14 de abril de 2021

NESTE TEMPO DE PRIMAVERA

 

No dia em que os prezados leitores lerem este texto, já passou a Páscoa, mas ele foi ainda escrito à beira da mesma, com o país a recear uma subida do índice de transmissibilidade (Rt). Na reunião do Infarmed foram deixados vários alertas. Entre eles, o do último relatório do estado de emergência que chama a atenção para os ajuntamentos. Que persistem na teimosia das pessoas irresponsáveis. Assim como o não uso da máscara. Num tal descaramento. Que também persiste. Como se as pessoas vivessem exclusivamente num mundo rural de iletrados.

Depois de um inverno duro, chuvoso, rigoroso, fechado, os portugueses sonharam com a primavera. Ela aí está. Mas o sonho dos portugueses, isto é, de todos nós, é de uma primavera que traga boas notícias, desconfinamento e alguma estabilidade. Precisamos, sim, duma primavera que seja um tempo de confiança e esperança, de reenergizar e renascer para aquela força de vários horizontes que se foi dissipando com a maldita doença infeciosa.

Começa-se agora a indagar a génese do vírus que deu lugar a esta pandemia, tendo-se iniciado, para esse efeito, a conferência da Organização Mundial da Saúde (OMS). E já se diz que Wuhan e o mercado chinês não podem ser vistos como sua origem.

Com Portugal a baixar o número de mortos e internados, a vacina da AstraZeneca que tantos receios têm causado nas pessoas, mudou o nome para Vaxzevria, vá-se lá saber porquê.

Estes últimos dias foram preenchidos de momentos simbólicos marcando o regresso de dois grandes blocos mundiais: EUA e UE por um lado, China e Rússia por outro. Foi assim uma demonstração de unidade, com Pequim e Moscovo a acusarem os países ocidentais de interferirem nos seus assuntos internos, depois do anúncio de sanções por graves violações de direitos humanos, e defenderam a realização de uma cimeira do Conselho de Segurança das Nações Unidas para debater a “turbulência política crescente” no mundo.

E, se de vacinas nos reportamos acima, ficou também à vista a fragilidade da UE para dar resposta conjunta aos desafios impostos pela covid-19. Segundo o Público, “além da dependência em matéria de vacinas, continua a viver a pandemia a várias velocidades: uns países fecham portas enquanto outros, como Portugal, desconfinam. Com tanta indefinição, o regresso do turismo no verão pode ser ‘um passo maior do que a perna’”.

Este país à beira-mar plantado tem sido um “eldorado” para alguns. Senão vejamos: ainda fulguram, estiveram na ribalta dois grandes negócios nacionais. Eles provieram em momentos diferentes, com governos diferentes, mas com um denominador comum – o Estado saiu a perder. O primeiro reporta-se à venda de seis barragens da EDP, “que afinal não foi uma venda em sentido jurídico estrito, e assim quem comprou sem comprar acabou por poupar a módica quantia de 110 milhões de euros em imposto de selo” Tudo “devido a uma alteração ao Estatuto dos Benefícios Fiscais no Orçamento de 2020”, que o Governo nega ter feito para beneficiar a luso-chinesa EDP. O outro negócio deste “eldorado” refere-se à compra da Groundforce por Alfredo Casimiro. Foi resumido pelo ministro Pedro Nuno dos Santos no Parlamento de que Casimiro “não comprou empresa nenhuma, recebeu dinheiro para a ter”. Contou ainda que o maior acionista da empresa de assistência em terra recebeu 7,6 milhões entre 2012 e 2018, e que só depois disso é que pagou 3,7 milhões pela maioria do capital que adquiriu em 2012.

Palavras para quê?... Trata-se de uns “artistas” portugueses e usam a tal pasta medicinal…

Reverso da medalha: Enquanto isto, do lado de baixo da escala social, cresce a pobreza. Conforme conta Cristina Pereira, in Público, “Portugal voltou a ter cem mil famílias abrangidas pelo Rendimento Social de Inserção, algo que não se verificava há dois anos. Só um mês de confinamento empurrou quase três mil famílias para esta medida, destinada a quem vive na pobreza extrema”.

Será que depois da Páscoa podemos esperar por um desabrochar da vida, num desconfinamento pleno? É indubitável que tudo depende da conduta de cada um.

Aproveito a oportunidade para desejar ao Jornal fórum Covilhã as maiores felicidades na senda dum jornalismo de isenção, como é seu apanágio, num aceno de parabéns pelo seu décimo aniversário, ao serviço do Concelho da Covilhã, da Região Beirã e do País.


