários anos, nas suas horas vagas, o ensino na Cadeia Comarcã da Covilhã (no
primeiro curso ali a ser criado).
Na Pousadinha, eu assistia com curiosidade ao
ensino de meu pai, em regime particular, daqueles rapazes e raparigas, bastante
adultos, que necessitavam de concluir a então 4.ª classe. Aos sábados levava os
jornais da BM para ler no domingo em casa, onde não havia uma telefonia e a
televisão ainda não tinha surgido (nesse tempo todos trabalhavam aos sábados),
com os quais comecei a tomar contacto, que mais não fossem as imagens
sugestivas ou alguns títulos ou notícias de oportunidade que nos lia.
A preparação de
alguns discursos que meu pai ia lendo para si em voz alta, para eventos onde
participava, pouco percetíveis para uma criança como eu, incutiram em mim algo
de interesse, ainda que por vezes enfadonho, fora do comum da rapaziada da
minha idade.
Fomos então viver
para a cidade da Covilhã, para colmatar as dificuldades aqui existentes, e
assim poder completar o ensino primário e os estudos seguintes, tanto meus como
os de meus irmãos.
JO: - E
então a vida citadina trouxe-lhe outros modos de encarar a vida e direcionados
para a escrita? Conte-nos lá.
JN: - Não nos largando as dificuldades
financeiras, somente com o salário de meu pai para o sustento de oito pessoas,
não passávamos de uma vida caseira, agora na cidade, onde nas brincadeiras
predominava o jogo com uma bola de farrapos, na rua, ou na escola, nos
intervalos das aulas. Depois do jantar, o tempo que ainda remanescia dos
trabalhos escolares era ocupado na BM onde acabava por continuar a estudar e
proporcionar-me estar em contacto, para além dos livros e dicionários, também
os diversos jornais diários, semanários e revistas. Era outro mundo visionário.
O folhear, ainda que por curiosidade, e
o cheiro da tinta dos títulos Diário de
Notícias, Diário Popular, Diário de Lisboa, A Capital, a
revista Flama, entre outros começava
a fazer sentir em mim os seus efeitos do gosto pelas letras, enquanto outro aspeto
me direcionou para o prazer do colecionismo, na delícia de ver os selos que
vinham nos jornais de África (como o Diário
de Luanda e A Província de Angola), do Brasil ou de
Espanha. As efemérides que inseriam uma página do jornal O Setubalense, ou curiosidades no Diário do Alentejo, despertavam-me interesse. Meu
pai não deixava de deitar o olho para os extintos Diário da Manhã, A Voz e
Novidades.
É também aqui
que me vou apercebendo, ainda na fase da infância, de que nem todos gostavam
dos governantes, pretendentes vitalícios da Nação. Ouvia falar em surdina, e só
alguns leitores mais afoitos liam A República. Aqui passei depois a
compreender o motivo por que alguns livros requisitados pelos leitores eram
objeto de uma análise prévia pela bibliotecária já que faziam parte de algo que
se chamava Índice dos Livros Proibidos.
Foi também aqui
que conheci um mundo de gente com gosto pela cultura, antigos colegas da Escola Industrial e Comercial, do
Liceu ou do Colégio Moderno (hoje advogados, juízes, economistas e gestores
aposentados), espalhados pelo País, e onde entravam todas as classes sociais,
incluindo meus antigos professores.
Surgiu-me então
o gosto pela escrita, mas ainda longe de pensar escrever um livro.
Entrado na fase
da adolescência, e face a desconhecer o que era uma semanada ou mesada, onde a mais pequena moeda não me entrava
nas algibeiras, procurei emprego e comecei então a trabalhar para ter
algum fôlego, fazendo assim outra vida que não podia ter até aqui, completando os
estudos à noite.
Assim, de
trabalhador-estudante, na altura, funcionário da edilidade covilhanense, onde
já tinha a possibilidade de utilizar as máquinas de escrever, com 18 anos
deu-me para fazer um pequeno texto de opinião, em dezembro de 1964. Dirigi-me
ao Notícias da Covilhã, e entreguei-o ao chefe da redação que me incutiu
ânimo para prosseguir. A partir daqui, com os interregnos próprios de
determinadas situações como o serviço militar obrigatório, não mais parei.
Guardo todas as minhas crónicas e textos de opinião que se cifram em cerca de
700, por força de alguns interregnos sem escrever, conforme já referi. Mesmo
durante o serviço militar escrevi num boletim do Regimento de Infantaria 12, da
Guarda.
