19 de janeiro de 2022

2022 – DESEJAMOS UM NOVO TEMPO

 

Chegámos ao fim de mais um ano. Foram trezentos e sessenta e cinco dias. Muitas vezes nos pareciam ter o dobro do tempo. Noutras situações, paradoxalmente, as horas não eram suficientes para chegar a bom porto no cumprimento dos desafios que tínhamos pela frente. Quantas vezes tivemos que agarrar o touro pelos cornos.

A entrada no novo ano, se bem que deve ser encarada com expetativa, está, no entanto, rodeada de incertezas. Vejamos como já estávamos a caminho dum certo lenitivo da fase pandémica, e, dum momento para o outro, surge a variante Ómicron. Os internamentos nos cuidados intensivos são em grande parte de não vacinados. De quando em vez lá vejo na necrologia alguns dos teimosos negacionistas. Outros, chegaram ao arrependimento só quando se viram com as algemas da doença que não perdoa.

A principal incerteza coloca-se quanto ao fim da crise pandémica. Esperávamos um efeito da imunidade de grupo tudo se direcionando para o fim da pandemia quando surgem as novas variantes como a já referida. E não fica por aqui, pois nos últimos dias, conforme noticia o Público, têm surgido notícias e burburinho sobre uma variante do SARS-CoV-2 identificada em França, a B.1.640.2, com mais de 40 mutações genéticas. “Especialistas têm-se desdobrado a explicar que, por agora, não há motivos para alarmismos. É para se ir vigiando, tal como acontece com outras variantes do vírus.”  Inverteu-se assim a tendência e atrasou-se o regresso a uma melhoria da situação por que todos ansiamos, no caminho duma normalidade que jamais será como antes de finais de 2019.

Desejamos um novo tempo. Estamos cansados de “dar tempo ao tempo”, ou até mesmo, para os cotas como eu, de “matar o tempo”, que, aliás, não se me adapta, porquanto sou um fervoroso adepto do “a tempo e horas” e tudo fazer “em dois tempos”, não deixando de “ocupar o tempo”.

Muitas das minhas crónicas se têm assumido no espaço temporâneo de contextos da espuma dos dias. Mas, quantas vezes, “de tempos a tempos” caio na tentação, qual mania, de ir aos tempos de outrora.

Antes desta maldição da pandemia, que quase só da história conhecíamos, retirou-nos da fase em que tudo era “a seu tempo” e que nos tempos que correm se tornou impensável. Como refere Sandra Marques, in Vida Económica, “Quase tudo é frenético, instantâneo, apressado, irrefletido e volátil, porque não temos tempo a perder”.

Foi repentina a transformação verificada, e inesperada, nas nossas vidas, com a amálgama de notícias em que nos vão surgindo aquelas que parecem boas e são más, e outras más que podem ser excelentes.

As expetativas para 2022 colocam-se de imediato no plano político, com as eleições de 30 de janeiro. Espera-se que as legislativas clarifiquem a situação política e permitam criar um governo estável.

De facto, ao estarmos a atravessar uma quinta vaga da pandemia, com os impactos e a incerteza que disso resulta, quiseram os senhores parlamentares mergulhar-nos numa crise política e em eleições antecipadas, “por simples recreio e regozijo da esquerda mais radical, daquela que quer fazer a revolução na rua, com sangue e dor, mas que o Governo de António Costa escolheu como predileta para acordos, e que alguns dos mais jacobinos no seu partido querem manter como prioridade para futuro”, nas palavras do Jurista e Gestor, Paulo Vaz.

É por isso que, reportando-nos ao tempo, na miscelânea de opiniões, têm cabimento os advérbios “sempre” e “nunca”, cedências ao tempo.

Com a expetativa de arranque simultâneo do PRR e do próximo quadro comunitário que em conjunto representam o volume mais elevado de recursos financeiros para apoio ao investimento público e privado, desejamos que este seja um novo tempo.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

(In “Jornal Fórum Covilhã”, de 19-01-2022)

12 de janeiro de 2022

A SEDUTORA NEVE

 

Foi na poesia de Augusto Gil que, na Guarda, onde passou a maior parte da sua vida e morreu – a “sagrada Beira” – se inspirou em 1909 para “A Balada de Neve”.