(In "Jornal fórum Covilhã", de 14-04-2021)

 

9 de abril de 2021

ANTAGONISMOS

 

Este tempo pandémico não nos permite fazer as atividades desejadas. A Direção do Núcleo da Liga dos Combatentes da Covilhã não refuta o arregaçar as mangas para ajudar os seus associados.

Com a Covid 19 faleceu o mais temido comando africano do Exército português. Marcelino da Mata morreu aos 81 anos. Foi através da falta de consensos sobre esta figura – a mais condecorada como oficial português, que se geraram controvérsias. Não teve honras militares. Marcelino da Mata terá vestido a pele de vilão sanguinário, e, paradoxalmente, de herói destemido. Este comando negro, que combateu ao serviço do Exército português, por todos foi reconhecida a sua bravura na guerra colonial. Mas há quem não lhe perdoe os “crimes de guerra” que dizem ter cometido, mas pelos quais nunca foi acusado.

Personalidade que jamais gerará consenso em Portugal e na Guiné-Bissau, pois os atos de bravura militar que alguns consideram de heroísmo serão sempre vistos nestes dois países de forma diversa, segundo opina o historiador guineense Julião Soares Sousa. Já para Sofia Palma Rodrigues, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, doutoranda em Pós-Colonialismos e Cidadania Global, “O colonialismo foi algo hediondo e Marcelino da Mata é fruto disso; e os comandos são fruto de um regime que massacrou pessoas durante mais de 500 anos”.

Não se pode olhar para a história de África dessa altura com os olhos de hoje. O serviço militar era obrigatório. Marcelino da Mata era português. Não havia escola: ou se ia para a tropa ou se entrava na ilegalidade. Na altura todos os guineenses estavam sob o domínio português e os movimentos de libertação eram apresentados como terroristas. A população era pobre e iletrada sob o Estado colonial.

Marcelino da Mata estava em Portugal quando foi a independência da Guiné-Bissau, mas os que não deixaram a África “ficaram do lado errado da história”, tendo sido abandonados pelo Estado português. Muitos deles foram mortos pelos novos dirigentes dos países independentes. Os negros nativos à altura eram tão portugueses como os outros militares.

Julião Soares de Sousa, que tem uma das áreas de especialização – O “Colonialismo, Anticolonialismo e a Identidade Nacional”, recorda “o homem com uma coragem inaudita e transcendental, que protagonizou com o seu grupo de Comandos, a mais de 2000 operações militares, alguma delas arriscadas e de grande complexidade.

O Presidente da Liga dos Combatentes, general Joaquim Chito Rodrigues, recorda em Marcelino da Mata, “feitos da maior coragem, bravura e lealdade à bandeira de Portugal, que jurou servir”.

Já o coronel Raul Folques, um dos oficiais vivos do Exército mais condecorado, que eu conheci em 1968 em Tavira, no CISMI, como capitão (era ele o comandante das Companhias de Instrução e Formação), esteve com Marcelino da Mata numa operação militar levada a cabo pelo Batalhão de Comandos da Guiné, em 1973, refere: “naturalmente considero este português como o mais excelente e extraordinário combatente das nossas campanhas na guerra que mantivemos durante cerca de 14 anos, de 1961 a 1975, inigualável em determinação, persistência no esforço, firmeza de ânimo, audácia e coragem”.

Também Vasco Lourenço, militar da revolução dos cravos e que preside à Associação 25 de Abril concorda que Marcelino “foi um grande combatente, corajoso, extraordinário e destemido, mas que cometeu crimes de guerra, e torná-lo um herói é ofender todos os antigos combatentes que combateram dentro das regras. Na guerra nem tudo se justifica”.

O Tenente-Coronel Marcelino da Mata foi tema no programa “Circulatura do Quadrado”, da TVI24, e, das várias opiniões, Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, considerou que “temos de olhar para o passado e não negar nada do que aconteceu. É muito difícil achar que matar ou degolar transforma pessoas em heróis. Nenhum de nós consegue olhar para a Guerra Colonial e não dizer a tragédia, a desgraça que foi, não só quando ela aconteceu, mas com todas as sequelas que deixou em milhares de portugueses que combateram”.

Do outro lado da barricada esteve o ativista antirracismo Mamadou BA, dirigente da associação    SOS Racismo, com comentários depreciativos sobre o falecido militar condecorado Marcelino da Mata, proferindo declarações caluniosas na rede social Twitter. De imediato, um movimento de quase quinze mil pessoas, exigiram a deportação daquele ativista. Nestes contraditórios se geraram polémicas entre as duas partes, em acesas fogueiras de ódio.