JO: - Pelo
que nos temos apercebido é muito amigo da sua família e tem muitos amigos…
JN: - Sim,
é indubitável. Sou casado há 50 anos,
feitos em maio passado, que a maldita pandemia não me deixou comemorar as Bodas
de Ouro com os muitos familiares e amigos. São a minha coluna vertebral e a
razão de ser do meu entusiasmo como vivente. Tenho um filho e uma filha que,
com o genro e a nora, é como tenha quatro filhos. Todos se licenciarem na
Universidade da Beira Interior, sendo que a filha há vários anos que fez o seu
doutoramento. E tenho quatro netos. A neta mais velha foi esta semana para
Sevilha integrada no projeto Erasmus. Sou católico.
JO: - É
autor de diversos livros. Diga-nos da razão pela qual os escreveu e de todos o
que mais o realizou como autor.
JN: - Não
é fácil escrever um livro principalmente quando se é um autodidata como eu. E de
ser talvez dos poucos autores a fazê-lo graciosamente, nunca tendo ganho um centavo
ou cêntimo com as minhas publicações, antes pelo contrário, tenho suportado
grande parte das inerentes despesas. A minha escrita é diversificada, pelo que
não pode agradar a gregos e a troianos. Na sua generalidade é bem aceite, pelas
mensagens e contactos que vou tendo com as pessoas, aproveitando agora os meios
tecnológicos de que dispomos, e que me incentivam a continuar. Depois de um
livro ou uma crónica escrita há sempre um ou outro a criticar por isto ou por
aquilo, pela omissão ou algo de exagero, mas isso tenho sempre presente que é
por via do meu pensamento que me oriento.
O primeiro
livro que escrevi foi numa fase em que muitos poucos, na minha Região, se
atreviam a ir para a frente com uma publicação, a não ser que tivessem desde
logo um apoio financeiro prometido. Havia muitas promessas de alguém para
escrever sobre determinada coletividade ou associação, mas não ficando
garantido o dinheiro para as despesas, não avançavam e ficavam pelo caminho. As
pessoas iam desaparecendo, e as fontes de informação também, perdendo-se assim,
ou dificultando mais tarde, a obtenção de dados reais, credíveis, para o que se
pretendia escrever.
Corria assim o
ano da graça de 1992 quando eu, na qualidade de dirigente e um dos fundadores
da APAE – Associação dos Antigos Professores, Alunos e Empregados da Escola
Campos Melo da Covilhã, incuti na direção, com os poucos recursos que tínhamos,
levarmos por diante fazer a história desta associação que foi a primeira, do
género, a constituir-se no País. Responsabilizei-me pela sua publicação, tendo
sido a mola impulsionadora para o arranque no entusiasmo de outras obras que se
seguiram. Ainda como edição desta associação, voltei a sugerir que se viessem a
homenagear todos os antigos atletas e dirigentes do clube mais representativo
da Beira Interior, dos tempos áureos da Primeira Divisão – o Sporting Clube da
Covilhã (SCC) – com a oferta do livro sobre a história do clube, que também me
responsabilizava levar a cabo. Enquanto me envolvia nos trabalhos de pesquisas
numa altura em que também desenvolvia a minha atividade profissional, as
pessoas, incluindo os autarcas da Covilhã, mostravam-se indiferentes, só
tomando conhecimento de que se tratava dum trabalho sério e importante, quando
começaram a aperceber-se que a notícia já corria nos jornais desportivos
nacionais e nos semanários da Região; havia telegramas de felicitações das
instituições do desporto e agradecendo os convites, até que houve uma homenagem
muito interessante, com a Câmara Municipal a abrir as portas do seu Salão
Nobre, que fez memorizar tempos antigos.
De todas as dezenas de velhas glórias do SCC presentes quase todos já
faleceram.
Surgiriam mais
três livros por mim escritos sobre o clube serrano (SCC), em 1993, 1998 e 2007,
terminando assim a minha escrita sobre o clube serrano em livro, não deixando,
contudo, de fazer o prefácio e apresentação de uma quinta publicação, através
de um amigo que dá continuidade a escrever sobre os Leões da Serra.
Um outro livro
que escrevi, e me levou alguns anos a subtrair horas ao sono e à família, e até
à minha atividade profissional de conta própria, foi a história dos Bombeiros
Voluntários da Covilhã, em dois volumes, mas com informações pertinentes sobre
os Bombeiros de Portugal, em mais de 1000 páginas, foi a minha obra de eleição.
