Foi na poesia de Augusto Gil que,
na Guarda, onde passou a maior parte da sua vida e morreu – a “sagrada Beira” –
se inspirou em 1909 para “A Balada de Neve”.
“Batem leve, levemente, /como
quem chama por mim. /Será chuva? Será gente? / Gente não é, certamente / e a
chuva não bate assim. (…) Fui ver. A neve caía / do azul cinzento do céu, /
branca e leve, branca e fria… / - Há quanto tempo a não via! / E que saudades,
Deus meu!”
A Serra da Estrela – montanha
rainha do continente português, onde os covilhanenses se dispersam pela sua
encosta e faldas, é a atração dos turistas nacionais e estrangeiros, mormente
quando os flocos brancos e leves dão a alegria para quem visita esta cidade
cosmopolita.
No domingo, 2 de janeiro, dei um
salto às Penhas da Saúde, para acompanhar a família, e, na falta de neve nos
caminhos da Estrela, estivemos no pavilhão “Serra da Estrela-Ice Arena”, ali
instalado pela FDI-Portugal-Federação de Desportos de Inverno de Portugal, onde
crianças, jovens e alguns adultos, ali se divertiram. Saudades da neve.
O mítico Café Martinho da Arcada,
em Lisboa, “o café que se cruzou com a História”, completou 240 anos no dia 7
de janeiro. Este emblemático e mais duradouro café lisboeta tem grandes memórias.
Apesar de ter aberto ao público em 1782, só quase 50 anos mais tarde o café
viria a adquirir o nome que mantém ao dia de hoje. A sua fundação deve-se a
Julião Pereira de Castro, neveiro-mor do reino, que inaugurou com pompa uma
Casa da Neve – local onde se podia tomar refrescos e comer gelados graças aos
blocos de neve trazidos propositadamente da Serra da Estrela para a corte.
Hoje, quando queremos alimentos
frescos, congelados ou cubos de gelo, basta recorrer ao congelador do nosso
frigorífico. Mas, até finais do século XIX, isso era difícil e caro. Produzir e
trazer “neve”, ou, mais propriamente, blocos de gelo, da Serra da Estrela até
Lisboa foi uma atividade iniciada em 1614 e que se prolongou até aos finais do
século XIX, extinguindo-se com o aparecimento das fábricas de gelo industrial. Foi o rei Filipe II de Portugal, que, estando
com a corte em Lisboa, seguindo uma prática já usual na corte espanhola, pediu
que produzissem neve (gelo) na Serra da Estrela e a trouxessem para Lisboa no
verão, para ele a desfrutar em bebidas frescas e gelados. Foi então criada a
figura de neveiro-mor (normalmente um fidalgo). Este estaria encarregue de
fornecer diariamente entre 30 e 40 arrobas de neve à corte desde o primeiro dia
de maio até ao último de outubro.
Segundo o Público, a neve era recolhida no inverno na Serra da Estrela e
depositada em geleiras, poços profundos em zonas sombrias, compactada e coberta
com palha, tornando-se gelo. No verão, os blocos de gelo eram recolhidos e
cortados, geralmente no Covão da Ametade. Envoltos em serapilheiras e cobertos
com palha, seguiam por carroças, burros e cavalo até ao Zêzere, se o caudal do
rio o permitisse e, depois de Constança, pelo Tejo até à capital. Porém, o mais
normal era a rota ser por terra até Vila Velha de Ródão e a partir daí por
barco, pelo Tejo, até Lisboa. Aí era conservada em vários poços, como o do
Martinho das Neves, hoje o Martinho da Arcada. Aqui, onde existia outrora um
dos poços reais de conservação do gelo, anunciava-se a chegada da neve à
capital com pregões, bombo e trombeta, sendo recebidos pelo rei.
Já José Mendes dos Santos, na sua
Breve História Cronológica da Covilhã, nos narra que foi em 10 de abril
de 1619, no reinado de Filipe II, que a Câmara de Lisboa fez contrato com Paulo
Domingues, oficial de neveiro, que consistia em levar para a capital 96 arrobas
de neve da Serra da Estrela para o fornecimento diário entre 1 de junho a 30 de
setembro. A neve retirada da serra, ia em carros até à Barquinha, e daí em
barcos até Lisboa. Mal chegava à cidade, era guardada em poços, havendo um
junto ao Convento da Graça e outro no Castelo de S. Jorge. Em 1714 já se
vendiam sorvetes de vários gostos e preços sendo o de limão o mais barato.
João de Jesus Nunes
(In “Notícias da Covilhã”, de
13-01-2022)
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