Este tempo pandémico não nos
permite fazer as atividades desejadas. A Direção do Núcleo da Liga dos
Combatentes da Covilhã não refuta o arregaçar as mangas para ajudar os seus
associados.
Com a Covid 19 faleceu o mais
temido comando africano do Exército português. Marcelino da Mata morreu aos 81
anos. Foi através da falta de consensos sobre esta figura – a mais condecorada
como oficial português, que se geraram controvérsias. Não teve honras
militares. Marcelino da Mata terá vestido a pele de vilão sanguinário, e,
paradoxalmente, de herói destemido. Este comando negro, que combateu ao serviço
do Exército português, por todos foi reconhecida a sua bravura na guerra
colonial. Mas há quem não lhe perdoe os “crimes de guerra” que dizem ter
cometido, mas pelos quais nunca foi acusado.
Personalidade que jamais
gerará consenso em Portugal e na Guiné-Bissau, pois os atos de bravura militar
que alguns consideram de heroísmo serão sempre vistos nestes dois países de
forma diversa, segundo opina o historiador guineense Julião Soares Sousa. Já
para Sofia Palma Rodrigues, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra, doutoranda em Pós-Colonialismos e Cidadania Global, “O colonialismo
foi algo hediondo e Marcelino da Mata é fruto disso; e os comandos são fruto de
um regime que massacrou pessoas durante mais de 500 anos”.
Não se pode olhar para a
história de África dessa altura com os olhos de hoje. O serviço militar era
obrigatório. Marcelino da Mata era português. Não havia escola: ou se ia para a
tropa ou se entrava na ilegalidade. Na altura todos os guineenses estavam sob o
domínio português e os movimentos de libertação eram apresentados como
terroristas. A população era pobre e iletrada sob o Estado colonial.
Marcelino da Mata estava em
Portugal quando foi a independência da Guiné-Bissau, mas os que não deixaram a África
“ficaram do lado errado da história”, tendo sido abandonados pelo Estado
português. Muitos deles foram mortos pelos novos dirigentes dos países
independentes. Os negros nativos à altura eram tão portugueses como os outros
militares.
Julião Soares de Sousa, que
tem uma das áreas de especialização – O “Colonialismo, Anticolonialismo e a
Identidade Nacional”, recorda “o homem com uma coragem inaudita e
transcendental, que protagonizou com o seu grupo de Comandos, a mais de 2000
operações militares, alguma delas arriscadas e de grande complexidade.
O Presidente da Liga dos
Combatentes, general Joaquim Chito Rodrigues, recorda em Marcelino da Mata,
“feitos da maior coragem, bravura e lealdade à bandeira de Portugal, que jurou
servir”.
Já o coronel Raul Folques, um
dos oficiais vivos do Exército mais condecorado, que eu conheci em 1968 em
Tavira, no CISMI, como capitão (era ele o comandante das Companhias de
Instrução e Formação), esteve com Marcelino da Mata numa operação militar
levada a cabo pelo Batalhão de Comandos da Guiné, em 1973, refere:
“naturalmente considero este português como o mais excelente e extraordinário
combatente das nossas campanhas na guerra que mantivemos durante cerca de 14
anos, de 1961 a 1975, inigualável em determinação, persistência no esforço,
firmeza de ânimo, audácia e coragem”.
Também Vasco Lourenço, militar
da revolução dos cravos e que preside à Associação 25 de Abril concorda que
Marcelino “foi um grande combatente, corajoso, extraordinário e destemido, mas
que cometeu crimes de guerra, e torná-lo um herói é ofender todos os antigos
combatentes que combateram dentro das regras. Na guerra nem tudo se justifica”.
O Tenente-Coronel Marcelino da
Mata foi tema no programa “Circulatura do Quadrado”, da TVI24, e, das várias
opiniões, Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, considerou que “temos
de olhar para o passado e não negar nada do que aconteceu. É muito difícil
achar que matar ou degolar transforma pessoas em heróis. Nenhum de nós consegue
olhar para a Guerra Colonial e não dizer a tragédia, a desgraça que foi, não só
quando ela aconteceu, mas com todas as sequelas que deixou em milhares de
portugueses que combateram”.
Do outro lado da barricada
esteve o ativista antirracismo Mamadou BA, dirigente da associação SOS Racismo,
com comentários depreciativos sobre o falecido militar condecorado Marcelino da
Mata, proferindo declarações caluniosas na rede social Twitter. De imediato, um
movimento de quase quinze mil pessoas, exigiram a deportação daquele ativista. Nestes
contraditórios se geraram polémicas entre as duas partes, em acesas fogueiras
de ódio.
E, tudo isto, proveniente das
guerras coloniais, donde surgiram imensos problemas que alguns antigos
Combatentes ainda continuam a sentir e sem uma justa reparação do Estado português.
Para terminar, renovo os sentidos pêsames, ao Presidente da Direção do
Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes e Diretor deste periódico, João Cruz
Azevedo, pelo falecimento da sua esposa, D. Maria Manuela Azevedo, ocorrido no
dia 11 de fevereiro. Era sócia extraordinária deste Núcleo. Que Deus a tenha no
eterno descanso. Para o amigo João Azevedo, um grande abraço.
(In "O Combatente da Estrela", nº. 122, de abril de 2021)
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