Até 2018
escrevi, de permeio, outros livros, de minha iniciativa ou solicitados pela
edilidade covilhanense, até que, numa autêntica aventura para satisfazer o
pedido de um grande amigo, então CEO da principal seguradora que representava,
escrevi o livro da minha vida – O
Documento Antigo – Uma outra forma de ver os Seguros, que me levou quatro
anos a publicar. De 894 páginas, está dividido em duas partes: I Parte – desde a
Antiguidade do Seguro até ao Século XVIII; II Parte – Os Primórdios do Seguro
em Portugal. É um autêntico Tratado de Seguros que, para ser algo inédito,
dei-lhe um cunho romanesco. Encontra-se em mais de uma centena e meia de
bibliotecas municipais e instituições do País. Foi assim considerado na
comunicação social: “Trata-se de um livro
único que relata a história dos seguros, universalmente e em Portugal, de uma
forma surpreendente: através de um argumento de romance e de uma antologia das
mais importantes fontes”.
JO: - Fale-nos
um pouco da Covilhã, nomeadamente do tempo dos lanifícios em comparação com os
dias de hoje
JN: - A
Covilhã tem hoje uma das melhores universidades do Mundo – Universidade da
Beira Interior (UBI) – fazendo parte da lista das melhores do mundo, de acordo
com a edição de 2020 do ranking internacional World University, organizado pelo
Times Higher Education, surgindo no patamar 601-800 numa lista que inclui 1.400
instituições de 92 países. É, pois, uma cidade universitária. Continua ainda a
ser também um centro importante da indústria de lanifícios suportando a
empregabilidade de muita gente. Já não se vêm os formigueiros de operários a
caminho das centenas de fábricas, como noutros tempos, porque a situação mudou
drasticamente com a redução do número delas. Existem muitas antigas fábricas
que foram adquiridas e passaram a integrar património da UBI, mas grande parte
das suas imponentes chaminés foram preservadas como ex-libris da Covilhã. É a
porta principal da Serra da Estrela com 36 356 habitantes no seu perímetro
urbano formado por cinco freguesias, sede dum município com 51 797
habitantes segundo o censo de 2011. Continua, de facto, também a ser a terra da
indústria da lã, de cariz operário, cujo trabalho aqui existe há 800 anos.
Apesar de se ter transformado numa cidade universitária, hoje tem modernas
unidades industriais, sendo a Covilhã um dos principais centros de lanifícios
da Europa, mas também o berço de descobridores de quinhentos. Foram muitas as
figuras covilhanenses que se notabilizaram e integram a nossa História de
Portugal. Tais como como Pero da Covilhã, Ruy Faleiro, Frei Heitor Pinto,
Mateus Fernandes. Vários se salientaram nos descobrimentos e conquistas, como,
por exemplo, Frei Diogo Alves da Cunha que participou na conquista de Ceuta e
se encontra sepultado na Igreja de Nª Sª da Conceição, na Covilhã.
O seu núcleo
urbano estende-se entre os 450 e os 800 metros de altitude. É, de facto, uma
cidade de caraterísticas próprias desde há séculos, conjugando em simultâneo factos
interessantes da realidade portuguesa. Vale a pena visita a Covilhã e a Serra
da Estrela.
JO:- Falemos
de futebol. Sabemos que é um apaixonado pelo desporto rei e, nomeadamente do
Sporting Clube da Covilhã, onde jogaram os algarvios, Fernando Cabrita, José
Rita, Eminêncio, Isaurindo, Hélder, irmãos Cavém. Sabemos também que viu jogar
o Olhanense no Estádio Santos Pinto. Recorde-nos esses tempos, quando o célebre
Simonyi fazia furor e o Sporting da Covilhã estava na I Divisão. Enfim,
recorde-nos outros tempos, quando o futebol arrastava multidões.
JN: - Muito
já escrevi sobre o Sporting Clube da Covilhã (SCC), não só por via dos quatro
livros publicados, mas, muito antes, em artigos de opinião, memórias escritas
em diversos jornais e notícias variadas, desde aniversários a falecimentos, dos
grandes eventos às crises e casos por que passou. Como o SCC é do mesmo tempo
de fundação da Union Deportiva de Salamanca, trocamos impressões, e cheguei a
vir mencionado nas páginas do jornal El Adelanto, com foto alusiva,
sobre a vida dos nossos dois clubes que vínhamos memorizando.