“Batem leve, levemente, /como quem chama por mim. /Será chuva? Será gente? / Gente não é, certamente / e a chuva não bate assim. (…) Fui ver. A neve caía / do azul cinzento do céu, / branca e leve, branca e fria… / - Há quanto tempo a não via! / E que saudades, Deus meu!”

A Serra da Estrela – montanha rainha do continente português, onde os covilhanenses se dispersam pela sua encosta e faldas, é a atração dos turistas nacionais e estrangeiros, mormente quando os flocos brancos e leves dão a alegria para quem visita esta cidade cosmopolita.

No domingo, 2 de janeiro, dei um salto às Penhas da Saúde, para acompanhar a família, e, na falta de neve nos caminhos da Estrela, estivemos no pavilhão “Serra da Estrela-Ice Arena”, ali instalado pela FDI-Portugal-Federação de Desportos de Inverno de Portugal, onde crianças, jovens e alguns adultos, ali se divertiram. Saudades da neve.

O mítico Café Martinho da Arcada, em Lisboa, “o café que se cruzou com a História”, completou 240 anos no dia 7 de janeiro. Este emblemático e mais duradouro café lisboeta tem grandes memórias. Apesar de ter aberto ao público em 1782, só quase 50 anos mais tarde o café viria a adquirir o nome que mantém ao dia de hoje. A sua fundação deve-se a Julião Pereira de Castro, neveiro-mor do reino, que inaugurou com pompa uma Casa da Neve – local onde se podia tomar refrescos e comer gelados graças aos blocos de neve trazidos propositadamente da Serra da Estrela para a corte.

Hoje, quando queremos alimentos frescos, congelados ou cubos de gelo, basta recorrer ao congelador do nosso frigorífico. Mas, até finais do século XIX, isso era difícil e caro. Produzir e trazer “neve”, ou, mais propriamente, blocos de gelo, da Serra da Estrela até Lisboa foi uma atividade iniciada em 1614 e que se prolongou até aos finais do século XIX, extinguindo-se com o aparecimento das fábricas de gelo industrial.  Foi o rei Filipe II de Portugal, que, estando com a corte em Lisboa, seguindo uma prática já usual na corte espanhola, pediu que produzissem neve (gelo) na Serra da Estrela e a trouxessem para Lisboa no verão, para ele a desfrutar em bebidas frescas e gelados. Foi então criada a figura de neveiro-mor (normalmente um fidalgo). Este estaria encarregue de fornecer diariamente entre 30 e 40 arrobas de neve à corte desde o primeiro dia de maio até ao último de outubro.

Segundo o Público, a neve era recolhida no inverno na Serra da Estrela e depositada em geleiras, poços profundos em zonas sombrias, compactada e coberta com palha, tornando-se gelo. No verão, os blocos de gelo eram recolhidos e cortados, geralmente no Covão da Ametade. Envoltos em serapilheiras e cobertos com palha, seguiam por carroças, burros e cavalo até ao Zêzere, se o caudal do rio o permitisse e, depois de Constança, pelo Tejo até à capital. Porém, o mais normal era a rota ser por terra até Vila Velha de Ródão e a partir daí por barco, pelo Tejo, até Lisboa. Aí era conservada em vários poços, como o do Martinho das Neves, hoje o Martinho da Arcada. Aqui, onde existia outrora um dos poços reais de conservação do gelo, anunciava-se a chegada da neve à capital com pregões, bombo e trombeta, sendo recebidos pelo rei.

Já José Mendes dos Santos, na sua Breve História Cronológica da Covilhã, nos narra que foi em 10 de abril de 1619, no reinado de Filipe II, que a Câmara de Lisboa fez contrato com Paulo Domingues, oficial de neveiro, que consistia em levar para a capital 96 arrobas de neve da Serra da Estrela para o fornecimento diário entre 1 de junho a 30 de setembro. A neve retirada da serra, ia em carros até à Barquinha, e daí em barcos até Lisboa. Mal chegava à cidade, era guardada em poços, havendo um junto ao Convento da Graça e outro no Castelo de S. Jorge. Em 1714 já se vendiam sorvetes de vários gostos e preços sendo o de limão o mais barato.

 

João de Jesus Nunes

jjnunes6200@gmail.com

 

(In “Notícias da Covilhã”, de 13-01-2022)