Sempre que me desloco ao Centro
Cirúrgico de Coimbra tenho o hábito de folhear a revista Olhares que
aquela instituição edita trimestralmente, tendo-me chamado à atenção um
excelente artigo da Psicóloga Clínica, Vanda Clemente, especialista em Medicina
Comportamental do Sono.
Muito do conteúdo deste artigo dá
resposta ao que se passa connosco ao longo dos dias das nossas vidas, entre
sonhos como mensagens de inspiração divina, à realização de desejos ou
fantasias. Podem ser curtos, longos, a cores ou a preto e branco, estranhos,
angustiantes ou engraçados. É, por assim dizer, aquele mistério de sonhar.
Eu que não consigo dormir as
horas normais há anos, não deixo de ter sonhos durante o tempo que durmo,
recordando-me de vários sonhos repetidos ao longo do tempo, alguns que bem
parecem a realidade e que só quando acordo sinto o lenitivo de que se tratava
dum sonho. Também já aconteceram aqueles sonhos de pesadelo que ao levantar
parece que tinha a Serra da Estrela às costas. Mas isto penso acontecer com
todos nós, uns mais que outros.
Segundo aquela Psicóloga Clínica,
os sonhos correspondem à atividade mental involuntária que ocorre durante o
sono: são imagens, pensamentos ou emoções. As imagens visuais são as mais
comuns, coloridas ou a preto e branco, mas também podem envolver sons, odores,
sabores e sensações tácteis. Os sonhos podem constituir uma coleção de imagens
e eventos ilógicos, incoerentes ou fantásticos, podem organizar-se em histórias
reais entre personagens e, por vezes, são mais impressionistas, carregados de
emoções.
Ainda me recordo do primeiro
sonho que tive ainda no meu primeiro ou segundo ano de vida. Lembro-me de dizer
â minha Mãe que me tinham acontecido coisas estranhas durante a noite quando
dormia. Foi quando a minha Mãe me disse que isso era um sonho.
“Há um período em que os sonhos
são mais organizados (sonhos REM) com sequências progressivas e são
emocionalmente mais intensos, com conteúdos fantásticos em que conseguimos
proezas fisicamente impossíveis e temos experiências perturbadoras e
intrigantes. Mas também há outro período (sonhos NREM) em que os sonhos são
geralmente mais curtos, menos nítidos e têm um conteúdo mais coerente e menos
emotivo, relacionados com pensamentos ou memórias sobre um tempo e um lugar
específicos. Os sonhos tendem a predominar nas horas antes de acordar.”
Porque sonhamos, ao certo ainda
não sabemos. Segundo a Olhares, “os sonhos parecem ter um papel
importante na consolidação da memória, no processamento das emoções, na
reprodução instantânea de acontecimentos recentes, para que sejam analisados, e
na limpeza mental, libertando informações desnecessárias.”
Sonhar faz parte de um sono
saudável e melhora o funcionamento cognitivo e emocional. No entanto, os pesadelos podem ter um impacto
negativo no sono, pois provocam despertares noturnos.
Já dizia Fernando Pessoa: “Mudem-me
os deuses os sonhos, mas não o dom de sonhar”.
Os sonhos permanecem um objeto de
mistério e de fascínio e nem sempre foram considerados um produto da mente. Da
Antiguidade até hoje, algo mudou na forma de vermos e interpretarmos os sonhos.
O sonho foi abordado como objeto de psicologia, pela primeira vez, pelo
filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.).
Foi muito mais tarde,
principalmente no final do século XVIII e durante o século XIX, que se assistiu
ao desenvolvimento de diversas teorias psicológicas sobre os sonhos. Sigmund
Freud (1856-1939), médico austríaco, neurologista e psiquiatra, criador da
psicanálise, considerava que o sonho é a realidade de um desejo inconsciente, a
expressão de fantasias proibidas e reprimidas durante a vigília.
Já Alfred Adler (1870-1937),
psicólogo austríaco, defendeu que o indivíduo ensaia, durante o sonho, futuras
situações que o ajudam a resolver problemas.
Muito haveria que falar sobre o
sonho, e é ainda Fernando Pessoa que, das suas cinco frases universais no livro
Mensagem, sobressai que “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, sem
esquecer a Pedra Filosofal, de António Gedeão/Rómulo de Carvalho: “Eles
não sabem, nem sonham/que o sonho comanda a vida/Que sempre que um homem
sonha/o mundo pula e avança/ como bola colorida/entre as mãos de uma criança”.
(In "Jornal fórum Covilhã", de 13-10-2021)