O mesmo
aconteceu, por mera casualidade, com o jornal O Olhanense, no ano 1993,
quando andava a escrever o meu segundo livro do SCC. Através dos jornais
desportivo Record e A Bola surgiu um meu pedido para que me
contactassem as antigas velhas glórias que, entretanto, mencionara, para serem
integradas no livro, já que desconhecia o seu paradeiro. Ora, o Algarve foi um
alfobre de atletas que ingressaram no SCC. Foi assim que, em certo momento
recebi um telefonema do vosso falecido entusiasta e amigo do Olhanense, Augusto
Ramos Teixeira, que passou a indicar-me vários contactos. Perguntei-lhe se o
Clube tinha um jornal e, a partir daí, ainda que esporadicamente, comecei a
escrever alguns textos, e outros foram referências sobre a minha pessoa do
falecido diretor, Herculano Valente. Excetuando o Isaurindo e o Eminêncio, privei
com todos eles, incluindo o espanhol Suarez, que residia no Brasil. Todos já
desapareceram do mundo dos vivos. Fiquei triste ao dar a notícia para os
jornais do falecimento de vários deles.
Nos tempos que
referiu, da I Divisão, era uma das grandes atrações da cidade e região, virem
ver jogar os grandes clubes ao Estádio Santos Pinto. A cidade entrava em festa,
o que já não acontece nos tempos que correm. Os militares que se encontravam no
extinto Batalhão de Caçadores 2 subiam aos pinheiros que se situavam na parte
norte do estádio para poderem ver os jogos.
Eu assisti à
maior parte deles e, no final, adolescente, aguardava juntamente com outra
rapaziada, a saída dos jogadores do SCC e adversários para os autocarros. Foi
numa dessas alturas que me recordo então do Filhó, do Reina, e de outros, que,
entretanto, acompanhava nos jornais que ia lendo na Biblioteca Municipal; assim
como dos outros clubes: a CUF, o Caldas, o Torreense, o Oriental, o Atlético, Lusitano
de Évora…
JO:- Face à
pergunta anterior, fale-nos dos dias de hoje, dos milhões que o futebol
envolve, da “desertificação” dos estádios, das SADs, enfim, fale-nos do futebol
dos dias de hoje.
JN:- Preferia
não falar neste assunto porque me traz um ar de revolta. Não concordo com a
enormidade de jogadores que entram e saem dos clubes, exclusivamente por via do
vil metal, não suando as camisolas como antigamente – o tal amor à camisola –
se bem que há muitas exceções. Depois, a estupidez dum fanatismo desenfreado em
que não se aceita desportivamente a debilidade de uma equipa face a outra com
maiores possibilidades de obter jogadores para as suas cores. A minha
discordância absoluta com os milhões que se pagam com a aquisição de jogadores,
pagos a peso de ouro, contrastando com tantos que comem o pão que o diabo
amassou, e outros que nem a esse chegam.
Não gosto do
termo “comprar jogadores”, “vender jogadores”, pois mais me parece estarmos a
falar dum mercado de escravos. Só que, obviamente, eles não se importam de
serem escravos de luxo.
Depois, o enfadonho
dos comentaristas (não gosto do termo “paineleiro”) em repetições televisivas
sempre com os mesmos autores a darem a sua opinião (obviamente que estão lá bem
pagos), tantas vezes com atitudes conducentes aos desvarios na repulsa e no
empolar de inimizades.
E, como não
podia deixar de ser, aquelas arbitragens (com ou sem VAR) em que só não vê quem
não quer, e que nos trazem para uma situação de nos direcionarmos na apatia
pelos jogos. E os casos de corrupção, e todos os outros et ceteras.
Há muito que
abandonei os estádios e sou tão só um espetador de sofá, ainda que seja
associado e me alegre ou sofra com os ventos e marés por que vão passando os
clubes do meu coração.
JO:-
Voltemo-nos para o jornalismo. Como aparece a escrever no jornal “O Olhanense” já
nos referiu. E quando começou a admirar este Clube algarvio?
JN:- Bom,
a continuidade da minha colaboração quinzenal no jornal “O Olhanense”, após o
falecimento do antigo diretor, Herculano Valente, com que fiquei perplexo sobre
essa continuidade, deveu-se à prontidão com que o atual diretor-adjunto, Mário
Proença, me escreveu a pedir para continuar porquanto o jornal iria prosseguir,
e deu-me a entender com mais força, o que na realidade assim aconteceu, e a ele se deve. Um Homem incansável!
A minha
admiração por este Clube algarvio, assim como tenho por mais alguns, deve-se
essencialmente aquele período da minha adolescência em que ficaram na memória
os jogos disputados no Santos Pinto, na maior parte das vezes em situações de
apuros para se manterem na I Divisão, e, depois, porque iniciei o meu serviço
militar em Tavira, e logo aí recordei, mais uma vez, os homens de Olhão, como
podia ser do Farense, mas não aconteceu com este.
