9 de abril de 2021

ANTAGONISMOS

 

Este tempo pandémico não nos permite fazer as atividades desejadas. A Direção do Núcleo da Liga dos Combatentes da Covilhã não refuta o arregaçar as mangas para ajudar os seus associados.

Com a Covid 19 faleceu o mais temido comando africano do Exército português. Marcelino da Mata morreu aos 81 anos. Foi através da falta de consensos sobre esta figura – a mais condecorada como oficial português, que se geraram controvérsias. Não teve honras militares. Marcelino da Mata terá vestido a pele de vilão sanguinário, e, paradoxalmente, de herói destemido. Este comando negro, que combateu ao serviço do Exército português, por todos foi reconhecida a sua bravura na guerra colonial. Mas há quem não lhe perdoe os “crimes de guerra” que dizem ter cometido, mas pelos quais nunca foi acusado.

Personalidade que jamais gerará consenso em Portugal e na Guiné-Bissau, pois os atos de bravura militar que alguns consideram de heroísmo serão sempre vistos nestes dois países de forma diversa, segundo opina o historiador guineense Julião Soares Sousa. Já para Sofia Palma Rodrigues, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, doutoranda em Pós-Colonialismos e Cidadania Global, “O colonialismo foi algo hediondo e Marcelino da Mata é fruto disso; e os comandos são fruto de um regime que massacrou pessoas durante mais de 500 anos”.

Não se pode olhar para a história de África dessa altura com os olhos de hoje. O serviço militar era obrigatório. Marcelino da Mata era português. Não havia escola: ou se ia para a tropa ou se entrava na ilegalidade. Na altura todos os guineenses estavam sob o domínio português e os movimentos de libertação eram apresentados como terroristas. A população era pobre e iletrada sob o Estado colonial.

Marcelino da Mata estava em Portugal quando foi a independência da Guiné-Bissau, mas os que não deixaram a África “ficaram do lado errado da história”, tendo sido abandonados pelo Estado português. Muitos deles foram mortos pelos novos dirigentes dos países independentes. Os negros nativos à altura eram tão portugueses como os outros militares.

Julião Soares de Sousa, que tem uma das áreas de especialização – O “Colonialismo, Anticolonialismo e a Identidade Nacional”, recorda “o homem com uma coragem inaudita e transcendental, que protagonizou com o seu grupo de Comandos, a mais de 2000 operações militares, alguma delas arriscadas e de grande complexidade.

O Presidente da Liga dos Combatentes, general Joaquim Chito Rodrigues, recorda em Marcelino da Mata, “feitos da maior coragem, bravura e lealdade à bandeira de Portugal, que jurou servir”.

Já o coronel Raul Folques, um dos oficiais vivos do Exército mais condecorado, que eu conheci em 1968 em Tavira, no CISMI, como capitão (era ele o comandante das Companhias de Instrução e Formação), esteve com Marcelino da Mata numa operação militar levada a cabo pelo Batalhão de Comandos da Guiné, em 1973, refere: “naturalmente considero este português como o mais excelente e extraordinário combatente das nossas campanhas na guerra que mantivemos durante cerca de 14 anos, de 1961 a 1975, inigualável em determinação, persistência no esforço, firmeza de ânimo, audácia e coragem”.

Também Vasco Lourenço, militar da revolução dos cravos e que preside à Associação 25 de Abril concorda que Marcelino “foi um grande combatente, corajoso, extraordinário e destemido, mas que cometeu crimes de guerra, e torná-lo um herói é ofender todos os antigos combatentes que combateram dentro das regras. Na guerra nem tudo se justifica”.

O Tenente-Coronel Marcelino da Mata foi tema no programa “Circulatura do Quadrado”, da TVI24, e, das várias opiniões, Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, considerou que “temos de olhar para o passado e não negar nada do que aconteceu. É muito difícil achar que matar ou degolar transforma pessoas em heróis. Nenhum de nós consegue olhar para a Guerra Colonial e não dizer a tragédia, a desgraça que foi, não só quando ela aconteceu, mas com todas as sequelas que deixou em milhares de portugueses que combateram”.

Do outro lado da barricada esteve o ativista antirracismo Mamadou BA, dirigente da associação    SOS Racismo, com comentários depreciativos sobre o falecido militar condecorado Marcelino da Mata, proferindo declarações caluniosas na rede social Twitter. De imediato, um movimento de quase quinze mil pessoas, exigiram a deportação daquele ativista. Nestes contraditórios se geraram polémicas entre as duas partes, em acesas fogueiras de ódio.

E, tudo isto, proveniente das guerras coloniais, donde surgiram imensos problemas que alguns antigos Combatentes ainda continuam a sentir e sem uma justa reparação do Estado português.

Para terminar, renovo os sentidos pêsames, ao Presidente da Direção do Núcleo da Covilhã da Liga dos Combatentes e Diretor deste periódico, João Cruz Azevedo, pelo falecimento da sua esposa, D. Maria Manuela Azevedo, ocorrido no dia 11 de fevereiro. Era sócia extraordinária deste Núcleo. Que Deus a tenha no eterno descanso. Para o amigo João Azevedo, um grande abraço.


(In "O Combatente da Estrela", nº. 122, de abril de 2021)

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