E, tudo isto, proveniente das guerras coloniais, donde surgiram imensos problemas que alguns antigos Combatentes ainda continuam a sentir e sem uma justa reparação do Estado português.

Para terminar, renovo os sentidos pêsames, ao Presidente da Direção do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes e Diretor deste periódico, João Cruz Azevedo, pelo falecimento da sua esposa, D. Maria Manuela Azevedo, ocorrido no dia 11 de fevereiro. Era sócia extraordinária deste Núcleo. Que Deus a tenha no eterno descanso. Para o amigo João Azevedo, um grande abraço.


(In "O Combatente da Estrela", nº. 122, de abril de 2021)

CONTE-NOS A SUA HISTÓRIA - MANUEL VAZ RODRIGUES

 Covilhanense de gema, radicado há muitos anos em Lisboa, ele é, atualmente, de há vários anos, o Presidente da Direção da Casa da Covilhã em Lisboa.

Não foi com facilidade que conseguimos obter a sua colaboração para este número, já que os seus dois netinhos (problema de muita gente) o têm ocupado, por força da sua filha e genro, médicos, com frequência se encontram impossibilitados de se ocupar totalmente dos filhos.

Figura amante do desporto, que ainda hoje pratica, esteve e continua ligado ao associativismo. Nasceu na freguesia de São Martinho e não esquece o Oriental, nem o Sporting da Covilhã que chegou a vestir a sua camisola nas camadas jovens. Sou uma das testemunhas da sua grande força em prol dos interesses do Concelho da Covilhã, em Lisboa, pronto para colaborar. Várias ações culturais se desenvolveram já na Casa da Covilhã, em Lisboa, não esquecendo a réplica da Feira de S. Miguel, que a pandemia veio interromper.

Se considerarmos que quem foi obrigatoriamente mobilizado para Timor foi bafejado pela sorte, temos que considerar que só o facto de se estar longe da família, em terras tão distantes, é já um problema, mas, neste caso, a sorte esteve do lado de Manuel Vaz.

Corria o ano de 1970 quando o mancebo Manuel entrou pela primeira vez numa unidade militar, por obrigação, neste caso o Batalhão de Caçadores 6, em Castelo Branco, onde fez a recruta e depois seguiu para as terras do Lis, onde tirou a especialidade de escriturário, no RAL 4. Daqui foi colocado em Abrantes, onde descreve a sua vida até ser mobilizado:

REESCREVER A HISTÓRIA OU COMPREENDÊ-LA

Como qualquer cidadão aprendi a História de Portugal nos livros oficiais do nosso ensino. Ainda na escola primária, no livro de história, recordo uma foto de Mouzinho de Albuquerque prendendo Gungunhana. A foto revelava a força do militar português contra a impotência do rei da Gaza que liderava a luta contra o colonizador português. Com o tempo, compreendi melhor o significado daquela foto…

Hoje, como naquela época, continuo a considerar Mouzinho de Albuquerque um grande militar português e convivo muito bem com o facto de Gungunhana ser um herói, um símbolo da luta pela independência para os moçambicanos.

Estávamos em julho de 1970. Cumpria o serviço militar em Abrantes (RI 8). Era uma quinta-feira. Recebo a informação verbal: “Foste mobilizado, vais para Timor”. Naquela época, mais cedo ou mais tarde todos aguardavam uma notícia daquelas. Bom, pensei, é melhor do que ir para a Guiné, onde, pelo que se sabe, a guerra estava bem “acesa”. No dia seguinte, segunda-feira, eu e um companheiro covilhanense, mobilizado para a Guiné, viajámos para a Covilhã para passar o fim de semana. Marcámos o retorno à Unidade para o domingo à noite, mas o meu amigo não apareceu… Alguns dias depois, recebi a informação de que ele tinha telefonado. Estava em França. Tenho para mim que, ao contrário de algumas respeitáveis opiniões, o ato de renúncia à guerra do Ultramar era, acima de tudo, um ato de muita coragem!... A 14 de fevereiro de 1971, meio ano após a mobilização embarquei no navio Timor que zarpou do cais de Alcântara. Em Timor comemorei 22 anos em pleno oceano Índico. A chegada ao Porto de Dili foi a 1 de abril, após 46 dias de viagem.

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O militar covilhanense, Manuel Vaz, por lá passou todo o tempo, no Quartel-General, cumprindo a sua missão, regressando à Covilhã em 10 de maio de 1973.

(In "O Combatente da Estrela", N.º 122, de abril de 2021)