JO:- Ainda
na vertente «jornalismo», qual a sua opinião sobre os jornais locais e a sua
importância no panorama jornalístico nacional.
JN:- São
de grande importância para que possam fazer chegar às instâncias governamentais,
nomeadamente na proximidade das autarquias, e não só, ao jornalismo de
referência, sério, as preocupações veiculadas pelos jornais locais, que tantas
vezes àqueles senhores lhes entram pelo ouvido e saem pelo outro.
Principalmente no Interior, ou onde não existem outros órgãos de informação, é
por força da força dos que insistem, e persistem, para a resolução dos
problemas locais, e também do País (embora aqui já seja uma gota no oceano) que
algo se vai conseguindo. É de aproveitar a época de eleições, ou quando algum
prevaricador é apanhado na rede e insistir que água mole em pedra dura tanto dá
até que fura. Não se compreende a inexistência de um jornal local pleno de
energia, o que, para isso, é preciso saber ter pessoas com o engenho e a arte
para manter o barco a navegar em águas tranquilas. Felizmente que, neste
contexto, colaboro nos vários jornais com estas caraterísticas, nomeadamente o
jornal O Olhanense.
JO:- O
jornal “O Olhanense” tem 57 anos de existência. Dê-nos a sua opinião sobre este
periódico, que tão bem conhece.
JN:- A
minha opinião é sobejamente conhecida
pois por algumas vezes lhes enviei mensagens de satisfação, algumas reportadas
neste jornal, pelos temas tratados, nas memórias de outrora, na história do
País, nos artigos de opinião diversificados, nas informações úteis, e não um
jornal exclusivamente desportivo, como outros são de excessiva respeitabilidade
diocesana, onde se perde a independência de opinião. É notório que se conhece o
mentor de todo este trabalho de folhear as páginas do Olhanense, sempre
na avidez do que vai encontrar. Como já em tempos referi, gostaria, no entanto,
de ver que os colaboradores também estivessem mais representados no feminino.
JO:- O que faltou
dizer?
JN:- Talvez
não chegassem todas as páginas deste jornal, penso, mas temos que respeitar o
espaço e não sermos maçadores como aqueles que eu atrás referi, os comentadores
televisivos…
Queria tão só
recordar que no âmbito cultural, aquando de homenagens a figuras como as velhas
glórias do desporto citadino, ou o lançamento de livros, tive o ensejo de
proporcionar algumas exposições temáticas, e, por outro lado, a oportunidade de
ter sido convidado pela UBI para falar das dificuldades do jornalismo, na
preocupação do jornalista Adelino Gomes. Também no Museu de Lanifícios da mesma
Universidade, outro convite surgiu para falar sobre o desporto em geral e
mormente o SCC.
Atualmente só
me dedico, na escrita, com regularidade, a quatro jornais, pois em todo o tempo
da minha vida já escrevi em 30 periódicos, alguns já desaparecidos, tendo
publicado 10 livros e 3 revistas.
Há mais de meio
século a escrever e a exercer ações em prol da minha Terra e das atividades que
fui desenvolvendo, e não só, tenho a honra de ter sido nomeado sócio de mérito
do SCC e de ter recebido o 1.º Galardão de Sócio do mesmo Clube, tendo esta última
homenagem sido fruto da visão do atual presidente da direção do clube serrano,
José Oliveira Mendes, que muito me sensibilizou. Depois, a homenagem que a
Liberty Seguros me prestou por iniciativa do então CEO, Dr. José António de
Sousa, foram marcas para a minha vida.
A solidariedade
é o campo em que, há muitos anos, conjuntamente com a minha esposa, nos
dedicamos aos mais necessitados por via da Conferência de São Vicente de Paulo.
No entanto, enquanto eu me agarro ao computador para a escrita, está ela a
receber dezenas de chamadas diárias para socorro nas suas necessidades, e a
liderar ações a desenvolver para as colmatar, mormente neste tempo de pandemia
em que tivemos de nos juntar num Movimento de Cidadania Ativa. E, conforme
atrás foi referido, existem aqueles milhões que se gastam no futebol.
JO: Para
finalizar, uma mensagem, para os Olhanenses e para as gentes da Covilhã.
JN:- A
minha mensagem para os algarvios, de Olhão, e os serranos, da Covilhã, é de que
as distâncias entre o mar e a montanha se encurtem de tal forma que se
mantenham todos irmanados nos laços de
amizade e compreensão nos bons e maus momentos que se vão atravessando, e onde
a palavra felicidade seja extensiva a todos.
(In Jornal "O Olhanense", de 01-10-2020)
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